Confira parecer de Rômulo de Andrade Moreira sobre a exigência de realização do interrogatório do réu ao final da instrução criminal no processo penal militar

04/08/2016

Por Redação - 04/08/ 2016

O Procurador Rômulo de Andrade Moreira apresentou parecer sobre a observância da exigência de realização do interrogatório do réu ao final da instrução criminal conforme a regra prevista no art.400 do Código de Processo Penal ao Processo Penal Militar por ser norma mais favorável ao réu, de acordo com o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal,  no Habeas Corpus nº. 127900.

Confira o parecer.

  MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

PROCURADORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL

 

 PROCESSO Nº. 0011224-61.2016.8.05.0000 – HABEAS CORPUS

ORIGEM: SALVADOR – BA

ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL – SEGUNDA TURMA

IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE SALVADOR – VARA DA AUDITORIA MILITAR

PARECER Nº. 6778/2016

Tratam os presentes autos de um pedido de habeas corpus visando à soltura do paciente acima epigrafado, sob a alegação, em epítome, de excesso prazal para o encaminhamento da apelação a esse Tribunal de Justiça, bem como de ausência de fundamentação idônea para a manutenção da prisão cautelar. Negada a concessão da liminar requerida (fls. 531/532), o Magistrado prestou as informações de praxe (fls. 536/540). Os autos foram encaminhados ao Ministério Público para o parecer. Eis um sucinto relatório.

Ab initio, no tocante à alegação de excesso prazal para o encaminhamento da apelação a esse Tribunal de Justiça, o Magistrado informou às fls. 536/540 que oficiou ao SECOMGE, informando que o processo judicial eletrônico em apreço estava liberado para as providências cabíveis no segundo grau de jurisdição. Após verificar os autos por meio do Sistema de Automação da Justiça – SAJ, constatamos que a apelação já está disponível nesse Tribunal de Justiça (anexo), razão pela qual resta prejudicada a alegação do impetrante concernente ao excesso prazal para a remessa do apelo a esse Tribunal de Justiça.

Ademais, impende informar que esta Procuradoria de Justiça emitiu parecer no Habeas Corpus nº. 0010629-96.2015.8.05.0000 pela concessão da ordem em favor do mesmo paciente, pugnando, desde aquela oportunidade, pela nulidade do processo originário, a partir da audiência realizada no dia 25 de fevereiro de 2015 (inclusive), tendo em vista que o interrogatório do paciente ocorreu antes da oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, violando, assim, o artigo 400 do Código de Processo Penal e o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal.

Nada obstante, a nulidade acima apontada não foi reconhecida por esse Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no julgamento do Habeas Corpus nº. 0010629-96.2015.8.05.0000, ao acolher o entendimento da Relatora, a saber: “Com efeito, embora o douto Procurador afirme que o interrogatório do paciente deveria ser o último ato do processo e não o primeiro, como ocorreu, tendo mencionado jurisprudência da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, filio-me ao entendimento da Segunda Turma do mesmo Excelso Pretório, no sentido de que deve prevalecer a norma especial em detrimento da geral (...)”.

Entretanto, na sessão do dia 03 de março de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que se aplica ao processo penal militar a exigência de realização do interrogatório do réu ao final da instrução criminal, conforme previsto no art. 400 do Código de Processo Penal (Habeas Corpus nº. 127900). Em seu voto, o Relator, Ministro Dias Toffoli, reafirmou jurisprudência da Primeira Turma no que diz respeito à aplicação de dispositivos do Código de Processo Penal mais favoráveis ao réu, garantindo o direito ao contraditório e à ampla defesa. Frise-se que a decisão citada foi do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, essa Câmara errou ao denegar a ordem anterior. Às vezes, é preciso ter a coragem de se antecipar à jurisprudência da Suprema Corte, especialmente quando evidente o equívoco da decisão de primeiro grau e a desconformidade daquela decisão com a Constituição Federal. Que esse processo sirva de paradigma para futuras decisões.

Saliente-se que tal questão não é "meramente procedimental" como se costuma, depreciativamente e de forma simplista, afirmar-se em algumas decisões judiciais que ainda teimam em invocar uma nociva "instrumentalidade do processo" para relativizar o rito processual em detrimento da garantia que ele representa para o acusado no processo penal.

No Processo Penal, cujo conteúdo difere substancialmente do Processo Civil[1], o prejuízo decorrente da inobservância do rito deve ser presumido e não provado pela defesa (isso é de uma obviedade...).

Como ensina Cordero ao estudar a etimologia da palavra "rito", ela surge a partir de "palabras que traen a la mente la idea de evolución o desarrollo conforme a lo prescrito en cuanto a la forma, y de consecuencia o de tiempo".[2]

Aliás, Calmon de Passos, há quase duas décadas, já desvelava esta farsa, afirmando que "falar-se em instrumentalidade do processo é incorrer-se, mesmo que inconsciente e involuntariamente, em um equívoco de graves consequências, porque indutor do falso e perigoso entendimento de que é possível dissociar-se o ser do direito do dizer sobre o direito, o ser do direito do processo de sua produção, o direito material do direito processual." Para ele, a instrumentalidade foi uma resposta dada "para o problema do sufoco em que vive o Poder Judiciário, dado o inadequado, antidemocrático e burocratizante modelo de sua institucionalização constitucional. A pergunta que cumpria fosse feita - quais as causas reais dessa crise - jamais foi formulada. E a resposta foi dada pela palavra mágica da \'instrumentalidade\', a que se casaram outras palavras mágicas - \'celeridade\', \'efetividade\', \'deformalização\' etc. E assim, de palavra mágica em palavra mágica, ingressamos num processo de produção do direito que corre o risco de se tornar pura prestidigitação. Não nos esqueçamos, entretanto, que todo espetáculo de mágica tem um tempo de duração e a hora do desencantamento."[3]

Pois que, desgraçadamente, até hoje como nunca antes, despreza-se a forma com argumentos utilitaristas, eficientistas e consequencialistas, como se um procedimento em matéria penal fosse apenas um "simples detalhe", um arremate, digamos assim..., perfeitamente dispensável, esquecendo-se que a sua observância é, sobretudo, uma garantia que o acusado será processado, julgado e (se for o caso) condenado sob o manto do devido processo legal, sem manipulações de qualquer natureza.

Desta forma, reiteramos o entendimento do parecer Ministerial exarado no Habeas Corpus nº. 0010629-96.2015.8.05.0000 (anexo).

Salvador, 29 de julho de 2016.

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA

Procurador de Justiça


Notas e Referências:

[1] A propósito, é preciso ler e reler o clássico "A Lide e o Conteúdo do Processo Penal", de Jacinto Nelson Miranda Coutinho, Curitiba: Juruá, 1998.

[2] CORDERO, Franco, Procedimiento Penal, Tomo I, Colombia: Editorial Temis S/A, 2000, p. 6.

[3] CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal, Revista de Processo, nº. 102, Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, páginas 55 e seguintes.

.


Rômulo de Andrade Moreira. Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

.


Imagem Ilustrativa do Post: IMG_8798 // Foto de: David // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/bootbearwdc/294858266/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura