Após quase 30 anos, idosa é presa em regime fechado e Estado concede a ela prisão domiciliar

26/09/2015

Por Redação - 26/09/2015


Autos n° 0012018-71.2015.8.24.0038

Ação: Execução da Pena/PROC

Reeducanda:

A detenta, atualmente com 71 anos de idade, diabética e pesando 50 kg, foi condenada à pena de 12 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática de crime de homicídio cometido em setembro de 1986, com trânsito em julgado em outubro de 1996. O respectivo mandado de prisão foi cumprido somente em 30.6.2015. Viveu ela  os últimos 29 anos sem qualquer envolvimento em outro ato ilícito (vide certidão de antecedentes criminais às fls. 27-30), de modo que somente agora, idosa, foi recolhida para o efetivo cumprimento da pena décadas antes imposta. Ou seja, se o objetivo final da execução da pena é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, nesta altura, a reclusão pura em simples em nada, absolutamente nada contribuirá para isso. Pelo contrário, pode é obstruir essa harmônica integração.

R.h.

Trata-se de execução penal em desfavor do(a) reeducando(a) A.T., condenado(a) à pena de 12 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática de crime de homicídio.

Atualmente permanece em regime fechado, pendendo deliberação sobre prisão domiciliar e cálculo de liquidação de penas.

1. Prisão domiciliar:

Realizado laudo pericial e estudo social (fls. 69-72), o Ministério Público opinou pelo indeferimento.

É a síntese do necessário.

Preambularmente, ainda que não seja o fundamento principal para análise do pedido de prisão domiciliar em razão da saúde e idade avançada, é preciso pontuar um fato.

Pois bem, a detenta, atualmente com 71 anos de idade, diabética e pesando 50 kg, foi condenada à pena de 12 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática de crime de homicídio cometido em setembro de 1986, com trânsito em julgado em outubro de 1996. O respectivo mandado de prisão foi cumprido somente em 30.6.2015. Viveu ela os últimos 29 anos sem qualquer envolvimento em outro ato ilícito (vide certidão de antecedentes criminais às fls. 27-30), de modo que somente agora, idosa, foi recolhida para o efetivo cumprimento da pena décadas antes imposta. Ou seja, se o objetivo final da execução da pena é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, nesta altura, a reclusão pura em simples em nada, absolutamente nada contribuirá para isso. Pelo contrário, pode é obstruir essa harmônica integração.

Dito isto, passa-se ao mérito do pedido.

Dispõe o art. 117 da LEP: "Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante".

Dito isto, verifica-se que para o deferimento do pleito, necessária se mostra a verificação do binômio necessidade – inadequabilidade, onde a necessidade se consubstancia em questões de ordem humanitária (saúde e outros), observáveis somente concretamente, e a inadequabilidade carcerária na manutenção do reeducando nos ditames externados pela superveniência das novas condições oriundas da necessidade. Por óbvio que aquela se condicionará às condições desta.

Na espécie, o pressuposto da necessidade encontra-se sobejamente comprovado. Certo é que o laudo pericial de fl. 69 concluiu que as patologias apresentadas podem ser compensadas com o uso de medicações já prescritas, não havendo necessidade de prisão domiciliar.

Porém, em análise dos autos, verifica-se que reeducanda tem 71 anos de idade, com aproximadamente 50 kg e está acometida pela diabetes. Ou seja, não quer dizer que a compensação das patologias com uso de medicações signifique que a condição de saúde dela esteja boa.

Nesse sentido, o estudo social de fls. 70-2, consignou que: "nos últimos anos a reeducanda tem permanecido a maior parte do tempo em casa. Sua rotina se limita ao acompanhamento mensal na Unidade de Saúde do bairro, realização de afazeres domésticos e aos cuidados com o filho deficiente. A idade avançada e os problemas de saúde que acometem A. tornam seu sofrimento no cárcere ainda maior".

Outrossim, a defesa apresentou documentos cujo teor demonstram ser a reeducanda curadora de seu filho R.T., portador de deficiência física (fls. 55-60). Ademais, o estudo social de fls. 70-2 relatou a importância da presença de terceiros para que R. realize suas tarefas diárias.

