Confira Parecer do Procurador Rômulo de Andrade Moreira sobre o art. 111 da Lei de Execuções Penais

20/04/2016

Por Redação - 20/04/2016

Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processo distintos, a determinação do Regime de cumprimentos deverá ser feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. E, em caso que sobrevier condenação no curso da Execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.

Confira o parecer do Procurador Rômulo de Andrade Moreira.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA PROCURADORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL

PROCESSO Nº. 0003252-40.2016.8.05.0000 – AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL ORIGEM: PAULO AFONSO – BA ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL – SEGUNDA TURMA AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA RELATOR: DESEMBARGADOR NILSON SOARES CASTELO BRANCO

PARECER Nº. 2731/2016

Trata-se de um agravo em execução penal interposto contra a decisão proferida às fls. 33/35 que indeferiu o pedido de progressão do regime fechado para o semiaberto.

Nas razões recursais, o agravante requer a desconstituição da decisão atacada, para que seja deferida ao agravante a progressão de regime fechado para o semiaberto.

As contrarrazões foram acostadas às fls. 37/42

Às fls. 57/58, o Magistrado manteve a decisão agravada.

Eis um sucinto relatório.

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público para o parecer.

Compulsando os autos, verifica-se que ocorreu a soma das penas impostas ao agravante (fls. 33/35), totalizando doze anos e dez meses de reclusão, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 12 da Lei nº. 6368/76 e art. 33 da Lei nº. 11.343/06).

Como se sabe, tratando-se de crime hediondo ou equiparado (conferir art. 2º. da Lei nº. 8072/90), se o apenado for primário, a progressão de regime dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, nos termos do art. 2º., § 2º., da Lei nº. 8072/90, a saber: “A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”.

De acordo com o atestado de conduta carcerária e reclusão, juntado às fls. 36, constata-se que o agravante ficou custodiado cautelarmente no período de 05 de março de 2004 até 04 de setembro de 2006, data na qual foi liberado por força de alvará de soltura. Retornou ao Conjunto Penal em 09 de dezembro de 2012, permanecendo recolhido ao cárcere até a presente data, o que contabiliza quase cinco anos e dez meses de prisão (quase metade do tempo de prisão decorrente da soma das penas).

Assim, restam cumpridos os dois quintos necessários para a progressão do regime prisional do fechado para o semiaberto, porquanto o agravante não foi considerado reincidente (fls. 33).

Entretanto, nota-se que o Magistrado, às fls. 33/35, considerou a data do último trânsito em julgado (16 de julho de 2014) como marco inicial de contagem do quantum da pena para a concessão da progressão de regime na execução penal, interpretando in malan partem o disposto no parágrafo único do art. 111 da Lei nº. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), que dispõe:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”. (Grifos nossos).

Sobre a hermenêutica em matéria de execução penal, Rafson Saraiva Ximenes alerta que não “há como negar o recorrente uso de interpretações extensivas, contra o sentenciado. É desse modo que vem sendo tratada a execução penal. Os operadores do direito manuseiam arbitrariamente as normas e conceitos jurídicos. Ao contrário do que mandam as regras de interpretação, estende-se a repressão e restringe-se a liberdade.[1] 

É cediço que a Lei nº. 7.210/84 não estabeleceu um termo inicial para a concessão de benesses durante a execução penal. Logo, a aludida norma deve ser interpretada em benefício do apenado, à luz do Princípio do Favor Rei ou Princípio do Favor Libertatis.

Tal princípio deve ser observado em toda e qualquer interpretação das normas penais. Lembro, com Giuseppe Bettiol, que em uma “determinada óptica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação penal de um Estado inspirado, na sua vida política e no seu ordenamento jurídico, por um critério superior de liberdade. (...) Não há, efetivamente, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma constante das articulações jurídicas de semelhante Estado, um empenho no reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana. (...) No conflito entre o jus puniendi do Estado por um lado e o jus libertatis do arguido por outro, a balança deve inclinar-se a favor deste último se se quer assistir ao triunfo da liberdade.”[2] (Grifos nossos).

