Centro Acadêmico do Curso de Direito da UFMG interpõe Recurso contra decisão que proibiu a convocação de Assembléia Geral Estudantil

04/05/2016

Por Redação - 04/05/2016

O Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, agravou da decisão proferida pelo Poder Judiciário de MG, que determinou a anulação da convocatória da Assembléia Geral Estudantil realizada pelo movimento estudantil com a data  prevista para o dia 29/04/2016, às 16h. A decisão proferida foi fundamentada na alegação de que a pauta da Assembléia, cujo assunto principal era a discussão sobre o processo de impeachment da Presidente Dilma Roussef, fugia da competência dos discentes.

A decisão agravada também estabeleceu a obrigação de não fazer ao Centro Acadêmico, proibindo a convocação de nova AGE para tratar de assuntos relacionados ao impedimento da Presidente, por fugir às suas atribuições estatutárias, e ainda determinou a abstenção dos alunos em deflagrar qualquer tipo de movimento grevista estudantil com motivação político-partidária.

Confira abaixo o Agravo interposto e a decisão agravada em anexo: Decisão Efeito Suspensivo


EXCELENTÍSSIMO SR. DR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EXTREMA URGÊNCIA

Autos do processo de origem nº 5059824-31.2016.8.13.0024

Agravante: CENTRO ACADÊMICO AFONSO PENA

Agravado(s): TULIO VIVIAN ANTUNES CAMPOS

                            MARIA CLARA BARROS MOTA

Direitos de reunião e associação vibrantes são um pré-requisito não apenas para uma democracia legítima, mas também para uma sociedade justa.” (Relatoria Especial das Nações Unidas sobre os direitos de livre reunião e associação).

Sem liberdade de expressão, liberdade de reunião e associação, sem a batalha livre de opiniões, a vida em toda instituição pública se esvai, torna-se uma caricatura de si mesma.” (Rosa Luxemburgo)

CENTRO ACADÊMICO AFONSO PENA - CAAP, associação civil, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 17.390.964/0001, com sede na Av. João Pinheiro, nº 100, bairro Centro, em Belo Horizonte/MG, CEP 30130-180, e-mail direx@caap.org.br, neste ato representada conforme seu Estatuto Social por Ana Carolina Pereira de Oliveira, XXXXXXX, por seus advogados que esta subscrevem, conforme procuração em anexo (anexo 1), vem, respeitosamente, perante V. Exa., em razão de decisão monocrática (liminar) proferida nos autos do processo em epígrafe, de ID 8091727, na ação de obrigação de não fazer em que litiga com TÚLIO VIVIAN ANTUNES CAMPOS, XXXXXX e MARIA CLARA BARROS MOTA, XXXXXX, interpor

AGRAVO DE INSTRUMENTO

COM PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO

conforme art. 1.015 do CPC/15, requerendo seja conhecido o recurso, recebido em seu efeito suspensivo e, após o trâmite regular, provido, para fins de reformar a decisão agravada, negando o pedido de tutela de urgência formulado pelos AGRAVADOS na origem.

Na oportunidade, informa o AGRAVANTE, conforme determinação do art. 1.016, IV, CPC/15, os seguintes dados dos procuradores das partes:

1) Pelo agravante, todos com endereço profissional na Rua dos Goitacazes, nº 333, sala 702, Centro, Belo Horizonte/MG:

  • Caio Moreira Martins da Costa - OAB/MG 136.866;
  • Eduardo Moreira Reis – OAB/MG 62.755;
  • Thiago Álvares Feital - OAB/MG 157.385;
  • Renan Sales de Meira - OAB/MG 157.386;
  • André Freire Azevedo - OAB/MG 150.626;
  • Thaís Lopes Santana Isaías - OAB/MG 159.473;
  • Henrique Napoleao Alves - OAB/MG 118.533;
  • Lucas de Oliveira Gelape - OAB/MG 158.387;
  • Erika Pretes - OAB/MG 132.306.
  • Cíntia de Freitas Melo - OAB/MG 144.991

2) Pelo agravado, todos com endereço profissional na Av. Getúlio Vargas, nº 668, 8º andar, Funcionários, Belo Horizonte/MG:

  • Ricardo de Gontijo Vivian - OAB/MG 128.296;
  • Mariane Andreia Cardoso dos Santos - OAB/MG 151.473;
  • Fernando Vinícius Tavares de Magalhães Morais - OAB/MG 155.731.

Informa o AGRAVANTE, ainda, que em razão de falhas no sistema de emissão de guias de recolhimento de custas processuais (ANEXO 6) - muito comum nos finais de semana, quando os sistemas eletrônicos deste Tribunal estão em manutenção, não foi possível emitir a respectiva guia – requer, assim, em decorrência da urgência explanada, seja apreciado o pedido de concessão de efeito suspensivo, concedendo-se prazo de 24h para apresentação do comprovante de recolhimento.

I - DA URGÊNCIA E DO CARÁTER COLETIVO DIFUSO DO INTERESSE SUB JUDICE

Já é fato notório no meio jurídico, embora recente, que a decisão liminar ora recorrida teve ampla repercussão nos mais diversos meios (ANEXO 5), não só trazendo graves danos à imagem do AGRAVANTE e ao livre exercício de suas atividades, mas também colocando em xeque, perante a coletividade, o papel dos órgãos estudantis e até do Poder Judiciário, enquanto guardião das liberdades fundamentais de um estado democrático de direito.

A decisão, com a declaração de nulidade da convocatória de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) que se realizaria em 29/04/2016 e imposição de que a ora AGRAVANTE se abstenha a convocar quaisquer AGE’s para tratar de assuntos relacionados ao impedimento da Presidenta da República, e, ainda, a deflagrar movimento de greve estudantil com motivação político-partidária, está sendo amplamente discutida nos meios de comunicação como um retrocesso democrático, verdadeira “mordaça” às organizações estudantis.

Logo, ver tal questão apreciada – e urgentemente apreciada, pelo TJMG, é uma expectativa coletiva legítima. O presente processo, embora pertinente a uma ação de caráter individual, passou a ter um viés de interesse coletivo, de ordem difusa. Em outros termos, uma questão que formalmente é individual, sendo transindividual apenas no tocante aos diretamente vinculados à entidade estudantil, materialmente passou a ser de interesse difuso.

Por tal razão o AGRAVANTE reputa ser não mais apenas de seu interesse, mas sim de interesse coletivo o julgamento do feito, devendo inclusive ser dada vista ao Ministério Público, como custos legis.

A título de ilustração, para se dimensionar a repercussão midiática do caso, veja-se excerto do artigo publicado às 18h50 do dia 30/04/2016 por Lenio Streck em página no ConJur (ANEXO 5):

Quarta-feira, 29 de abril, vai ficar na história da Faculdade de Direito das Minas Geraes. Foi o dia em que a juíza Moema Gonçalves repristinou os decretos 477, 228 e o próprio AI-5. Incrível como o autoritarismo está no nosso sangue estamental. Temos de censurar. Proibir. Impedir que ideias “perigosas” venham a lume. Perigosas para quem? E quem é o Judiciário para fazer a censura das reuniões de estudantes?

Explico: no dia 27 de abril o Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG, lançou uma convocatória de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) com o objetivo de discutir o momento político vivenciado pelo país. A pauta de convocação da Assembleia elencava os seguintes pontos para discussão e deliberação: 1. Posicionamento político das alunas e dos alunos do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais perante o processo de Impeachment da Presidente da República; 2. Possíveis desdobramentos e medidas a serem tomadas.

Foram fixadas convocatórias em todos os andares da Faculdade de Direito, dando-se a ampla publicidade exigida pelo estatuto (Artigo12 parágrafo 2º do Estatuto do Centro Acadêmico Afonso Pena). Além disso, o edital foi amplamente divulgado pela internet, e representantes do centro acadêmico passaram em sala de aula de modo a se divulgar a reunião e convidar todos os alunos a dela tomarem parte.

Pois no dia 29 chegou um oficial de justiça, comunicando que houvera sido decidido por uma juíza de direito que a reunião estava proibida. Inacreditável. Alguém judicializou “a coisa” por intermédio de uma "ação de obrigação de não fazer" em sede de tutela de urgência, visando a determinar a nulidade da convocatória, a não-realização de quaisquer AGEs sobre o processo de impeachment da presidenta da república, e vetando eventual deflagração de "movimento grevista". Interessante é o nome da ação: obrigação de não fazer. Isso. Não fazer democracia; não protestar; não se reunir; não cumprir a Constituição e todos os nãos possíveis e imagináveis.

(STRECK, Lenio. Constituição segundo decreto. Foi por saudade da ditadura que a juíza proibiu reunião de alunos da UFMG? Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-abr-30/lenio-streck-proibicao-discutir-impeachment-foi-saudade-ditadura. Acesso em: 30 de abr. 2016).

