Compete à Justiça Estadual julgar crimes contra o Banco Postal, decide STJ

10/01/2016

Por Patrícia Cordeiro - 10/01/2016

Quando o crime referir-se a uso de documento falso para abrir conta corrente nas agências do Banco do Brasil, localizadas dentro das agências dos Correios, a competência é da Justiça Estadual e não da Federal, assim decidiu a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Entenda o caso: um homem foi acusado de apresentar documentos falsos para abrir conta corrente numa agência do Banco do Brasil, localizada dentro de uma agência dos Correios, na cidade de Pomba, Paraíba. A conta não foi aberta e o homem denunciado à Justiça Estadual. Esta alegou que não era competente para julgar o caso, em virtude do crime ter ocorrido nas dependências de uma agência dos Correios, que é empresa pública Federal. Logo, a competência seria da Justiça Federal. Entretanto, a Justiça Federal afirmou que não houve prejuízo/lesão aos Correios, e por isso a competência seria da Justiça Estadual.

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que em decisão unânime definiu: "a competência penal da Justiça Federal restringe-se às hipóteses em que as infrações penais são perpetradas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas [...] Não se verificando que a suposta conduta criminosa tenha causado qualquer prejuízo ou lesionado serviço da EBCT, mas tão somente o serviço de responsabilidade do Banco do Brasil S.A., instituição financeira contratante do serviço postal, é de se reconhecer a competência da Justiça Estadual para o julgamento da ação penal.”

Confira abaixo a decisão na íntegra (os nomes das partes foram substituídos pelas iniciais).

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.804 - PB (2013/0300560-9)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 8º VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 1º VARA DE SOUSA - PB

INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA

INTERES. : J. A. A.

INTERES. : R. B. D. A. J.

INTERES. : D. M. D. S.

EMENTA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. TENTATIVA DE ESTELIONATO E USO DE DOCUMENTO FALSO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE COM DOCUMENTO FALSO EM AGÊNCIA DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS QUE FUNCIONAVA COMO BANCO POSTAL (BANCO DO BRASIL S/A). PREJUÍZO ECONÔMICO EVENTUAL SUPORTADO PELO BANCO DO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA DIRETA A INTERESSE, BEM OU SERVIÇO TÍPICO PRESTADO PELA EBCT. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. Se cabe à instituição financeira contratante dos serviços do Banco Postal (in casu o Banco do Brasil S/A) a responsabilidade pelos serviços bancários disponibilizados pela EBCT a seus clientes e usuários, ressalta nítido que eventual lesão decorrente da abertura de conta corrente por meio da utilização de documento falso atingiria o patrimônio e os serviços do Banco do Brasil S/A e não da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT ou dos serviços típicos de sua atividade fim. Tanto é assim que, caso a empreitada delituosa tivesse tido êxito, os prejuízos decorrentes da abertura de conta corrente na agência do Banco Postal seriam suportados pelo Banco do Brasil S/A. Precedente desta Corte: HC n. 96.684/BA, rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª Turma, julgado em 5/8/2010.

2. A lesão apta a justificar a competência da Justiça Federal para julgamento da ação penal seria aquela em que ficasse comprovada a ofensa direta a interesse, bem ou serviço que cabe à EBCT por força de lei, sendo que, na situação dos autos, o serviço de abertura de conta prestado pelos Correios decorre de contrato com o Banco do Brasil S.A., sendo este o eventual prejudicado com a conduta delituosa intentada pelo investigado.

3. Não se verificando que a suposta conduta criminosa tenha causado qualquer prejuízo ou lesionado serviço da EBCT, mas tão somente o serviço de responsabilidade do Banco do Brasil S.A., instituição financeira contratante do serviço postal, é de se reconhecer a competência da Justiça Estadual para o julgamento da ação penal.

4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Sousa/PB, o Suscitado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Sousa/PB, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP), Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Nefi Cordeiro e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior.

Brasília (DF), 28 de outubro de 2015 (Data do Julgamento).

MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.804 - PB (2013/0300560-9)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 8º VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA

SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DA 1º VARA DE SOUSA - PB

INTERES. : JUSTIÇA PÚBLICA

INTERES. : J. A. A.

INTERES. : R. B. D. A. J.

INTERES. : D. M. D. S.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba (e-STJ fls. 241/245) em face de decisão do Juízo de Direito da 1ª Vara de Sousa/PB (e-STJ fls. 224/226) que se reputou incompetente para o julgamento de ação penal (n. 5271-33.2012.815.0371 – numeração da Justiça Estadual; ou n. 176-78.2013.4.05.8202, numeração da Justiça Federal) na qual J. A. A., R. B. D. A. J. e D. M. D. S. são acusados de tentativa de estelionato (art. 171, caput, c/c 14, II, do CP) em concurso material com uso de documento falso (art. 304 do CP).

De acordo com a denúncia (e-STJ fls. 7/10), o denunciado J. A. A. apresentou documentos falsos de identidade junto à agência do Banco do Brasil S/A, localizada na agência dos Correios em Pombal – PB, com o intuito de abrir uma conta corrente, mas não obteve sucesso porque a agência recebeu, logo em seguida, informação de que o denunciado efetuara anteriormente a mesma tentativa em Sousa/PB, valendo-se, também, de documentos falsos.

Para o Juízo suscitado (da Justiça Estadual), como as infrações ocorreram dentro da agência da EBCT de Pombal/PB, é da Justiça Federal a competência para o julgamento da ação.

Por sua vez, para o Juízo suscitante (da Justiça Federal), “No concreto, inexiste, portanto, qualquer lesão a bem, serviço ou interesse da ECT a incidir a competência da Justiça Federal para o processamento do presente feito, eis que a instituição que se pretendia manter em erro com a abertura de conta corrente era o Banco do Brasil S.A., conforme descrito na denúncia, agindo os Correios apenas na qualidade de correspondente bancário da referida instituição financeira.” (e-STJ fl. 243).

Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou (e-STJ fls. 257/263) pela competência da Justiça Estadual, em parecer que recebeu a seguinte ementa:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTALADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA AGÊNCIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS QUE FUNCIONAVA COMO CORRESPONDENTE DO BANCO DO BRASIL S.A.. PREJUÍZOS ADVINDOS DA PRÁTICA CRIMINOSA SUPORTADOS PELA ÚLTIMA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA, INTEIRAMENTE RESPONSÁVEL, SEGUNDO NORMAS CONTRATUAIS, PELOS SERVIÇOS PRESTADOS NO BANCO POSTAL. INOCORRÊNCIA DE LESÃO A BEM, SERVIÇO OU INTERESSE DA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARECER PELO CONHECIMENTO DO CONFLITO, DECIDINDO-SE PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL, SUSCITADO.

É o relatório.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 129.804 - PB (2013/0300560-9)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):

O conflito merece ser conhecido, uma vez que os Juízos que suscitam a incompetência estão vinculados a Tribunais diversos, sujeitando-se, portanto, à jurisdição desta Corte, a teor do disposto no art. 105, inciso I, alínea "d", da Constituição Federal.

Questiona-se, nos autos, se compete à Justiça Federal ou à Estadual o julgamento de ação penal em que se imputa aos denunciados a prática de suposta tentativa de estelionato decorrente da tentativa de abertura de conta corrente com documento falso em agência do Banco do Brasil S/A localizada nas dependências de agência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT, que funciona como correspondente do Banco do Brasil na condição de Banco Postal.

Nos termos do art. 109, IV, a competência penal da Justiça Federal restringe-se às hipóteses em que as infrações penais são perpetradas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, de suas autarquias ou empresas públicas.

Não há dúvidas de que a EBCT é empresa pública federal. Isso não obstante, como bem observou o Juízo suscitante, “a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos presta serviços relativos ao Banco Postal, em todo território nacional, como correspondente bancário de instituições financeiras contratantes, às quais cabe a inteira responsabilidade pelos serviços prestados pela empresa contratada, em consonância com o disposto na Portaria n. 588/2000, do Ministério das Comunicações, na forma atual da Resolução BACEN n. 3954, de 24.02.2011” (e-STJ fl. 242), que assim dispõem:

"Portaria n° 588/2000 do Ministério das Comunicações - Art. 2º : Os serviços relativos ao Banco Postal caracterizam-se pela utilização da rede de atendimento da ECT para a Prestação de serviços bancários básicos, em todo território nacional, como correspondente de instituições bancárias, na forma definida pela Resolução do Conselho Monetário Nacional de n° 2.707, de 30 de março de 2000".

"Resolução BACEN n° 3954, de 24.02.2011

- Art. 2º O correspondente atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado , à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.” (negritei).

Ora, se cabe à instituição financeira contratante dos serviços do Banco Postal (in casu o Banco do Brasil S/A) a responsabilidade pelos serviços bancários disponibilizados pela EBCT a seus clientes e usuários, ressalta nítido que eventual lesão decorrente da abertura de conta corrente por meio da utilização de documento falso atingiria o patrimônio e os serviços do Banco do Brasil S/A e não da EBCT ou dos serviços típicos de sua atividade fim. Tanto é assim que, caso a empreitada delituosa tivesse tido êxito, os prejuízos decorrentes da abertura de conta corrente na agência do Banco Postal seriam suportados pelo Banco do Brasil S/A.

Nesse sentido já decidiu a 6ª Turma desta Corte, como se vê do seguinte precedente:

HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ENVOLVIMENTO DE EMPRESA PÚBLICA (CORREIOS). PREJUÍZO SOFRIDO PELO BANCO POSTAL (BRADESCO). INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO. CONCLUSÃO DIVERSA. VIA INADEQUADA. ORDEM DENEGADA.

1. Hipótese em que se pretende a anulação do processo que tramitou na Justiça estadual, para que seja reconhecida a competência da Justiça Federal para processar e julgar os pacientes, em razão de o crime ter sido cometido em detrimento de empresa pública (ECT).

2. O Tribunal de origem destacou o convênio firmado entre o Bradesco e a ECT, assentando que não houve qualquer prejuízo à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

3. Se a Corte estadual, examinando as provas em profundidade, em sede de recurso de apelação, concluiu que não houve prejuízo aos Correios, mas apenas ao Banco Bradesco, não cabe a este Superior Tribunal de Justiça, na via estreita do habeas corpus , inverter o decidido.

4. Ordem denegada. (HC n. 96.684/BA, rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª Turma, julgado em 5/8/2010).

Ora, a lesão apta a justificar a competência da Justiça Federal para julgamento da ação penal seria aquela em que ficasse comprovada a ofensa direta a interesse, bem ou serviço que cabe à EBCT por força de lei, sendo que, na situação dos autos, o serviço de abertura de conta prestado pelos Correios decorre de contrato com o Banco do Brasil S.A., sendo este o eventual prejudicado com a conduta delituosa intentada pelo investigado.

Não se verificando que a suposta conduta criminosa tenha causado qualquer prejuízo ou lesionado serviço da EBCT, mas tão somente o serviço de responsabilidade do Banco do Brasil S.A., instituição financeira contratante do serviço postal, é de se reconhecer a competência da Justiça Estadual para o julgamento da ação penal.

Ante o exposto, conheço do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Sousa/PB, o Suscitado, para o processamento e julgamento da ação penal.

É como voto.

MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator


Imagem Ilustrativa do Post: Sessão plenária do STJ // Foto de: Superior Tribunal de Justiça STJ // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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