A propósito, ao comentar o artigo 111 da Lei de Execução Penal, Maurício Kuehne adverte com percuciência:

Ao vencer a opinião do digno representante do Ministério Público,             falar-se-ia convir que o art. 111, parágrafo único, determina ser o novo termo a quo para a contagem de benefícios, o trânsito em julgado da nova condenação. Assim, portanto, aplicando-se tal regra em caráter absoluto, estaria o Judiciário a endossar desigualdades inadmissíveis. Sabidamente a data do trânsito em julgado da nova condenação, é produto imediato da maior ou menor celeridade processual. Este interstício temporal portanto, estaria se erigindo a parâmetro para concessão de direito público e sabidamente tal lapso não é, de regra, marcado pela rigidez da lei. Não há de se avalizar tal infringência à isonomia real, nivelando direitos públicos à progressão de regime, ante a mera constatação de qual a data de inexorabilidade de uma decisão judicial (trânsito em julgado). Desta forma, deve-se entender o art. 111, parágrafo único da LEP com ressalva ao caso em análise, posto que o citado dispositivo é parâmetro para determinação do regime de cumprimento de pena quando do advento de nova condenação, e não termo a quo para cálculo de benefícios. A exação sugerida pelo ilustre membro do Parquet é portanto, camuflada analogia in malan partem, expressamente vedada pelo ordenamento jurídico. Não restando norma expressa a nortear o assunto, penso que tal interpretação, por ser restritiva de direitos, é incabível ao caso em pauta.”[3]  (Grifos nossos).

Nesse diapasão, como já escreveu Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[4] Logo, devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário!

Como escreveu Frederico Marques, a Constituição Federal “não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico. A conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todos.”[5]

James Goldshimidt[6] já afirmava no clássico “Problemas Jurídicos e Políticos del Proceso Penal” que a estrutura do processo penal de um país indica a força de seus elementos autoritários e liberais.[7]

Destarte, não se pode admitir a interpretação in malan partem do artigo 111 da Lei de Execução Penal, pois a morosidade do aparelho judiciário não pode resultar em prejuízo para o apenado.

Tratando dos critérios interpretativos à luz dos princípios constitucionais no âmbito da execução da pena, Simone Schroeder leciona:

Se o Estado age como mero chancelador de discricionariedade administrativa e conveniências, sem fundar-se na estrita legalidade, os operadores em sede de execução penal estariam desmantelando o próprio Estado Democrático de Direito, que se arrima, fundamentalmente, na dignidade da pessoa humana, num ser com dignidade, um fim e não um meio, um sujeito e não um objeto. (...) Nesta perspectiva, a formalização do mecanismo de atuação penal deixa, portanto, evidente que o exercício do jus puniendi não é atividade desenfreada, regida apenas por critérios de utilidade social, mas sim, algo que se submete a um diligente controle com vias de garantias devidas ao direito de liberdade do cidadão. (...) Assim, se a pena, como sanção penal, determina o despojamento de direitos do sentenciado, faz-se necessário respeitar o devido processo penal, resguardando todos os direitos em sede executiva, respeitando a pessoa ‘condenada’ como sujeito de direitos e não como objeto da execução, respaldado no princípio da legalidade na execução penal. Toda execução penal, na medida em que restringe direitos mensurados em sentença penal, não pode atribuir aos condenados sanções desmedidas, inadequadas e excessivas, sob pena de violar princípio implícito no âmbito Constitucional. Neste diapasão, os operadores, em sede executiva, devem respeitar os direitos fundamentais, que são também assegurados aos presos.[8]  (Grifo nosso).

Sobre os princípios da execução penal, Luiz Regis Prado, Denise Hammerschmidt, Douglas Bonaldi Maranhão e Mário Coimbra ensinam:

O princípio da individualização da pena consiste numa diretriz constitucional orientadora de imposição, aplicação e execução da pena (art. 5º., XLVI), no sentido de que o condenado não só receba a pena adequada à reprovação e prevenção do crime, dentre os critérios previamente estabelecidos em lei, mas que também, no decorrer da execução, receba o condenado a devida atenção do Estado, não só no que tange às suas características pessoais, mas que, de igual forma, a expiação seja atenuada, à medida que se constate uma prognose positiva de reeducação penal.[9] (Grifo nosso).

Ademais, ressaltamos que o entendimento do Magistrado acerca do momento fixado para a concessão da progressão do regime prisional, em sede de execução penal, não tem amparo legal.