Nesses termos, fica desde já consignado o interesse do AGRAVANTE em solver a controvérsia com a formação de coisa julgada material, inclusive com fulcro no entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça a seguir exposto, acerca do interesse do réu na sentença meritória:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DESISTÊNCIA DA AÇÃO. CONCORDÂNCIA DO RÉU. NECESSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO RAZOÁVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE.

  1. Após a contestação, a desistência da ação pelo autor depende do consentimento do réu porque ele também tem direito ao julgamento de mérito da lide.
  2. A sentença de improcedência interessa muito mais ao réu do que a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, haja vista que, na primeira hipótese, em decorrência da formação da coisa julgada material, o autor estará impedido de ajuizar outra ação, com o mesmo fundamento, em face do mesmo réu.
  3. Segundo entendimento do STJ, a recusa do réu deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante.
  4. Na hipótese, a discordância veio fundada no direito ao julgamento de mérito da demanda, que possibilitaria a formação da coisa julgada material, impedindo a propositura de nova ação com idênticos fundamentos, o que deve ser entendimento como motivação relevante para impedir a extinção do processo com fulcro no art. 267, VIII, e §4º do CPC.
  5. Recurso especial provido.

(REsp 1318558/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 17/06/2013)

No caso, reitera-se, a repercussão nacional alcançada coloca em xeque o papel institucional dos centros acadêmicos universitários, do movimento estudantil e do Poder Judiciário como garantidor das liberdades fundamentais do estado democrático de direito, sendo certo que a decisão de Vossas Excelências servirá de baliza para inumeráveis outras potenciais iniciativas no mesmo sentido.

II - DOS DOCUMENTOS QUE INSTRUEM O RECURSO

Não obstante dispensada a formação de instrumento na modalidade de recurso em questão, quando se tratar de autos eletrônicos, nos termos do art. 1.017, § 5º, CPC/15, o AGRAVANTE anexa ao sistema do PJE, na oportunidade, cópia integral dos autos de origem (ANEXO 2), constando, dentre outros, cópias da petição inicial que ensejou a decisão agravada; cópia da decisão agravada; e cópias das procurações outorgadas aos advogados dos AGRAVADOS.

Ressalte-se, na oportunidade, a inexistência de procuração outorgada aos advogados do AGRAVANTE, nos termos do art. 1.017, II, CPC/15, uma vez que ainda não se manifestou nos autos em curso na primeira instância, tratando-se de agravo de instrumento interposto contra decisão liminar concedida inaudita altera pars.

Também não há certidão de intimação juntada aos autos até o momento da interposição do presente recurso, o que não prejudica a aferição da tempestividade do presente, o que se percebe pela simples comparação entre a data em que foi proferida a decisão e a data de interposição deste recurso: 29 de abril e 02 de maio, respectivamente.

III - BREVE RELATO DOS FATOS

Cuida, na origem, de ação de obrigação de não fazer com pedido de antecipação de tutela de urgência, cujo pedido principal é (1) a declaração de nulidade de assembleia geral extraordinária (AGE) convocada pela AGRAVANTE. Na exordial os AGRAVADOS pleiteiam, ainda, (2) determinação da nulidade do instrumento convocatório da referida AGE; (3) determinação de não realização de quaisquer assembleias para tratar de assunto relacionado ao impedimento da Presidenta da República; e (4) proibição do AGRAVANTE de "deflagrar qualquer tipo de movimento grevista-estudantil com motivação político-partidária".

Na exordial, os AGRAVADOS pediram também a concessão de tutela de urgência para impedir a realização da mencionada AGE, o que foi concedido pelo juízo a quo, conforme evento ID 8091727.

Diante dos pedidos, a decisão judicial ora atacada decidiu:

Dessa forma, concedo a tutela provisória de urgência e, em consequência, declaro a nulidade da convocatória da AGE feita pela entidade ré para a data de 29/04/2016, às 16h, e determino que a parte ré abstenha-se de convocar AGE para tratar de assuntos relacionados ao impedimento da Presidente da República, por fugir às suas atribuições estatutárias, e que se abstenha de deflagrar qualquer tipo de movimento grevista estudantil com motivação político-partidária.

Expeça-se mandado de intimação da parte ré, com urgência, a fim de que dê cumprimento à presente decisão, sob pena de multa diária de R$500,00 (quinhentos reais), de acordo com o artigo 497, do Código de Processo Civil de 2015, advertindo-a de que a tutela ora concedida está submetida ao disposto no artigo 304, do Código de Processo Civil de 2015, podendo ser estabilizada se não for objeto de recurso.

Na decisão, a magistrada ainda afirmou que:

(a) a pauta da Assembléia Geral Extraordinária divulgada como sendo o posicionamento dos alunos da Faculdade de Direito da UFMG perante ao Impeachment e as consequentes ações decorrentes desse posicionamento fogem ao objetivo estatutário da Entidade estudantil;

(b) Não há dúvidas de que, pelo teor da pauta da Assembléia, a matéria não se reveste da urgência que a Diretoria da Entidade pretende atribuir-lhe, sendo certo que o processo de impedimento da Presidente da República tramita há vários meses;

(c) Ainda que se constatasse a alegada urgência, não era possível, na então fase processual constatar se a parte ré observou a determinação de afixação do edital de convocação em cada uma das salas de aula do curso de Direito, requisito também exigível para a validade da convocação.

(d) havia a presença de risco de dano ou o risco ao resultado útil do processo, vez que os autores, na qualidade de membros do corpo social da entidade ré, seriam obrigados a acatar as decisões tomadas em assembleia, nos termos do artigo 9o, alínea “b”, do Estatuto do CAAP, sendo certo que, caso aprovada uma eventual greve dos discentes da Faculdade de Direito, seriam inequivocamente prejudicados, por ficarem privados de usufruir dos serviços educacionais disponibilizados pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Assim, no final da tarde do dia 29 de abril, o Centro Acadêmico Afonso Pena foi intimado por oficial de justiça do conteúdo da decisão (cópia do mandado no anexo 3), e, em reunião com estudantes de Direito, diante da decisão proibitória, se absteve de realizar a assembleia que havia sido convocada dentro dos requisitos legais do Estatuto do CAAP, o que provocou grande comoção e revolta nacional, por parte de seu corpo discente, docente, meios de comunicação, juristas, etc. (notícias no anexo 4).

Desse modo, a decisão judicial guerreada produziu seus efeitos, impedindo a realização da assembleia estudantil, estando vigente, ainda, a proibição de convocação de outra assembleia com a mesma matéria ou matéria afim, sob pena de multa diária de RS500,00.

Contudo, a assembleia e matéria de discussão proibidas foram convocadas dentro das previsões estatutárias do Centro Acadêmico, de forma que a decisão judicial da magistrada Moema Miranda Gonçalves não só carece de fundamentos legais, mas é, ainda, revestida de total ilegalidade pois significa, em verdade, censura à liberdade de reunião, de manifestação, de associação, motivo pelo qual deve ser reformada, pelas razões que se passa a expor.

IV DO CABIMENTO

O CPC/15 extinguiu o recurso de agravo na modalidade retida, dispondo, expressamente, sobre as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Nesse sentido, o presente recurso é cabível porque interposto contra decisão que deferiu tutela provisória contra o AGRAVANTE, conforme art. 1.015, I, CPC/15.

V DAS RAZÕES DE REFORMA

V.1 DA VINCULAÇÃO DA ASSEMBLEIA CONVOCADA AOS OBJETIVOS ESTATUTÁRIOS DO AGRAVADO

Nos termos da decisão ora impugnada, a pauta da mencionada AGE extrapolaria os objetivos estatutários da AGRAVANTE, os quais, ainda em conformidade com a referida decisão, estariam limitados ao complemento e aprimoramento da formação universitária:

Em que pese a entidade estudantil, por sua Diretoria, ter engajamento social e político consoante os documentos que instruem a inicial (id. 8063293 e 8063300), o interesse primordial a ser defendido é o direito à educação, sendo certo que os eventos sociais ou cívicos a serem organizados, nos termos do artigo 3º do Estatuto da Entidade, têm como finalidade complementar e aprimorar a formação universitária.

Dessa forma, entendo que a pauta da assembleia Geral Extraordinária divulgada como sendo o posicionamento dos alunos da Faculdade de Direito da UFMG perante ao Impeachment e as consequentes ações decorrentes desse posicionamento fogem ao objetivo estatutário da Entidade estudantil.