Por sua vez, a inadequabilidade é patente. O ambiente carcerário não é adequado para a recuperação da reeducanda. A falta de kit-higiene, ventilação, problemas de umidade excessiva, excessos de pessoas no mesmo ambiente e a falta de medicação, tudo pessoalmente verificado por este Juízo mais uma vez na data de 17.8.2015, resulta na incapacidade de recuperação de pessoas no estágio em que se encontra a reeducanda.

Não obstante a unidade prisional informar ter condições de fornecer os remédios necessários ao respectivo tratamento, bem como encaminhar a reeducanda para consultas médicas (fl. 98), este Juízo tem conhecimento que o Presídio Regional de Joinville é ambiente precário e insalubre, cuja questão inclusive é tratada separadamente nos autos n. 0022113-34.2013.8.24.0038.

Com efeito, pela precariedade do estado de saúde da reeducanda, da situação prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma constitucional que determina ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

Principalmente, a amparar estes direitos, encontra-se o fundamento da dignidade da pessoa humana (art.1º, III).

Outrossim, não se pode esquecer que a situação carcerária no Brasil vem sendo objeto de preocupação nos organismos internacionais. Neste aspecto, dentre as várias recomendações recebidas pelo Brasil, em 25 de maio de 2012, na Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, muitas se referiram à situação carcerária. Especificamente a Eslovênia recomendou ao Brasil atuar para melhorar as condições prisionais, particularmente para melhorar as condições de detenção das mulheres de acordo com os padrões internacionais e garantir o respeito e proteção aos direitos humano de todos os presos, incluindo as garantias do devido processo legal e proteção contra tratamento cruel e desumano; Alinhar totalmente a legislação nacional com as obrigações contidas no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, incluindo incorporar a definição do Estatuto de Roma sobre crimes e princípios gerais, bem como adotar disposições que permitam a cooperação com o TPI (United Nations Webcast - Slovenia, UPR Report of Brazil, 13th Universal Periodic Review).

No mais, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art.41, VII, do mesmo Diploma.

E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados.

Dispõe o CPP:

"Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial." (NR)

"Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo." (NR)

Destarte, antes a previsão de prisão domiciliar era apenas para reeducandos em cumprimento de pena em regime aberto (art.117, da LEP). Agora, com este dispositivo a prisão domiciliar será possível para os presos provisórios e por óbvio também a todos os demais presos, independentemente do regime, com requisitos como se ve mais flexíveis.

Outro caminho não resta, por uma questão humanitária assim, que não seja o da concessão da prisão domiciliar.

Em caso semelhante, o eminente Desembargador Jorge Mussi, relator do habeas corpus n.2003.010902-1, de Joinville/SC, assim já se manifestou, ipsis verbis:

"Não pode o Estado, a quem incumbe o dever de assistência, cuidado e proteção dos cidadãos, através do Poder Judiciário, quedar inerte diante de especialíssima e precária condição em que se encontra a paciente – gravemente enferma, com dificuldades de locomoção e em situação que necessita constante assistência de terceiros para os atos do dia-a-dia, de médicos e fisioterápica – de forma a concorrer, pela omissão, com a situação de risco de ofensa à integridade física a que se submete diariamente, com os potenciais danos que tal situação pode acarretar a sua já frágil saúde."

Ademais, no tocante à concessão de prisão domiciliar a condenados a regime fechado e semiaberto, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