No caso dos autos, nota-se que, antes da soma das penas, o agravante já estava no regime prisional fechado e continua no citado regime mais rigoroso. O agravante esteve preso, no regime fechado, de 05 de março de 2004 até 04 de setembro de 2006, bem como de 09 de dezembro de 2012 até a presente data. Frise-se, portanto, que não ocorreu alteração do regime prisional no momento da unificação das penas. Logo, esse período de efetivo cumprimento de pena no regime fechado não pode ser simplesmente desprezado, ensejando o acolhimento da interpretação mais benéfica ao apenado.

Com efeito, concordamos com a lição de Vinicius da Paz Leite, Defensor Público do Estado de São Paulo, sobre o marco para a contagem do lapso temporal para implemento de direitos subjetivos públicos insculpidos na Lei de Execução Penal, a saber:

“No curso da execução, com a sobrevinda de nova condenação, o juiz passa à unificação das penas, em conformidade com o artigo 111, LEP. Detrai o tempo de pena que o sentenciado já havia cumprido e reinicia o cômputo temporal do zero, tomando-se por data base a data da publicação da sentença condenatória ou do trânsito em julgado. É como se não existisse o tempo de execução anterior à sobrevinda da nova sentença. Tal entendimento advém do Direito Processual Civil, em que não há execução sem título executivo prévio. Contudo, no Direito das Execuções Penais, em atenção à realidade e ao caráter da pena, que restringe direitos fundamentais basilares, a execução se inicia não com um documento expedido pelo juiz da fase de conhecimento, mas sim com a efetiva privação da liberdade.”[10] (Grifo nosso).

E o continua o autor:

“Com o entendimento de que o tempo de uma pena cumprido de fato não vale para fins de cômputo do lapso para implemento dos direitos subjetivos insculpidos na LEP, há um aumento de permanência dos sentenciados no cárcere. Esse prolongamento de tempo no cárcere é inexplicável sob o ponto de vista lógico, para o sentenciado, que de fato, cumpriu pena, mas sua privação de liberdade não valerá para o cômputo do lapso do ‘benefício’. Isso atrapalha qualquer projeto pedagógico sério de ‘reinserção social’, a viga mestra da Execução Penal, que se pauta na ‘Nova Defesa Social’. O apenado fica mais tempo segregado, o que o distancia da sociedade cada vez mais, ao invés de reintegrá-lo.”[11] (Grifo nosso).

Portanto, a segregação da liberdade deve ser o único marco para o início da contagem do período para a aquisição de benefícios na execução penal, abatido o interlúdio em que o apenado esteve solto.

Nesse sentido, vejamos alguns julgados:

A alteração da data-base, realizada pela magistrada a quo, deve ser desconstituída. Quando a unificação das penas acarreta imposição de regime prisional mais gravoso, conta-se o prazo para obtenção da nova progressão do dia em que o apenado foi colocado no regime mais gravoso, pois, se o regime foi alterado, é justo que se calculem os benefícios a partir de então. Contudo, no caso, o agravante, antes da unificação, já estava no regime prisional fechado, sendo que após a unificação nele permaneceu. Então, não é justo que se altere a data-base, porque mesmo antes da unificação ele já computava tempo para a progressão. A hipótese é de concessão de habeas corpus, de ofício, pois o pedido do agravante se limitava a discutir o dia da alteração da data-base e a decisão desta Câmara foi no sentido de desconstituir a decisão que a alterou. Assim, deve ser desconstituída a decisão recorrida. Habeas corpus concedido, de ofício”. (TJRS; AG 70027574219; Uruguaiana; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira; Julg. 18/03/2009; DOERS 22/05/2009; Pág. 144) (Publicado no DVD Magister nº 27 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007) (Grifo nosso).