Todavia, carece de fundamento tal afirmação. Ora, ao estabelecer em seu art. 2º, as competências da AGRAVANTE, o seu estatuto social é cristalino:

Art. 2º - São competências do CAAP:

a) Coordenar as atividades do corpo discente, direcionando-as no sentido do aprimoramento do ensino do Direito;

b) Promover atividades culturais abrangendo quaisquer campos das ciências e das artes;

c) Supervisionar a execução de projetos de extensão que objetivem inter-relacionar a Universidade e a Comunidade;

d) Participar de movimentos estudantis ou sociais e apoiá-los, desde que estejam fundados em princípios democráticos e objetivem valorizar o bem estar da comunidade ou defender os interesses e a soberania nacionais;

e) defender os legítimos interesses dos seus associados.

A atuação social e política do órgão deflui também da alínea "c" do artigo acima transcrito e do artigo 3º:

ART. 3º - São atribuições do CAAP:

[...]

c) Organizar atividades de caráter cívico, social, cultural, científico, técnico e artístico, objetivando complementar e aprimorar a formação universitária;

Dessa forma, a afirmação de que a discussão da conjuntura política foge ao escopo das funções do Centro Acadêmico é absolutamente descabida e ignora a história combativa do CAAP. Bem se sabe que o Centro Acadêmico Afonso Pena é conhecido como espaço de luta pela Democracia, com destaque para os tempos de ditadura militar no Brasil. Para aclarar tal fato, e diante do levantamento desse sério impedimento ao exercício da função do Centro Acadêmico, importante resgatar episódios da sua história.

O Centro Acadêmico foi fundado em 1908 e é a mais antiga entidade estudantil de Minas Gerais. Desde então, atua fortemente em movimentos políticos na defesa dos interesses estudantis, da democracia e da justiça.

Em 1937, por exemplo, lutou contra a supressão dos direitos e garantias individuais pela Carta Autoritária de 37, com destaque para os debates sobre Democracia de importantes juristas, como Afonso Arinos, Pedro Aleixo e Virgílio de Melo Francopara. Organizou, também, mobilização em solidariedade às nações democráticas que participavam da II Guerra Mundial.

Inúmeros foram os movimentos e campanhas em que esteve envolvido, dentre eles “O Petróleo é Nosso”, que rendeu inclusive uma Torre de Petróleo na Praça Afonso Arinos em 1958, na comemoração do cinquentenário do centro acadêmico.

Outro capítulo relevante da história do CAAP se deu em tempos da ditadura militar. Com o golpe de 64, a Polícia do Exército invadiu a sede e roubou os arquivos do CAAP. Vários de seus membros foram perseguidos e mortos, dentre eles, José Carlos Novaes da Mata Machado, que dá nome ao pátio do terceiro andar, ex-presidente do CAAP torturado pelo DOI-CODI e morto em 1973. Foi nesse pátio do terceiro andar, Território Livre José Carlos da Mata Machado, que ocorreu o conhecido protesto de estudantes de Direito contra a ditadura militar, que durou cerca de três dias. A Faculdade de Direito, cercada por militares enquanto estudantes gritavam e estendiam frases contra a ditadura nas fachadas do Território Livre, assistiu ao impedimento de acesso dos policiais pelo reitor da UFMG e Diretor da Faculdade de Direito à época em nome da liberdade de expressão e resistência dos estudantes.

Já em 79, em tempos de Campanha pela Anistia, o CAAP capitaneou o I Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (ENED), e trouxe à discussão a volta da Democracia e o fortalecimento da luta pela então denominada “anistia ampla, geral e irrestrita”.

Na década de 80, o CAAP foi um dos coordenadores das “Diretas Já” em Minas Gerais e acompanhou a Assembleia Nacional Constituinte em 86.

Em 90, serviu de centro das reuniões e articulações do Movimento Estudantil do estado durante o Impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello.

Mais recentemente, no ano de 2013, o CAAP teve destaque em várias pautas, como o envolvimento nas manifestações de Junho de 2013 que ocorreram em Belo Horizonte.

É justamente essa história que compõe o cenário de luta por democracia e justiça em Minas Gerais e no Brasil que a decisão judicial ataca ilegalmente ao impedir a realização de assembleia do CAAP, sob alegação de que a pauta de discussão do “posicionamento dos alunos da Faculdade de Direito da UFMG perante ao Impeachment e as consequentes ações decorrentes desse posicionamento fogem ao objetivo estatutário da Entidade estudantil”.

Ora, Excelentíssimos, bem sabemos que a criação de espaços de debate e de posicionamento político, questões caras às representações estudantis, são partes preciosas da democracia e que precisam ser protegidas. Foi na toada de cassação à liberdade de discussão e de manifestação de ideias que, em 1969, o então presidente do Brasil, Costa e Silva, proibiu pelo decreto nº 477/1969, sustentado no AI-5, que alunos e professores do ensino público e particular se envolvessem em qualquer tipo de discussão e movimentação política. Vejamos:

DECRETO LEI Nº 477/1969

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1º do Art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

DECRETA:

Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:

I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento;

III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dêle participe.

VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.

Brasília, 26 de fevereiro de 1969

COSTA E SILVA

No caso em tela, porque legitimamente eleita e dentro das atribuições que são conferidas expressamente pelo Estatuto do CAAP, a atual gestão tem evidente autorização para convocar assembleia dentro do procedimento previsto. A discussão sobre a atual conjuntura política brasileira sobre o procedimento de Impeachment é pauta que está perfeitamente de acordo com o escopo estatutário e histórico de atuação do Centro Acadêmico. Vale repisar que prevê o art. 2º do Estatuto do CAAP que é de competência do Centro AcadêmicoParticipar de movimentos estudantis ou sociais e apoiá-los, desde que estejam fundados em princípios democráticos e objetivem valorizar o bem estar da comunidade ou defender os interesses e a soberania nacionais”.

Se discordam do posicionamento adotado pela atual gestão do Centro Acadêmico, podem os estudantes se manifestar nas instâncias adequadas, como a própria assembleia convocada pela diretoria, cuja realização a decisão combatida pretendeu impedir.

O que não se pode admitir é que se impeça a discussão, o debate, o posicionamento, o exercício de atos próprios de representações estudantis.

Dessa maneira, lamentável a decisão que veta o direito de reunião e manifestação do corpo discente da Faculdade de Direito, decisão que representa ato atentatório à democracia e que deve ser imediatamente sanado por essa douta câmara, motivo pelo qual se requer a reforma da decisão ora agravada.

V.2 DA REGULARIDADE DA CONVOCATÓRIA EM FACE DO PROCEDIMENTO ESTATUTÁRIO

Da leitura da decisão objeto do presente recurso, percebe-se que o juízo a quo infirma a validade da convocatória da Assembleia Geral Extraordinária realizada pelo AGRAVANTE por dois fundamentos: (1) que a matéria em pauta não possui urgência, o que desautoriza a aplicação do prazo de 48 horas entre a convocatória e a data de realização da assembleia, previsto no art. 12, § 1º do Estatuto do CAAP, porque (1.1) o processo de impeachment tramita há meses e sua votação no Senado Federal apenas ocorreria daqui a uns 20 dias, e (1.2) a temática não possui urgência para os estudantes e para a prestação dos serviços educacionais da UFMG; (2) não seria possível, na fase processual atual, verificar se o AGRAVANTE cumpriu o requisito de afixação do edital de convocação em todas as salas do curso de Direito, conforme determinação do art. 12, § 2º do Estatuto do CAAP.

Em primeiro lugar, é necessário brevemente recapitular alguns princípios constitucionais à luz dos quais toda a controvérsia jurídica objeto da decisão atacada deve ser lida. A Constituição foi enfática ao garantir a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII) independentemente de autorização para sua criação, vedada a intervenção estatal em seu funcionamento (art. 5º, XVIII). Por intervenção estatal, deve ser entendida a intervenção de qualquer dos poderes do Estado, inclusive do Poder Judiciário.

A decisão atacada afirma que a matéria não possui urgência porque o processo de impeachment tramita há meses, e a votação no Senado ocorrerá daqui a uns 20 dias. No entanto, a decisão acerca da urgência - ou não - na convocação de uma assembleia para discutir o tema é de competência exclusiva do Centro Acadêmico Afonso Pena e de seus associados, não cabendo ao Judiciário, à luz do art. 5º, XVIII da Constituição, pretender substituir o juízo político do movimento estudantil por um juízo político próprio.

