Apreensão de armas de fogo, munições e/ou acessórios em mesmo contexto fático configura crime único. Veja o que diz a decisão proferida pelo TJ/SC

07/08/2015

Por Redação - 07/08/2015

Em julgamento proferido na Apelação Criminal n. 2013.075896-7, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina firmou o entendimento de que a apreensão de diversas armas de fogo, munições e/ou acessórios, sejam de uso restrito ou de uso permitido, configura crime único, não havendo que se falar em concurso material de crimes.

Tal apreensão “não configura pluralidade de infrações, e sim crime único, haja vista que, nesses casos, o bem jurídico protegido, qual seja, a segurança pública, é violado uma única vez, de modo que deve ser aplicada a pena cominada ao delito mais grave dentre os que, isoladamente, foram praticados, cabendo ao magistrado sopesar a quantidade, a diversidade e as características dos artefatos na fixação da pena-base”, segundo o voto do Relator Des. Newton Varella Júnior.

Assim, a sentença proferida pelo Juiz de Direito Alexandre Morais da Rosa, da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital/SC, foi integralmente mantida.

Leia abaixo a íntegra da decisão.


Apelação Criminal n. 2013.075896-7, da Capital

Relator: Des. Newton Varella Júnior

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APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA (ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, LEI N. 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA ACUSAÇÃO. PRETENDIDA CONDENAÇÃO TAMBÉM POR PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14, LEI N. 10.826/2003), EM CONCURSO MATERIAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS INCONTROVERSAS. CONDUTAS TÍPICAS PRATICADAS, TODAVIA, NO MESMO CONTEXTO FÁTICO. CRIME ÚNICO CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2013.075896-7, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado M. da S.:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jorge Schaefer Martins, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Rodrigo Collaço. Funcionou pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes.

Florianópolis, 23 de julho de 2015.

Newton Varella Júnior

Relator

 Relatório

M. da S. foi condenado pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital, nos autos da Ação Penal n. 023.12.019611-8, à pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime descrito no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/2003.

O Ministério Público interpôs apelação criminal, pugnando pela condenação do réu também pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, Lei n. 10.826/2003), em concurso material, seja porque este não foi meio necessário ou preparatório para a execução do delito pelo qual restou o acusado condenado, seja porque tratou-se de artefatos distintos, destacando ainda ter havido a apreensão de munições e acessórios de arma de fogo, de sorte que se mostrou equivocada a sentença ao aplicar o princípio da consunção entre os crimes.

Contra-arrazoado o apelo, os autos ascenderam a esta Superior Instância, tendo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire, opinado pelo conhecimento e provimento do reclamo.

Voto

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Narra a denúncia, em síntese, que, no dia 3 de abril de 2012, por volta das 8h, o apelado portava em servidão do bairro Saco dos Limões, município de Florianópolis, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 1 (um) revólver de calibre .38, marca Taurus, municiado com 2 (dois) cartuchos, sendo um deles já deflagrado. Na mesma oportunidade, o acusado mantinha no interior de sua residência, localizada naquela via pública, 1 (um) revólver de calibre .38, marca Rossi, com número de série raspado, 1 (uma) pistola de calibre 6.35mm, marca Beretta, 1 (um) carregador, 1 (um) coldre, 5 (cinco) cartuchos de calibre .38, sendo 3 (três) deles intactos, 1 (um) cartucho de calibre .32 intacto e 4 (quatro) cartuchos de calibre 9mm intactos, tudo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Assim, o réu foi denunciado pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14, Lei n. 10.826/2003) e de posse de arma de fogo com numeração raspada (art. 16, parágrafo único, IV, Lei n. 10.826/2003).

Na sentença, o Magistrado a quo reconheceu estarem comprovadas a materialidade e a autoria dos fatos delitivos, porém concluiu que as condutas configuravam crime único, condenando então o acusado apenas por posse de arma de fogo com numeração raspada, com a majoração da reprimenda basilar em 10 (dez) meses de reclusão, e 1 (um) dia-multa, por conta da "apreensão de de três armas de fogo e munições de diversos calibres".

Passa-se, pois, ao exame do apelo.

Com efeito, a jurisprudência pátria largamente majoritária assenta que a apreensão, em um mesmo contexto fático, de várias armas de fogo, munições ou acessórios, sejam de uso permitido, sejam de uso restrito, não configura pluralidade de infrações, e sim crime único, haja vista que, nesses casos, o bem jurídico protegido, qual seja, a segurança pública, é violado uma única vez, de modo que deve ser aplicada a pena cominada ao delito mais grave dentre os que, isoladamente, foram praticados, cabendo ao magistrado sopesar a quantidade, a diversidade e as características dos artefatos na fixação da pena-base.

Colhe-se, nessa linha, do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMAS E MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO. 1. RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. MESMO CONTEXTO FÁTICO. APLICAÇÃO DA PENA DO DELITO MAIS GRAVE. DELITO MENOS GRAVE ABSORVIDO PELO MAIS AUSTERO [...].