Quando a unificação das penas acarreta a imposição de regime prisional mais gravoso, conta-se o prazo para a obtenção da nova progressão do dia da unificação, pois se a pena foi alterada em razão de nova condenação é justo que se calculem os benefícios a partir de então. Contudo, na hipótese, o agravado, antes da unificação, estava no regime prisional fechado, sendo que, após a unificação, nele permaneceu. Assim, não é justo que se altere a data-base, porque mesmo antes da unificação ele já estava computando tempo para a progressão de regime. No presente caso, além de a data-base ter sido alterada incorretamente para o dia do trânsito em julgado da condenação, o Ministério Público pretende postergá-la ainda mais, para o dia em que houve cadastramento da condenação, o que, na linha do posicionamento sustentado anteriormente, é descabido, já que será ainda mais prejudicial ao condenado. Agravo improvido”. (TJRS; AG 70027581248; Caxias do Sul; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira; Julg. 11/03/2009; DOERS 14/04/2009; Pág. 82) (Publicado no DVD Magister nº 26 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007) (Grifo nosso).

A execução penal corresponde à realização prática do comando da sentença condenatória, por isso que os marcos que interessam aos benefícios de que cogita a Lei Especial própria hão de estar afeiçoados às alterações práticas na situação do apenado, e não, assim, salvo alguma disposição legal expressa, a movimentos que se vejam operar no processo, seja o da execução penal mesmo, seja o processo de conhecimento. O que interessa acerca desses movimentos é o momento em que, no plano prático, passaram a atuar sobre a pessoa do apenado. Nessas condições, não será a simples deliberação acerca da unificação de penas, que não implicou alteração do regime de cumprimento da pena, que terá o condão de interromper a execução, significando, para o apenado, o reinício da contagem de prazo para futura progressão. Decisão que estabeleceu nova data-base desconstituída. AGRAVO PROVIDO”. (TJRS; AG 70028527943; Uruguaiana; Sétima Câmara Criminal; Relª Desª Naele Ochoa Piazzeta; Julg. 21/05/2009; DOERS 10/06/2009; Pág. 114) (Grifo nosso).

Considerando que a Lei de Execuções Penais não prevê a data do reinício da contagem para concessão de benefícios após a unificação das penas e determinação do regime, deve ser considerada a data da última prisão do condenado, não sendo admitida a fixação de nova data-base como sendo do trânsito em julgado da última condenação”. (TJ-MG - AGEPN: 10439110085057001 MG, Relator: Jaubert Carneiro Jaques, Data de Julgamento: 16/09/2014, 6ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/09/2014) (Grifo nosso).

O Magistrado considerou como data base, para concessão do benefício da progressão de regimes, a data da unificação da penas impostas ao paciente. Ultima prisão do paciente ocorreu no dia 10 de fevereiro de 2009, 1 ano e 8 meses antes da data da unificação da pena. A data base para efeitos de progressão de regime deve ser a data de início da prisão preventiva (precedentes desta Corte) 4- Habeas Corpus concedido”. (TJ-MA - HC: 58692011 MA, Relator: RAIMUNDO NONATO MAGALHÃES MELO, Data de Julgamento: 06/05/2011,  IMPERATRIZ, ) (Grifo nosso).

O reeducando não pode ser prejudicado na execução de sua pena em razão de circunstância a que não deu causa. Cometido novo fato delituoso que culminou em nova condenação, se a decisão que unificou as penas e regrediu a forma de cumprimento para o fechado foi prolatada em data posterior à efetiva prisão, a data a ser considerada como marco inicial para fins de contagem de prazo de estágio para a progressão de regime deve ser a de sua efetiva prisão, sendo certo que o reeducando não pode cumprir parte da pena em regime mais gravoso em razão do vagaroso trâmite processual na execução penal - Recurso provido”. (TJMG - AG-ExPen 1.0035.10.000158-1/001 - 1ª C.Crim. - Rel. Flávio Leite - DJe 16.03.2012 ) (Grifo nosso).

Nova condenação por crime cometido anteriormente ao início do cumprimento da pena, deve ser lançada e considerada como tempo de pena cumprido, para efeitos da nova condenação, como marco inicial da contagem para a progressão de regime. - Em obediência aos princípios da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade deve ser abatido do total da pena, todo o período em que o reeducando já se encontra em cárcere. - A nova condenação ocorrida no curso de outra execução, ocasiona a somatória das penas, sendo o restante da medida a ser cumprida e a nova pena, considerados para fins de fixação de regime e concessão de benefícios próprios da execução, conforme expõe o artigo 111 da Lei de Execuções Penais”. (TJMG - AE Nº 1.0471.09.118071-4/001 - Rel. Des. Silas Vieira - DJ 04.10.2011) (Grifo nosso).

Além disso, o art. 387, § 2º., do Código de Processo Penal, revela uma nítida demonstração da intenção do legislador em evidenciar que a data da prisão do réu é o marco inicial do cálculo para a obtenção de benefícios na execução, a saber: O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.

Aliás, impende também transcrevermos o valioso julgado, acerca do tema explicitado, do Superior Tribunal de Justiça:

Nos termos do artigo 111, parágrafo único, da LEP, a existência da nova condenação no curso da execução - ainda que por crime anterior - enseja a soma da respectiva pena ao restante da que está sendo cumprida e, em razão disso, deve ser estabelecido, se for o caso, novo regime. Assim, se o réu estiver cumprindo pena no regime semiaberto e, com a soma da nova pena por outro crime, o referido regime se torne incompatível, deverá o magistrado proceder a regressão ao regime fechado. Esse fato, entretanto, não tem qualquer relação com a interrupção dos prazos para a concessão de nova progressão. Ao somar (unificar) as penas, o lapso temporal para a concessão da progressão ou de outra benesse deve ser abatido daquele já cumprido pelo réu. O raciocínio, no caso, é o mesmo que é feito para a prática de falta grave que, a teor da jurisprudência da Sexta Turma desta Corte, não interrompe os prazos para a concessão de benefícios da execução. Habeas corpus concedido para determinar que a decisão de unificação das penas não implique interrupção do prazo para a obtenção de benefícios na execução, que deverá levar em conta o tempo de pena já cumprido”. (Superior Tribunal de Justiça - HC 141618 /MG - Rel. Min. Haroldo Rodrigues - (Desembargador convocado do TJ/CE) (8195) - Sexta Turma - DJe 16/11/2010). (Grifo nosso).

Logo, entendemos que a ausência de previsão legal acerca do marco inicial para a concessão de benefícios durante a execução penal, após a unificação das penas, não pode ser suprida por uma interpretação in malan partem do art. 111 da Lei 7.210/84. Assim, o termo inicial para a contagem do período para a aquisição de benefícios na execução penal deve ser a data da primeira prisão, desconsiderado apenas o tempo de liberdade do apenado.

Nesse sentido, recorremos, mais uma vez, a Vinícius da Paz Leite, in verbis:

Sendo assim, a data-base para a contagem do novo período aquisitivo de direitos insculpidos na LEP deve ser a data da primeira prisão, descontados os períodos em que o sentenciado esteve em liberdade. Este posicionamento vem amparado nos seguintes argumentos:             I. Não há na legislação penal previsão de causas de interrupção do lapso temporal para a concessão de “benefícios”, seja a partir da sentença condenatória, seja a partir do trânsito em julgado da condenação; II. Em casos de lacuna, a taxatividade da lei penal impede a analogia in malam partem; III. A LEP equipara o crime à falta grave (conferir o art. 52 da Lei nº. 7.210/84), portanto, na linha da súmula 441 do Superior Tribunal de Justiça e dos Decretos presidenciais de indulto, não pode a nova condenação interromper o lapso temporal para a aquisição de direitos”.[12] (Grifos nossos).

A propósito, a Defensoria Pública de São Paulo obteve decisão do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) segundo a qual a contagem de prazo para concessão de benefícios penais – como progressão de regime e livramento condicional – deve começar a partir do início da execução da pena, não sendo interrompida por outra condenação durante o período de cumprimento. O acórdão proferido em dezembro passado pela 2ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP atende a um habeas corpus impetrado pelo Defensor Público Vinicius Paz Leite em favor de detento que cumpre pena desde junho de 2002. Em junho de 2013, foi feito pedido de livramento condicional para o sentenciado, sob argumento de que ele preenchera os requisitos legais para obtenção do benefício. O Juízo de primeiro grau determinou que a contagem de prazo deveria começar na data em que a última condenação sofrida transitou em julgado – ou seja, no ano de 2012. Condenado anteriormente por vários roubos e furtos a 17 anos , 3 meses e 21 dias,  sobreveio ao assistido condenação (7ª execução) de 2 anos e 2 meses por furto qualificado. Assim, o pedido de livramento condicional só poderia ser feito no início de 2015. “O posicionamento do juiz gera um hiato entre o direito e a realidade, contribuindo ainda mais para o que se convencionou chamar de grande encarceramento”, avalia o Defensor Público Vinícius Paz Leite. Para o Desembargador relator Ivan Marques “não pode uma falta qualquer gerar tal consequência pura e simplesmente por falta de amparo legal. Com efeito, não existe uma única disposição legal vigente no Brasil que determine tal consequência”. Segundo o Defensor Vinícius Paz Leite, “a decisão da 2ª. Câmara, que adota o segundo posicionamento, respeita a realidade tanto da situação individual de pena efetivamente cumprida do sentenciado quanto a realidade alarmante do grande encarceramento, além de abrir precedentes minoritários para discussão do tema nas instâncias especiais.[13] (Grifos nossos).