Se é verdade que o processo de impeachment já tramita há bastante tempo, sua abertura só foi recentemente autorizada pela Câmara dos Deputados. Além disso, a mobilização estudantil sobre a questão não se circunscreve ou se encerra em uma eventual decisão em assembleia sobre o assunto. A assembleia representa, para o Centro Acadêmico, apenas a etapa preliminar de toda a sua atuação política - etapa em que a participação em uma tomada de decisão coletiva do corpo discente acerca do posicionamento político do CAAP é oportunizada a todo o seu corpo social. Toda a movimentação política deve ocorrer em momento posterior - e em tempo hábil até o julgamento do processo. Nesse contexto, a decisão acerca da urgência da convocatória depende de um cálculo de estratégia política (um juízo de conveniência e oportunidade) que só pode ser feito pelos próprios alunos associados e pelos diretores do CAAP. Não cabe ao Judiciário pretender substituir esse juízo por outro, próprio, pois o Judiciário não tem condições de afirmar o que é ou deixa de ser urgente para o movimento estudantil. Os tempos em que o Estado se arrogava a prerrogativa de decidir quais atividades políticas e culturais poderiam ou não ser exercitadas pelos estudantes universitários se encerraram com a revogação do Ato Institucional nº 5.

De fato, conforme colocado pela juíza, a convocação pode ser feita em prazo reduzido “em casos excepcionais e de urgência” (art. 12, §1º, Estatuto do CAAP). No entanto essa decisão cabe: (1) em primeiro lugar, à Presidenta do CAAP e ao Secretário-Geral do CAAP, a quem compete convocar a assembleia, dentre outros legitimados previstos estatutariamente; e (2) a qualquer membro do corpo social que, na própria assembleia, pode suscitar, como questão de ordem, a discussão preliminar sobre a plausibilidade dos motivos invocados acerca da urgência da convocação. Em nenhuma hipótese essa decisão caberia ao Estado - a quem, por força de dispositivo constitucional expresso, é vedado interferir no funcionamento das associações.

A decisão atacada afirma que a questão não tem urgência também porque não é relevante “para os estudantes e para a prestação dos serviços educacionais da UFMG”. No entanto, o Estatuto do Centro Acadêmico Afonso Pena é absolutamente claro ao definir, no seu art. 2º, ‘d’, que é competência do CAAP “participar de  movimentos  estudantis  ou  sociais  e  apoiá-los, desde que estejam fundados em princípios  democráticos e  objetivem valorizar o  bem estar da comunidade ou defender os interesses e a soberania nacionais”. Não poderia ser diferente, já que o CAAP se fez historicamente presente em momentos como a Revolução Constitucionalista de 1932, a campanha "O petróleo é nosso" de 1948, as Diretas Já!, as mobilizações estudantis de 1968, o Impeachment de Fernando Collor e as Jornadas de Junho de 2013, para lembrar apenas alguns. Diante da expressa menção estatutária no sentido de que, naturalmente, é finalidade de um Centro Acadêmico participar do movimento estudantil, com clareza se mostra a inconstitucional tentativa de substituir o juízo político da associação pelo juízo político do juiz-estado. Cabe ao próprio CAAP e aos seus associados definir democraticamente se o impeachment é uma questão urgente e de interesse nacional (art. 2º, ‘d’ do Estatuto), a ninguém mais.

Finalmente, aduz a decisão atacada que “não é possível, na fase processual, verificar se o CAAP cumpriu o requisito de afixação do edital de convocação em todas as salas (determinação do art. 12, § 2º, Estatuto do CAAP)”. O que os agravantes podem afirmar, com absoluta certeza, neste momento processual, é de que o requisito foi cumprido. Tanto foi cumprido que, conforme documentos juntados pela própria parte agravada, a primeira assembleia, convocada para a quarta-feira, dia 26 de abril, foi cancelada. O que os agravados sorrateiramente deixaram de informar ao juízo na exordial é que a primeira convocatória foi cancelada justamente porque o requisito da afixação do Edital em todas as salas não havia sido cumprido (as convocatórias haviam sido afixadas fora das salas, nos corredores). Não só a presunção de respeito às normas do Estatuto deve militar a favor dos AGRAVANTES, não dos AGRAVADOS, como, além disso, soa absolutamente implausível que, após a primeira convocatória ter sido cancelada justamente por não ter sido respeitado o requisito do art. 12, §2º, do Estatuto do CAAP, que a diretoria tivesse novamente - e no mesmo dia - incorrido exatamente no mesmo erro.

Ademais, percebe-se o equívoco da decisão porque, constatado que o momento processual não permitia aferir se o requisito da afixação dos editais fora cumprido, a decorrência lógica seria a não concessão da tutela provisória sem a oitiva do AGRAVANTE, porque isso significa que não restou provada a probabilidade do direito dos AGRAVADOS, nos termos do art. 300 do CPC/15. Desse modo, cumpriria à magistrada, num modelo cooperativo de processo (art. 8º, CPC/15) e atenta à igualdade de tratamento no que se refere ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa e ônus processuais (art. 7º, CPC/15), dar oportunidade ao AGRAVANTE para se manifestar antes de decidir sobre a tutela provisória requerida, uma vez que ausente, até então, a possibilidade de intervenção do AGRAVANTE no feito.

V.3 DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA AOS AGRAVADOS

Nos termos da decisão ora impugnada, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelos agravados se fundamentou, no que diz respeito ao risco de dano ou risco de resultado útil ao processo, no seguinte:

Por outro lado também se encontra presente o risco de dano ou o risco ao resultado útil do processo, vez que os autores, na qualidade de membros do corpo social da entidade ré, deverão acatar as decisões tomadas em assembleia, nos termos do artigo 9º, alínea “b”, do Estatuto do CAAP, sendo certo que, caso aprovada uma eventual greve dos discentes da Faculdade de Direito, serão inequivocamente prejudicados, por ficarem privados de usufruir dos serviços educacionais disponibilizados pela Universidade Federal de Minas Gerais, que, destaque-se, é mantida com recursos públicos (p. 8).

A decisão, nos seus termos, parece partir do equivocado pressuposto de que o CAAP tem competência para, a partir de suas decisões, deflagrar uma greve da Faculdade de Direito da UFMG enquanto instituição, ou que, pelo menos, tem competência para impedir que os alunos por ele representados assistam aulas. A decisão pressupõe que uma eventual decisão do CAAP no sentido de deflagrar um movimento grevista, intenção que, frise-se, jamais esteve em pauta e jamais foi veiculada por nenhum membro de sua diretoria, estando as alegações da inicial baseadas em meras conjecturas hipotéticas sem nenhum lastro probatório, teria o condão de obrigar todos os alunos de Direito da UFMG a aderir a esse movimento.

Em primeiro lugar, a decisão se equivoca ao amparar-se num hipotético “risco de aprovação de uma greve discente” – assunto que jamais esteve em pauta, conforme se depreende dos documentos juntados pelos próprios agravados. A única alusão a essa greve foi feita em uma postagem no Facebook pelo aluno que presidia a chapa derrotada nas últimas eleições do Centro Acadêmico, integrada pela aluna Maria Clara, ora AGRAVADA. Não há prova de que a deflagração de uma greve seria o objetivo dos alunos.

No entanto, mesmo que a assembleia geral do CAAP aprovasse a moção de uma greve estudantil, é evidente que essa decisão não traz qualquer prejuízo aos AGRAVADOS. Ora, se a Constituição garantiu a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII) independentemente de autorização para sua criação e vedada a intervenção estatal em seu funcionamento (art. 5º, XVIII), é inequívoco que, por outro lado, ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado (art. 5º, XX). O Centro Acadêmico Afonso Pena é o órgão de associação e de representação legal dos membros do corpo discente da Faculdade de Direito da UFMG. No entanto, conforme expressa dicção constitucional, nenhum aluno está obrigado a permanecer associado ao CAAP e a acatar suas decisões. Se as associações representativas, de fato, se submetem a um regramento jurídico mais rígido, na medida que devem adotar formas democráticas de funcionamento e não podem recusar injustificadamente o ingresso de associados, isso não faz com que a participação em uma associação representativa seja compulsória. As decisões em assembleia geral ordinária são vinculantes para o Centro Acadêmico e para sua diretoria, não para todos os alunos individualmente considerados.

De fato, como coloca a i. magistrada que proferiu a decisão em antecipação de tutela, o art. 9º, ‘b’ do Estatuto do CAAP prevê que é dever dos membros do corpo social “acatar as decisões legais da assembleia Geral e dos órgãos sociais da entidade”, assim como também é dever “apoiar as iniciativas da entidade e participar das suas atividades” e “participar das assembleias Gerais e das reuniões para as quais tenham sido regularmente convocados”. No entanto, é absurdo pressupor que o Estatuto  do CAAP impõe aos associados que não integram a diretoria o dever jurídico de comparecer às assembleias, de apoiar as iniciativas do CAAP e de participar das assembleias da entidade. A distinção aqui é entre dever jurídico e dever livre. O CAAP não tem o direito subjetivo (de cuja violação decorreria uma pretensão) de exigir que seus associados acatem suas decisões, compareçam aos seus eventos e participem das suas assembleias. Os deveres previstos no Estatuto do CAAP são deveres livres, deveres que não correspondem a direito subjetivo alheio, mas a um interesse próprio. Cabe aos associados comparecerem às assembleias porque, do contrário, suas opiniões não serão levadas em consideração nas decisões do Centro Acadêmico. Não há, no entanto, nenhuma consequência jurídica pelo não comparecimento em assembleia ou pela decisão individual de um estudante de não acatar as decisões do CAAP. Tal qual um sindicato não pode obrigar os trabalhadores por ele representados a aderirem a um movimento grevista, o CAAP não tem competência para obrigar os alunos a deixar de assistir aulas.