1. É de se reconhecer a incidência de crime único no caso de apreensão de armas e munições apreendidas nas mesmas circunstâncias fáticas, em razão de única ofensa ao bem jurídico protegido, aplicando-se somente a reprimenda do delito mais grave, sob pena de bis in idem (HC n. 163.783. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 14.2.2012).

E essa também é a posição de nosso Tribunal de Justiça, valendo citar:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, LEI N. 11.343/2006), PORTE DE ARMA DE USO PERMITIDO E PORTE DE ARMA DE USO RESTRITO (ARTS. 14, CAPUT, E 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, AMBOS DA LEI N. 10.826/2003). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

[...]

RECONHECIMENTO DE DELITO ÚNICO ENTRE AS NORMAS PREVISTAS NO ART. 14 E ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI N. 10.826/2003. ACOLHIMENTO. APREENSÃO DE DUAS ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO E UMA DE USO RESTRITO (COM NUMERAÇÃO RASPADA) NO MESMO CONTEXTO FÁTICO. APLICAÇÃO DA NORMA MAIS GRAVE (Apelação Criminal n. 2012.049322-6. Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas. Julgada em 23.4.2013).

E da lavra deste Relator:

PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO, DE ARMA COM NUMERAÇÃO RASPADA E DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO E RESTRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SENTENÇA QUE APLICOU A REGRA DO CONCURSO MATERIAL, REFORMULADA PARA RECONHECER A CONFIGURAÇÃO DE CRIME ÚNICO. PRECEDENTES.

Ocorrendo a apreensão de armas de uso restrito e de munições de uso permitido e restrito, ao mesmo tempo, o agente deverá responder apenas pelo crime mais grave, haja vista que a conduta continua sendo única e a vítima, que é a segurança coletiva, é atingida apenas uma vez. A quantidade de material apreendido deverá ser levado em consideração pelo juiz na dosimetria da pena, observado o art. 59 do Código Penal (Apelação Criminal n. 2012.019394-8. Julgada em 3.7.2012).

A Seção Criminal desta Corte, a propósito, decidiu recentemente nesse sentido, cuja ementa assim restou exarada:

REVISÃO CRIMINAL. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE PORTE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA (LEI N. 10.826/03, ARTS. 14 E 16, PAR. ÚN., IV).

PLEITO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. DECISÃO CONTRÁRIA A ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DOMINANTE. PORTE DAS ARMAS EM UM MESMO CONTEXTO FÁTICO. APLICAÇÃO DA PENA DA CONDUTA MAIS GRAVE. QUANTIDADE DE ARMAS VALORADA NA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. PENA E REGIME PRISIONAL READEQUADOS.

[...]

2 Ocorrendo a apreensão de uma arma de uso permitido e de outra com numeração suprimida, num mesmo contexto fático, responde o agente apenas pela conduta mais grave, uma vez que a ação atinge o mesmo bem jurídico protegido. Dessa forma, a quantidade de armas apreendidas deve ser sopesada pelo magistrado na dosimetria da pena, ao analisar as circunstâncias do art. 59 do Código Penal (Revisão Criminal n. 2015.004004-8. Relator: Des. Roberto Lucas Pacheco. Julgada em 25.3.2015).

No caso, é indiscutível que o porte do revólver Taurus e a posse das demais armas de fogo (revólver Rossi, com numeração raspada, e pistola Beretta), dos acessórios (carregador e coldre) e das diversas munições ocorreram em um mesmo contexto fático, conforme claramente se constata dos depoimentos dos agentes policiais responsáveis pela prisão em flagrante do apelado (M.R.L., às fls. 02/03 e CD à fl. 106; V.B. da C., às fls. 04/05 e CD à fl. 125; R.D. da R., CD à fl. 106).

Referidos policias, segundo relataram, foram acionados naquele dia (3.4.2012) em razão das suspeitas do tráfico de drogas que estaria ocorrendo na residência do recorrido e, quando chegaram ao local, este, ao perceber a chegada da viatura policial, tentou empreender fuga, mas tendo sido alcançado pelos depoentes já a certa distância da casa, instante em que foi constatado que ele estava com o aludido revólver Rossi em sua cintura, tendo os agentes policiais, em seguida, realizado buscas na residência do apelado, quanto então acabaram por encontrar no seu interior aqueles outros artefatos.

Cabe destacar, aliás, que a própria denúncia descreve expressamente que esses fatos ocorreram "nas mesmas condições de tempo e lugar".

Portanto, acertada se mostrou a sentença tal como prolatada, motivo pelo qual não merece acolhimento a pretendida condenação do apelado por ambos os delitos em concurso material (art. 69, CP).

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Newton Varella Júnior

Relator


Imagem Ilustrativa do Post: Gun..bullets - smith & wesson 460 magnum // Foto de: Greta Ceresini // Sem alterações

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