Por derradeiro, destacamos a lição de Salo de Carvalho acerca do sistema de Execução Penal e o Modelo Jurídico de Garantias:

Se é verdade que o sistema jurídico, mesmo perfeito, por si só não pode garantir nada, não podemos afirmar que o jurista nada possa fazer para otimizar o modelo de garantias. É do papel crítico do operador utilizar os mecanismos fornecidos pela Constituição, e as lacunas e contradições entre esta e o ordenamento inferior, para legitimar/deslegitimar, manifestando as validades/invalidades e eficácias/ineficácias, das normas e das práticas judiciais e administrativas. (...) ao avaliarmos o conjunto principiológico, parece-nos que o legislador constituinte optou por um modelo de garantias, alertando para que, apesar de condenada pela prática de crime, a pessoa não perde sua dignidade (art. 5º., XLIX). Somente dessa forma podemos interpretar os princípios elaborados pela doutrina pátria em decorrência dos dispositivos constitucionais penais. Os autores nacionais afirmam, e com plena razão, serem estas normas instituidoras dos princípios da humanidade, da proporcionalidade, da pessoalidade e da individualização da pena.”[14] (Grifos nossos).

Ante o exposto, entendemos deva ser julgado procedente o presente agravo em execução penal.

Prequestionamos, para efeito de recurso especial e extraordinário, o art. 111 da Lei nº. 7.210/84 e o art. 2º., § 2º., da Lei nº. 8072/90, bem como o art. 387, § 2º., do Código de Processo Penal e os artigos 1º., III, e 5º., XLVI, da Constituição Federal.

Salvador, 04 de abril de 2016.

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA

Procurador de Justiça


Notas e Referências: 

[1]“Progressão por Salto e Racionalidade”. In Redesenhando a Execução Penal: a superação da lógica dos benefícios. Rafson Saraiva Ximenes e Daniel Nicory do Prado (Coords.), Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 2010, p. 133.

[2]Instituições de Direito e Processo Penal, Coimbra: Editora LDA, 1974, p. 295. Tradução para o português de Manuel da Costa Andrade.

[3]Lei de Execução Penal Anotada. 13ª. ed. Curitiba: Juruá Editora: 2015, p. 337.

[4]Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I,               p. 79.

[5]Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 79.

[6]Para Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “nunca foi tão importante estudar os Goldschmidt, mormente agora onde não se quer aceitar viver de aparências e imbrogli retóricos.” (O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 12).

[7]Apud José Frederico Marques, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 37.

[8]“Regressão de Regime: Uma Releitura Frente aos Princípios Constitucionais. Abordagem Crítica”. In Crítica à execução penal. CARVALHO, Salo de (Coord.), 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2007, p. 479/481.

[9]Direito de Execução Penal, 2ª. Edição. Luiz Regis Prado (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 27.

[10] Encontro Estadual dos Defensores Públicos de São Paulo, VII, 2014, Propostas de Teses Institucionais, p. 41.

[11] Ibidem, p. 44/45.

[12] Ibidem, p. 44.

[13]http://www.apadep.org.br/noticias/defensor-paulista-impetra-habeas-corpus-e-consegue-que-contagem-de-prazo-de-concessao-de-beneficios-penais-comece-partir-inicio-da-execucao-da-pena/ (Acesso em dia 03 de abril de 2016).

[14]Pena e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil, Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris, 2001, páginas 176/177.


Rômulo de Andrade Moreira. Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.


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