Em suma, ao contrário do que dispôs a decisão atacada, não há nenhum risco de dano aos agravados. Mesmo que fosse verídica a hipótese (não demonstrada) de que poderia ser aprovada uma greve dos discentes da Faculdade de Direito, isso não acarretaria absolutamente nenhum prejuízo individual aos AGRAVADOS, que em nenhum contexto ficariam “privados de usufruir dos serviços educacionais disponibilizados pela Universidade Federal de Minas Gerais”. Só uma greve docente ou da Faculdade como um todo poderia ter esse condão.

A ausência de plausibilidade do direito invocado restou amplamente demonstrada nos demais tópicos do presente recurso.

V.4 DAS MÚLTIPLAS VIOLAÇÕES À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

V.4.1 VIOLAÇÃO DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO, INFORMAÇÃO, CONSCIÊNCIA E PENSAMENTO (ART. 5º, INCISOS IV, VI, IX, XIV; ART. 220); VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA E DA INDISSOCIABILIDADE ENTRE UNIVERSIDADE E SOCIEDADE (ART. 207)

A Constituição garante a todos a liberdade de expressão (art. 5º, inciso IX) e de informação (art. 5º, XIV) e o direito de livre consciência e livre manifestação do pensamento (art. 5º, incisos VI e IV), afirmando, ademais, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” (art. 220).

A Constituição dispõe categoricamente em seu art. 5º, IV:

"É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato."

E, não bastasse tal dispositivo, insiste logo adiante no art. 5º, IX:

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença."

Finalmente, tamanha é a importância do direito à livre manifestação de pensamento que a Constituição volta a garanti-lo em seu art. 220:

"A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

[...]

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística.

Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – promulgada no Brasil pelo Decreto 678/1992 garante a liberdade de pensamento e expressão em seu art. 13:

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

Ao tratar da liberdade de manifestação do pensamento no contexto da liberdade de imprensa, o STF entendeu que ela abrange “o direito de informar, o direito de buscar a informação, o direito de opinar, e o direito de criticar”, tendo também afirmado como constitucional “o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões” (AI 705.630‑AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-3-2011, Segunda Turma, DJE de 6-4-2011, votação unânime).

Também no mesmo contexto, o STF afirmou que não pode haver liberdade “pela metade ou sob as tenazes da censura prévia” (ADI 4.451‑MC‑REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário, DJE de 1º-7-2011); que não cabe qualquer tipo de controle estatal quanto ao exercício de atividade jornalística, em respeito à liberdade de pensamento e à liberdade de expressão (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009).

Para o mesmo STF, nossa Constituição “veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões” (ementa do julgado na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009).

Também foi afirmado, na jurisprudência do STF, que a liberdade de expressão “constitui-se em direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica” (HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-9-2003, Primeira

Turma, DJ de 7-11-2003, votação unânime).

Cada um dos casos mencionados relaciona-se a fatos específicos, mas deles se depreende parâmetros gerais ou generalizáveis sobre o conteúdo dos direitos envolvidos, aplicáveis a situações variadas. Neste sentido, e levando-se em conta o caso presente, temos que a decisão do Mm. Juízo, ao impedir que os estudantes, por meio de sua associação, realizem assembleias para tratar do tema do Impeachment:

A. cerceou o direito de opinar e o direito de criticar e, por consequência, feriu o pluralismo de ideias;

B. impediu que os participantes da reunião pudessem exercer seu direito à informação;

C. configurou claro, verdadeiro e odioso controle estatal quanto ao exercício da liberdade de pensamento e de expressão, em seu assustador viés de censura prévia (antes mesmo que pudessem opinar sobre o Impeachment e deliberar acerca do seu posicionamento e de que medidas tomar a respeito disso, os estudantes já foram censurados previamente, proibidos de discutir o assunto em assembleia e de optar pela medida da paralisação estudantil como forma de expressão e manifestação de pensamento);

D. a mesma censura prévia provocada pelo Mm. Juízo impediu a livre e plena circulação das ideias e opiniões e o exercício do direito fundamental de expor e criticar fatos atuais ou históricos.

Nas palavras do Ministro Celso de Mello, “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público” (cf. ementa no julgado da ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-2009).

A decisão representa ingerência estatal inconstitucional numa livre associação de estudantes. Se seu caráter flagrantemente inconstitucional já não fica escancarado com a proibição de reunião para debater e se posicionar em relação ao Impeachment, somam-se a isso:

A. O Mm. Juízo colocar como um problema o “engajamento social e político” da Diretoria da associação;

B. O Mm. Juízo afirmar, no lugar dos próprios associados e de seus representantes eleitos, que a assembleia foge ao objetivo estatutário, restringindo a liberdade de reunião, de associação e de expressão dos estudantes a assuntos que visem “complementar e aprimorar a formação universitária.”

C. O Mm. Juízo julgar, no lugar dos próprios associados e de seus representantes eleitos, se a razão da convocatória é urgente ou não, e decidir que ela não é, invalidando a reunião com base numa leitura enviesada do Estatuto da associação, até porque é impossível encontrar fundamentação constitucional ou legal para tal decisão, a não ser em normas do período da Ditadura Militar.

D. O Mm. Juízo ingerir na liberdade dos estudantes de, caso quisessem, paralisar atividades como forma de protesto ou posicionamento, sob pretexto de realizar o direito à educação, mas na verdade realizando o mister de uma norma odiosa, contida no Decreto-lei 447/1967, derrubada pela Lei de Anistia e sepultada de vez pela Constituição Democrática de 1988.

Como é possível imaginar que a ingerência estatal do Poder Judiciário sobre a capacidade dos estudantes de debater um assunto de grande relevância nacional e eventualmente adotar medidas para se posicionar em relação a ele pode ser visto como “proteção ao direito à educação”? A resposta é simples: não, não é possível.

A Constituição prevê expressamente que as universidades gozam de autonomia e devem obedecer ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207). Mesmo se houvesse uma decisão estudantil em prol de paralisação – o que, vale dizer, sequer ocorreu e não constava, nem mesmo como ponto subsidiário, da ata convocatória da assembleia em questão –, tal é somente uma manifestação legítima das liberdades estudantis de pensamento, opinião, consciência, expressão e participação política, inteiramente coerentes com o princípio protegido pelo art. 207 da Constituição. Afinal, uma universidade que se fecha à sociedade e às grandes questões da sociedade de seu tempo é, por definição, uma universidade que descumpre o princípio elencado.

Por fim e para fins de completude, convém mencionar que a Constituição admite restrição à liberdade de imprensa na vigência de estado de sítio decretado, bem como suspensão da liberdade de reunião (art. 139, III e IV), mas obviamente não há estado de sítio decretado e em vigor.

Em outros casos, ao interpretar a Constituição, o STF admitiu restrição à liberdade de expressão, mas numa circunstância muito específica e para realizar finalidades constitucionais: assim, v.g., decidiu que a liberdade de expressão “não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’” (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004). E também aqui não é concebível qualquer comparação, por razões auto-evidentes.

Destaca-se, portanto, que a referida decisão não se enquadrou em nenhuma hipótese de restrição aceitável a direitos; simplesmente restringiu direitos de forma ilegítima e inconstitucional, devendo, por isso, ser imediatamente reformada através do recurso processual cabível.

V.4.2 VIOLAÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE DE REUNIÃO (ART. 5º, XVI)

A Constituição afirma a liberdade de reunião pacífica (art. 5º, XVI), admitindo sua restrição somente em caso de estado de sítio ou estado de defesa decretados e em vigor (art. 139, III e IV; art. 136, § 1º, I, a), o que obviamente não se aplica ao caso presente. Fora dessas duas situações excepcionais – estado de defesa e estado de sítio –, é impossível que o direito fundamental de reunião seja restringido (ADI 4.274, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 23-11-2011, Plenário, DJE de 2-5-2012, votação unânime).

E o que o direito de reunião abrange? O STF respondeu o questionamento ao julgar a ADPF 187 (cuja decisão foi adotada de forma unânime em Plenário), afirmando que a liberdade de reunião, enquanto “pré-condição necessária à ativa participação dos cidadãos no processo político”, abrange o direito de realizar “assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos (ou privados)”, “o direito de petição e de promover atos de proselitismo em favor das posições sustentadas pelos manifestantes e participantes de reunião” (ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 15-6-2011, Plenário, DJE de 29-5-2014).