"EXECUÇÃO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. ARTIGO 117 DA LEP. INTERPRETAÇÃO LITERAL QUE PERMITE A EXCEPCIONALIDADE APENAS AO APENADO QUE CUMPRE A PENA EM REGIME ABERTO. INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL QUE ADMITE A EXCEÇÃO TAMBÉM EM OUTRO REGIME MAIS GRAVOSO, DESDE QUE COMPROVADA A IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO TRATAMENTO SIMULTANEAMENTE AO CUMPRIMENTO NORMAL DA PENA. IMPRESCINDIBILIDADE COMPROVADA. DECISÃO RECORRIDA ACERTADA.   A prisão domiciliar é inerente ao sistema aberto de resgate da pena, pressupondo a existência das situações específicas elencadas em lei, quais sejam, quando se tratar de maior senil ou de preso acometido de grave moléstia, dentre outras hipóteses (LEP, art. 117).   Todavia, em hipóteses em que o apenado, conquanto sob cumprimento de regime diverso do aberto, seja acometido de doença grave em que a sua manutenção no cárcere concorrer para o agravamento de seu estado de saúde, excepcionalmente estende-se-lhe os benefícios do art. 117, II, da LEP, a fim de que sua incolumidade física seja resguardada, em obséquio ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III)" (Recurso de Agravo n. 2010.059696-6, de Chapecó, rel. Desa. Salete Silva Sommariva) (Recurso de Agravo n. 2011.007751-7, de Joaçaba, rel. Des. Jorge Schaefer Martins; Origem: Joaçaba; Orgão Julgador: Quarta Câmara Criminal; Data: 16/06/2011).

EX POSITIS:

Por estarem presentes os requisitos para o deferimento do pretendido, com base no art. 117, inciso I (idade acima de 70 anos), art. 114, parágrafo único e art. 115, todos da LEP, c/c art. 317 e art.318, II, ambos do CPP, por analogia, DEFIRO O PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR para a reeducanda A.T., nas seguintes condições: (1) recolhimento domiciliar em período integral, autorizando-se apenas eventuais saídas para tratamento de saúde; (2) comparecimento em Juízo sempre que requisitado e (3) comunicação prévia de mudança de endereço. Deverá ainda a reeducanda informar seu endereço residencial no prazo de 10 dias.

Cientifique-se o Assistente Social do Juízo.

Requisite-se a imediata apresentação em Juízo.

Intimem-se e comunique-se à Administração do ergástulo. Expeça-se o termo respectivo.

2. Benefícios penais com cálculo de liquidação de pena:

Estabelece o art.5º da Resolução n.113, do CNJ, que o cálculo de liquidação de penas deve ser feito pela serventia para então, com vista ao Ministério Público e Defesa, ser homologado.

Ocorre que no universo de mais de 4.500 processos na unidade, com carência de servidores e inexistência de setor de cálculos de penas, é inviável a realização deste procedimento. Outrossim, o SAJ/PJ não realiza o cálculo corretamente quando se trata de mais de uma pena em concurso de crimes ou com datas variadas de início, suspensão e retomada da execução da pena, ainda que com histórico de partes plenamente alimentado.

Destarte, para não inviabilizar o trâmite das execuções penais, este Juízo, com base nos elementos dos autos, procede em decisão a análise dos dados da pena privativa de liberdade para efeito de fixação do cálculo, com posterior intimação do Ministério Público e Defesa.

Pois bem, trata-se de execução penal na qual a reeducanda A.T., condenado(a) à pena de 12 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática de crime hediondo cometido antes da vigência da Lei n. 11.464/07.

Resumo do cálculo (próximo benefício):

Progressão ao regime semiaberto: (a) total da pena: 12 anos e 6 meses, conforme acima exposto; (b) data da prisão: 30.6.2015; (c) cumpriu até hoje 1 mês e 19 dias; (d) fração de 1/6 = 2 anos e 1 mês. Livramento condicional: (a) cumpriu até hoje recolhido: 1 mês e 19 dias; (b) fração de 2/3 da pena de 12 anos e 6 meses = 8 anos e 4 meses.

Ex positis, para efeito de liquidação de pena, a progressão para o regime semiaberto poderá ser verificada a partir de julho de 2017 e o livramento condicional poderá ser verificado a partir de outubro de 2023, ressalvada remição. Anote-se no Cartório para efeito da Portaria n. 3/2015 e Ordem de Serviço n. 6/2015.

Considerando que o próximo benefício está distante, i-se a reeducanda. Intime-se o Ministério Público e a defesa para, querendo, manifestar-se.

Joinville (SC), 19 de agosto de 2015.

João Marcos Buch

Juiz de Direito


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