A importância desta liberdade pública é trabalhada à exaustão pela doutrina nacional e estrangeira. A título de exemplo vejam-se os excertos abaixo:

Configuram instrumento relevante de controle do exercício do poder e tornam concretas condições importantes para efetiva participação na vida pública e expressão de ideias e reivindicações e para a expansão do espírito. Daí a liberdade de reunião ter sido identificada como “instrumento da livre manifestação de pensamento, aí incluído o direito de protestar. (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Comentário ao artigo 5º, XVI-XXI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva/Almedina, 2013. p.1.388.)

Aliás, a liberdade de reunião é daquelas que podemos denominar de liberdade-condição, porque, sendo um direito em si, constitui também condição para o exercício de outras liberdades: de manifestação do pensamento, de expressão de convicção filosófica, religiosa, científica e política, e de locomoção (liberdade de ir, vir e ficar). Por isso é que, se o seu regime delineia limitações possíveis (regras de contenção), predomina sempre o princípio de que prima a liberdade. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 264)

Também a liberdade de reunião é objeto do já mencionado Pacto de San José da Costa Rica (Decreto 678/1992):

Artigo 15.  Direito de reunião

É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas.  O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

O direito de reunião também encontra resguardo na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo XX                                                                 

1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.

A decisão do Mm. Juízo, ao impedir a realização de uma assembleia geral de entidade representativa de estudantes, os impediu de exercer seu direito de reunião – que, no caso, dada a pauta da convocatória, tinha claramente o caráter de “pré-condição” para a “ativa participação dos cidadãos no processo político”.

A violação é ainda mais grave por ter efeitos prospectivos, proibindo os estudantes de realizar não apenas a assembleia que haviam convocado, como também qualquer outra assembleia que cuidasse do tema do Impeachment.

V.4.3 VIOLAÇÃO DO DIREITO DE LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, OFENSAS À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À LIVRE INICIATIVA

A Constituição afirma ser “plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar” (art. 5º, XVII). Integra o direito de se associar livremente a possibilidade de criar associações, na forma da lei, independentemente de autorização, “sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento” (art. 5º, XVIII).

Oportuno mencionar que também a liberdade de associação é reconhecida pelo Pacto de San José da Costa Rica (Decreto 678/1992) como um "direito essencial da pessoa humana":

Artigo 16.  Liberdade de associação

  1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.
  2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.
  3. O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia.

Ora, a decisão do Mm. Juízo representa abertamente uma interferência estatal no funcionamento da associação, o que é vedado textualmente pela Constituição ao cuidar da liberdade de associação. E vale ainda dizer que, com isso, a decisão violou não só o direito dos estudantes de se associarem livremente, como também outras normas constitucionais de enorme importância. Isso porque a liberdade de associação configura-se como direito central à democracia e aos direitos fundamentais, como o demonstra a jurisprudência do STF: “O direito à plena liberdade de associação (art. 5º, XVII, da CF) está intrinsecamente ligado aos preceitos constitucionais de proteção da dignidade da pessoa, de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da liberdade de expressão” (HC 106.808, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-4-2013, Segunda Turma, DJE de 24-4-2013).

Também irretocáveis, nesse sentido, as lições de importantes doutrinadores brasileiros:

A liberdade de associação presta-se a satisfazer necessidades várias das pessoas, que podem associar-se para alcançar metas econômicas, para mútuo apoio, para fins religiosos, para promover interesses gerais ou da coletividade, ou para se fazerem ouvir, conferindo maior ímpeto à democracia participativa. Por isso mesmo, o direito de associação está vinculado ao preceito de proteção da dignidade da pessoa, aos princípios de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão. (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Comentário ao artigo 5º, XVI-XXI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva/Almedina, 2013. p.1.388.)

Há duas restrições expressas à liberdade de associar-se: veda-se associação que não seja para fins lícitos ou de caráter paramilitar. E é aí que se encontra a sindicabilidade que autoriza a dissolução por via judicial. No mais têm as associações o direito de existir, permanecer, desenvolver-se e expandir-se livremente. (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 267)

É incontestável, portanto, o fato de a decisão violar também a liberdade de associação e os direitos constitucionais a ela relacionados.

V.4.4 VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO

As liberdades violadas guardam uma relação direta com norma estruturante do sistema jurídico brasileiro: o princípio democrático (art. 1º da Constituição).

Sobre o tema, a jurisprudência do STF já afirmou, v.g., que “[a] liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas” (ADI 1.969, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007); que a liberdade de manifestação do pensamento e o mercado livre de ideias são “elemento fundamental e inerente ao regime democrático” (STF, AC 2.695-MC/RS); que a liberdade de informação e o direito de crítica que dela emana são “um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático” (STF, AI 705.630-AgR); que a livre manifestação do pensamento é o “núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias”, e a liberdade de expressão “um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas” (STF, ADI 4.274).

Tudo isso não passa de um truísmo: o “Estado Democrático de Direito”, firmado como modelo e princípio constitucional no nosso sistema jurídico, pressupõe a garantia e o exercício de liberdades como as de pensamento, de consciência, de expressão, de iniciativa, de associação, de reunião, de informação.

Dito de outro modo, o conceito constitucional de democracia pressupõe a participação da sociedade civil, em um exercício de ocupação da esfera pública que não se exaure na participação nos fóruns oficiais. Essa a importância constitucional de entidades como o AGRAVANTE:

Hoje, o princípio da democracia envolve o reconhecimento de uma noção mais ampla de esfera pública política que não se reduz aos fóruns oficiais do Estado, assim como de uma renovada concepção de sociedade civil que, diferentemente do velho conceito hegeliano-marxista de sistema das necessidades, é formada por grupos, movimentos, associações e organizações sociais que se diferenciam tanto da esfera governamental, quanto do mercado, e que visam à dramatização e generalização de temas e problemas que dizem publicamente respeito aos diversos âmbitos da sociedade (A. Arato), por meio de formas argumentativas ou de narrativas de autoexpressão (G. Marramao). Democracia hoje é, portanto, democracia constitucional. (CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. Comentário ao artigo 1º, parágrafo único.In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva/Almedina, 2013. p. 595)

Evidentemente, o Estado, ainda que por meio do Poder Judiciário, "[...] não pode cercear as liberdades públicas e privadas, nem calar os dissidentes políticos que, no exercício de seu direito constitucional de oposição ou mesmo de seu direito fundamental à desobediência civil, não apenas poderão divergir, mas se opor pacificamente, por meio de manifestações públicas e de gestos simbólicos, às decisões majoritárias, em nome do aprofundamento e prosseguimento dos debates públicos, do respeito aos direitos fundamentais e do próprio regime democrático-constitucional, em face da inércia dos poderes estatais e das organizações sociais e econômicas." (CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. Comentário ao artigo 1º, parágrafo único.In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:Saraiva/Almedina, 2013. p. 597)

A violação ao princípio democrático resta ainda mais fortemente demonstrada ao constatarmos o triste fato de a decisão judicial em comento ser incoerente com a Constituição Democrática de 1988, por todas as razões já aduzidas, mas ser compatível com várias normas caracterizadoras da Ditadura Civil-Militar, a exemplo do Decreto-Lei 477/1969 retrocitado.

A decisão proibiu os estudantes de se reunir para deliberar sobre o Impeachment. E, também, os proibiu de escolher a paralisação como meio de manifestarem eventual posicionamento diante do Impeachment. Ao assim proceder amoldou-se sem arestas ao quadro normativo dos tenebrosos Atos Institucionais.

O Ato Institucional n.1, de 9 de abril de 1964, deu aos “comandantes-em-chefe” golpistas poderes máximos de ingerência na liberdade das pessoas de se reunirem e se associarem para participarem da vida política do país, ao afirmar inclusive a possibilidade de suspensão de direitos políticos de cidadãos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Também o AI 1 tinha a sua justificativa “altruísta”, “moral”: tais atos de extremo autoritarismo podiam se dar, mas desde que “no interesse da paz e da honra nacional” (art. 10 do AI 1). A decisão do Mm. Juízo, ao cassar liberdades de estudantes e de sua associação, também representa ingerência na liberdade das pessoas de se reunirem e se associarem para participarem da vida política do país, bem como ingerência em relação a uma Diretoria que foi eleita pelos seus representados por voto direto (como prevê o Estatuto do CAAP), e também buscou para si uma justificativa “altruísta”, “moral”: a de proteger o “direito à educação” – justificativa formal que não se sustenta, como já demonstrado no tópico 2.1 acima.

O Ato Institucional n.2, por sua vez, “[n]o interesse de preservar e consolidar a Revolução” (art. 15), tornou juridicamente possível a suspensão de direitos políticos com cassação do privilégio de foro, a suspensão do direito de votar e ser votado em eleições sindicais, a proibição de atividade ou manifestação de “natureza política”, a aplicação de medidas de segurança para a preservação da ordem política e social (como liberdade vigiada, proibição de frequentar determinados lugares, domicílio determinado) e a extinção de partidos políticos (arts. 16-18). A decisão do Mm. Juízo, de sua parte, sinaliza também para a proibição de atividade ou manifestação de natureza política, além de, ao fixar multa diária pelo descumprimento, fixar sanção para preservar a ordem, sanção para impedir que cidadãos exerçam suas liberdades. Ademais, parece caminhar no mesmo telos da extinção de partidos políticos ao sugerir uma quase demonização ou, no mínimo, um julgamento de eventual participação estudantil em partidos políticos como atividade pejorativa, supostamente estranha ou alheia à vida estudantil.

Oxalá todo o exposto não passasse de um exagero dos subscritores do presente recurso. Longe disso. Se não houve até aqui convencimento do alinhamento da decisão do Mm. Juízo com algumas das normas mais autoritárias que deram embasamento jurídico à Ditadura Civil-Militar, vejamos algumas das normas constantes do maldito Decreto-lei 477/1967, aquele a quem a história deu a pecha de “o AI-5 dos estudantes”:

Decreto-lei 477/1967

Define infrações disciplinares praticadas por professôres, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1º do Art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,

DECRETA:

Art. 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:

I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; [...]

III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dêle participe;

IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; [...]

VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.

O que dispõe o AI-5 dos estudantes? Fundamentalmente o mesmo que foi feito pela decisão ora impugnada: torna ilegal a possibilidade de organização e manifestação sobre assunto político na faculdade (onde se situa a sede da associação dos estudantes); torna ilegal eventual decisão estudantil que implicasse paralisação como meio de manifestar ideias e opiniões.

Para qualquer jurista que tenha feito o mesmo juramento de proteger os direitos humanos e fundamentais, a democracia e a Constituição, não é nem remotamente imaginável um cenário em que uma decisão tão contrária à Constituição Democrática e tão amigável às ideias contidas nas normas da Ditadura Civil-Militar como essa possa, ainda assim, se manter de pé.

V.5 MÚLTIPLAS VIOLAÇÕES AO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

V.5.1 VIOLAÇÃO AO DIREITO A LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE CONSCIÊNCIA, AO DIREITO DE LIVRE EXPRESSÃO, AO DIREITO DE REUNIÃO PACÍFICA E AO DIREITO DE LIVRE ASSOCIAÇÃO

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e ratificado pelo Decreto 592/1992 também foi violado de diversas formas pela decisão ora impugnada.

Como importante dispositivo da Carta Internacional de Direitos Humanos, o PIDCP preserva a liberdade de expressão, condição para a realização do "[...] ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria [...]":

ARTIGO 19

1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Reconhecendo o caráter público das liberdades cívicas, o diploma preserva igualmente o direito de reunião e de associação:

ARTIGO 21

O direito de reunião pacifica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

ARTIGO 22

  1. Toda pessoa terá o direito de associar-se livremente a outras, inclusive o direito de construir sindicatos e de a eles filiar-se, para a proteção de seus interesses.
  2. O exercício desse direito estará sujeito apenas ás restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança e da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. O presente artigo não impedirá que se submeta a restrições legais o exercício desse direito por membros das forças armadas e da polícia.
  3. Nenhuma das disposições do presente artigo permitirá que Estados Partes da Convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, venham a adotar medidas legislativas que restrinjam ou aplicar a lei de maneira a restringir as garantias previstas na referida Convenção.

Ora, da leitura dos dispositivos acima colacionados, não se pode depreender outra coisa senão a arbitrariedade da decisão questionada. Isso porque a AGE convocada não colocava em risco, ou ofendia de qualquer forma a segurança nacional, a ordem pública, a saúde e a moral pública ou os direitos e as liberdades de outrem. Convocada regularmente na forma do seu Estatuto, a AGE não ofendia a nenhuma disposição de lei, como exaustivamente se demonstrou acima, do que resta concluir que a única resposta juridicamente possível ao pleito dos AGRAVADOS deveria ser uma retumbante negativa.

Não obstante e a despeito da claríssima ofensa aos dispositivos até o momento citados, para inconformidade do AGRAVANTE os pedidos estipulados na inicial foram integralmente acolhidos, sendo inclusive objeto de tutela de urgência.

V.5.2 VIOLAÇÃO DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO E DO DIREITO DE PARTICIPAR DA CONDUÇÃO DOS ASSUNTOS PÚBLICOS

O PIDCP, ao afirmar o direito à autodeterminação (art. 1º), assegura a todo cidadão “o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas, participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos” (art. 25, a). Isso porque a autodeterminação dos povos não pode se consubstanciar senão por meio da garantia de participação na esfera pública, seja nos fóruns oficiais seja por meio da participação em dispositivos de ampliação da representatividade, como, ademais, é o caso do AGRAVADO, conforme visto acima.

A democracia contemporânea não se resume ao direito de votar e escolher seus representantes, mas pressupõe a participação efetiva da sociedade civil para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Tal participação se dá, por exemplo, nas Assembleias Populares, Audiências Públicas, Conferências, Conselhos, dentre outros espaços, assim como nas Assembleias de Estudantes em centros e diretórios universitários de natureza similar àquela do AGRAVANTE.

O mencionado artigo 2 do PIDCP, por sua vez, afirma que:

Artigo 2.

  1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo. língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.
  2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto.

Conforme nos ensinam Owen Fiss e Daniel Sarmento, as democracias contemporâneas exigem a possibilidade de confrontação livre de ideias e o intercambio público de argumentos, o que está em consonância com a disposição do PIDCP:

Só assim os cidadãos podem ter acesso às informações e às ideias existentes sobre as mais variadas questões, o que lhes permite formarem as suas próprias opiniões sobre temas controvertidos e participarem conscientemente no autogoverno da sua comunidade política. Só dessa maneira se consolida uma opinião pública livre, que viabiliza o exercício do controle social sobre os atos do governo, a fim de que os governantes tornem-se responsáveis e responsivos perante a população. ( SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate speech”.https://pt.scribd.com/doc/135404524/A-Liberade-Expressao-e-o-Problema-Do-Hate-Speech  p.12. )

No mesmo sentido, a lição de Ronald Dworkin:

[...] o Estado deve tratar todos os cidadãos adultos (com exceção dos incapazes) como agentes morais responsáveis, sendo esse um traço essencial ou “constitutivo” de uma política justa. Essa exigência tem duas dimensões. Em primeiro lugar, as pessoas moralmente responsáveis devem tomar suas próprias decisões acerca do que é bom ou mal na vida e na política e do que é verdadeiro ou falso na justiça ou na fé. O Estado ofende seus cidadãos e nega a responsabilidade moral deles quando decreta que eles não têm qualidade moral suficiente para ouvir opiniões que possam persuadi-los de convicções perigosas ou desagradáveis. Só conservamos nossa dignidade individual quando insistimos em que ninguém – nem o governante nem a maioria dos cidadãos – tem o direito de nos impedir de ouvir uma opinião por medo de que não estejamos aptos a ouvi-la e ponderá-la. (DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes, 2006.p.319.)

Verifica-se, mais uma vez a violação de um direito essencial à configuração da liberdade do cidadão, qual seja o de participar da condução dos assuntos públicos. Ainda mais aberrante e insustentável é a decisão questionada quando se verifica que o fundamento da restrição é justamente a discriminação por opinião política expressamente vedada pelo dispositivo acima.

VI DA SUBMISSÃ DA DECISÃO ORA IMPUGNADA À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

É sabido que as normas veiculadas pelo Pacto de San José, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 678/1992, conforme visto acima, em razão de seu conteúdo materialmente constitucional, suprimem os efeitos de quaisquer atos infraconstitucionais que as contrariem. Nesse sentido o entendimento já consolidado do STF:

Esse caráter supralegal do tratado devidamente ratificado e internalizado na ordem jurídica brasileira - porém não submetido ao processo legislativo estipulado pelo artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal - foi reafirmado pela edição da Súmula Vinculante 25, segundo a qual \'é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito\'. Tal verbete sumular consolidou o entendimento deste tribunal de que o artigo 7º, item 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos teria ingressado no sistema jurídico nacional com status supralegal, inferior à Constituição Federal, mas superior à legislação interna, a qual não mais produziria qualquer efeito naquilo que conflitasse com a sua disposição de vedar a prisão civil do depositário infiel. Tratados e convenções internacionais com conteúdo de direitos humanos, uma vez ratificados e internalizados, ao mesmo passo em que criam diretamente direitos para os indivíduos, operam a supressão de efeitos de outros atos estatais infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação. (ADI 5240, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgamento em 20.8.2015, DJe de 1.2.2016)

Ademais, a  manutenção de qualquer lei, regulamento, decisão administrativa ou judicial incompatíveis com Convenção Americana sujeita o Brasil ao contencioso internacional perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, podendo ser responsabilizado a reparar os danos ocasionados às partes que sofreram a violação de seus direitos fundamentais.

Nessa situação se enquadra a sentença atacada, porquanto seus dispositivos, conforme demonstrado acima, desafiam frontalmente direitos e garantias individuais dos associados do AGRAVANTE, os quais livremente pretendiam a reunião de pares, no exercício de sua prerrogativas associativas, e a  manifestação do pensamento relativamente ao cenário político brasileiro.

Por força da observância do Direito Internacional e da aplicação imediata do Pacto de San José no ordenamento jurídico brasileiro, não poderia a decisão ora impugnada prevalecer sem expor o Brasil, signatário da dita Convenção, aos riscos de imputação de responsabilidade internacional, como de resto demonstram os precedentes da Comissão e da Corte Interamericana de DH, abaixo arrolados:

RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DO DIREITO DE LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO

Loren Laroye Riebe, Jorge Alberto Barón Guttlein y Rodolfo Izal Elorz v. Mexico, Informe N. 34/98 - Caso 11.610, Inter-American Commission on Human Rights (IACHR), 5 May 1998.

RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

Miryam Eugenia Rua Figueroa et al. v. Colombia, Petition 1145-04, Relatório No. 3/07, Inter-Am. C.H.R., OEA/Ser.L/V/II.130 Doc. 22, rev. 1 (2007), Inter-American Commission on Human Rights (IACHR), 27 February 2007.

RELATIVAMENTE À VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO POR INJUNÇÕES POLÍTICAS DO ESTADO COLOMBIANO SOBRE ORGANIZAÇÕES

Diaz et al. v. Colombia, Caso 11. 227, , Inter-American Commission on Human Rights (IACHR), 12 March 1997.

VII DO EFEITO SUSPENSIVO

É imprescindível que seja concedido efeito suspensivo ao presente agravo pelo Exmo. Sr. Desembargador relator.

O fumus boni iuris restou amplamente comprovado no curso do presente agravo. A decisão que concedeu tutela antecipada de urgência, baseada em alegações inverídicas de cujo ônus probatório não se desincumbiram os agravados, efetivamente proíbe os estudantes da UFMG de, por meio de sua associação, se posicionarem sobre um tema político relevante para o país; de participarem de assuntos públicos da mais alta relevância. Um ataque ao valor da democracia. A proibição significa cerceamento de um sem número de direitos constitucionais, incluindo a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV), a liberdade de reunião (art. 5º, XVI) e a liberdade de associação (art. 5º, XVII ss.).

Implica também violação de princípios constitucionais. A liberdade de reunião “constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas” (STF, ADI 1969); ao lado da liberdade de manifestação do pensamento, permite o mercado livre de ideias que é “elemento fundamental e inerente ao regime democrático” (STF, AC 2.695-MC/RS). Em várias ocasiões, o STF reconheceu o amplo âmbito de proteção da liberdade de reunião e manifestação, inclusive refutando qualquer interpretação que pudesse criminalizar tais atos (STF, ADI 4.274 e ADPF 187). E mais: decisão cautelar do Ministro Luiz Fux na Reclamação 15.887 reconheceu a força do precedente na ADI 1969 para cassar decisão que restringia inconstitucionalmente a liberdade de manifestação no Estado de Minas Gerais. Por isso, uma ofensa a tais direitos significa também violar o próprio princípio democrático (art. 1º, caput).

Também viola direitos afirmados no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, como: o direito à autodeterminação (art. 1º); os direitos à direito à liberdade de pensamento, de consciência e de expressão (art. 18); o direito de reunião pacífica (art. 21); o direito de livre associação (art. 19); o direito de de participar da condução dos assuntos públicos (art. 25, a).

Também contraria normas da Convenção Americana de Direitos Humanos, como: a liberdade de consciência (art. 12); liberdade de pensamento e de expressão (art. 13); direito de reunião (art. 15); direito de livre associação (art. 16); o direito de participar na direção dos assuntos públicos (art. 23, 1, a). São violações gravíssimas de tratados que, além de materialmente constitucionais, são tidos pelo STF como supralegais (ADI 5240, RE 466.343, RE 349.703, HC 84.484, etc.), o que lhes confere grande força normativa.

O periculum in mora também é evidente. O Estatuto do Centro Acadêmico Afonso Pena é absolutamente claro ao definir, no seu art. 2º, ‘d’, que é competência do CAAP “participar de  movimentos  estudantis  ou  sociais  e  apoiá-los, desde que estejam fundados em princípios  democráticos e  objetivem valorizar o  bem estar da comunidade ou defender os interesses e a soberania nacionais”. A decisão agravada determina que o CAAP  “abstenha-se de convocar AGE para tratar de assuntos relacionados ao impedimento da Presidente da República, por fugir às suas atribuições estatutárias, e que se abstenha de deflagrar qualquer tipo de movimento grevista estudantil com motivação político-partidária”.

Assim, há perigo de demora porque caso mantida, a decisão impedirá que os alunos se reúnam e se movimentem da maneira como acharem necessário. Não se pode aguardar o término da ação pois passado o tempo, a discussão que se intenta realizar não terá sentido algum, daí a necessidade de suspensão da liminar para que cesse a proibição de convocação de reunião para assuntos relacionados ao impedimento da Presidente da República, de deflagração de movimento grevista estudantil ou qualquer outro encaminhamento que a assembleia entender pertinente, bem como a cobrança de multa de R$500,00 diários em caso de descumprimento.

VIII DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer:

A. Seja conhecido o presente recurso, uma vez preenchidos todos os requisitos de admissibilidade;

  1. Seja recebido com efeito suspensivo, para que se suspenda a liminar e cesse a proibição de convocação de reunião para assuntos relacionados ao impedimento da Presidente da República, de deflagração de movimento grevista estudantil ou qualquer outro encaminhamento que a assembleia entender pertinente, bem como cesse a cobrança de multa de R$500,00 diários em caso de descumprimento, concedendo-se prazo de 24h para que o AGRAVANTE apresente o comprovante de recolhimento das custas processuais, em razão da falha no sistema de emissão de guias (ANEXO 6);
  1. A intimação dos AGRAVADOS para, querendo, apresentar contrarrazões;
  1. A intimação do representante do Ministério Público para atuar no feito na condição de fiscal da ordem jurídica, nos termos do art. 178, I, do CPC/15;
  1. Que ao final, seja dado provimento ao presente recurso, para fins de confirmar o efeito suspensivo, reformando a decisão ora impugnada, negando os pedidos de urgência formulados pelos autores, permitindo-se a sequência regular do trâmite do processo.

Termos em que Pede deferimento.

.

Belo Horizonte, 01 de maio de 2016.

THIAGO ÁLVARES FEITAL

OAB/MG 157.385

ANDRÉ FREIRE AZEVEDO

OAB/MG 150.626

HENRIQUE NAPOLEAO ALVES

OAB/MG 118.533

THAÍS LOPES SANTANA ISAÍAS

OAB/MG 159.473

ERIKA PRETES

OAB/MG 132.306

LUCAS DE OLIVEIRA GELAPE

OAB/MG 158.387

CINTIA DE FREITAS MELO

OAB/MG 144.994

RENAN SALES DE MEIRA

OAB/MG 157.386

CAIO MOREIRA MARTINS DA COSTA

OAB/MG 136.866

EDUARDO MOREIRA REIS

OAB/MG 62.755 

 

ANEXOS

  1. PROCURAÇÃO;
  1. CÓPIA INTEGRAL DOS AUTOS DE ORIGEM, CONTENDO CÓPIA DA PETIÇÃO INICIAL QUE ENSEJOU A DECISÃO AGRAVADA; CÓPIA DA DECISÃO AGRAVADA; CÓPIAS DAS PROCURAÇÕES OUTORGADAS AOS ADVOGADOS DOS AGRAVADOS;
  1. CÓPIA DO MANDADO DE INTIMAÇÃO;
  1. NOTÍCIAS DEMONSTRANDO A REPERCUSSÃO DA DECISÃO;
  1. NOTAS DE APOIO AO CENTRO ACADÊMICO CONTRA A PROIBIÇÃO DA JUÍZA
  1. TELA FALHA SISTEMA DE EMISSÃO DE GUIAS

Imagem Ilustrativa do Post: [2016-01-12] 2º Ato contra o aumento da tarifa - São Paulo_031_Romerito Pontes // Foto de: Romerito Pontes // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/romeritopontes/23978488839

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


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