Advogado é condenado por danos morais em decorrência de excesso de linguagem e abuso de direito em petição

12/10/2016

Por Redação-12/10/2016

A 1.ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de  Santa Catarina, por unanimidade,  manteve a condenação por danos morais perpetrado por um advogado em petição contra a parte contrária.

Os desembargadores entenderam que o advogado atuou com excesso de linguagem e abuso de direito e que a "a imunidade profissional não abrange os ilícitos civis decorrentes de excessos cometidos pelo advogado em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo."

Para o relator, Desembargador Domingos Paludo, "o advogado, teria agido com excesso, de forma a afrontar a honra subjetiva do apelado, ultrapassando os limites da imunidade profissional e do tecnicismo jurídico para defesa da causa."

Confira a decisão:

Apelação n. 0006221-71.2011.8.24.0033, de Itajaí Relator: Desembargador Domingos Paludo

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. OFENSA IRROGADA POR ADVOGADO EM PETIÇÃO. IMUNIDADE PROFISSIONAL (ART. 7º, § 2º, DA LEI 8906 /94). EXCESSO DE LINGUAGEM EVIDENCIADO. ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO.

A imunidade profissional não abrange os ilícitos civis decorrentes de excessos cometidos pelo advogado em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo. O uso de palavras ofensivas, que extrapolem os limites da razoabilidade e do tecnicismo jurídico inerente à defesa da causa, configura abuso de direito, a impor reparação pelos danos morais experimentados pelo ofendido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0006221-71.2011.8.24.0033, da comarca de Itajaí 1ª Vara Cível em que é Apelante M.C.D.D.e Apelado A.S.C.

A Primeira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.

 Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Domingos Paludo - Relator -, Des. Raulino Jacó Brüning - Presidente - e Des. Gerson Cherem II.

Florianópolis, 22 de setembro de 2016. Desembargador Domingos Paludo Relator   RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível e recurso adesivo interpostos por M.C.D. D e por A.S.C., respectivamente, contra sentença (fls. 424/431) que julgou procedente a ação de indenização por danos morais e condenou o réu a pagar indenização no valor de R$ 5.000,00, corrigidos pelo INPC e juros de mora de 12% ao ano a partir do evento danoso.

O réu nega o dever de indenizar pela ausência de ato ilícito, nexo causal e dano, pois o ato mencionado pelo autor e reconhecido na sentença de mérito decorre do exercício regular de suas atividades e está amparado pela imunidade profissional. Requereu o provimento do recurso para que fosse reconhecida a ausência do dever de indenizar ou, subsidiariamente, a redução do montante condenatório e a aplicação de juros a partir da publicação do acórdão. (fls. 436/430).

Contrarrazões às fls. 459/465.

O autor interpôs recurso adesivo às fls. 466/471, inadmitido na origem (fls. 475/476), à ausência de preparo.

Este é o relatório.

 

VOTO

Conheço do recurso de apelação interposto pelo réu, presentes os requisitos para tanto.

Insurge-se o réu sob o fundamento de que não cometeu qualquer ato ilícito capaz de gerar o dano moral alegado nos autos e, tampouco, há no feito qualquer prova do abalo suportado pela vítima.

Todavia, sem razão neste ponto, uma vez que estão caracterizados nos autos os pressupostos ensejadores da responsabilidade civil e do dever de indenizar: o dano suportado é decorrente de frases injuriosas constantes na petição de fls. 62/71, subscrita pelo réu.

Assim, não merece prosperar a irresignação do apelante.

A sentença recorrida acolheu o pedido de indenização por danos morais amparada na prova, notadamente no petitório (fls. 62/71) em que o apelante, na condição de advogado, teria agido com excesso, de forma a afrontar a honra subjetiva do apelado, ultrapassando os limites da imunidade profissional e do tecnicismo jurídico para defesa da causa.

Tal conclusão se mostra inatacável, na medida em que as expressões então utilizadas pelo apelante - quais sejam: "[...] o senhor A. tem demonstrado sinais de desequilíbrio, exclusão social, desvios psíquicos [...]"; "evidente sinal de patologia e desequilíbrio social"; "tal conduta exterioriza, é claro, o destempero e a arbitrariedade que sempre norteiam os atos e as decisões praticadas pelo Sr. A." - em nada se referem ao objetivo da petição então lançada nos autos do inquérito civil e, certamente, refogem ao âmbito do razoável e dos limites da defesa técnica.

Ainda caberia a indagação acerca da especialidade do advogado para atuar em esferas alheias à sua área de formação. Ao proceder de modo a questionar a sanidade mental do autor e desvios psíquicos que lhe acometeriam, sem supedâneo em qualquer documento que assim concluísse, inequivocamente exerceu juízo de valor inerente às áreas da medicina ou da psicologia.

Nos termos do art. 133 da CF "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Ainda, preconiza o art. 7º, § 2º do Estatuto da OAB: "O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer".

Essa Imunidade profissional consagrada ao advogado visa garantir-lhe liberdade para elaborar a defesa necessária à discussão da causa, todavia, não é absoluta, cabendo ao profissional responder por eventuais danos decorrentes de excessos cometidos, uma vez que não há no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto.

É esse o entendimento consolidado na nossa Suprema Corte, de que a imunidade profissional, garantida ao advogado, quer pela norma do artigo 133 da Constituição Federal, quer pelo disposto no § 2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, não abrange os ilícitos civis decorrentes dos excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo.

Edson Jacinto da Silva leciona que:

Tratando-se de imunidade funcional, como a própria lei diz, refere-se ela exclusivamente as manifestações que guardem relação de causalidade com a atividade do advogado e guardem relação de pertinência e necessidade com essa mesma atividade. [...] Se a ofensa ultrapassar tal limite, ou seja, não for decorrente da necessidade imposta por determinada causa inexiste qualquer imunidade e responderá o advogado como qualquer pessoa. [...] (A Imunidade Judiciária do Advogado. São Paulo: LED, 2001, p. 48/49).

No que se refere à matéria discutida, o STJ assim já decidiu:

APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE EXPRESSÕES INJURIOSAS EM PETIÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA DE OFÍCIO. EVENTUAL RESPONSABILIDADE QUE SOMENTE PODERIA SER ATRIBUÍDA AO PATRONO DO APELANTE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO PROVIDO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (CPC, ART. 267, INCISO VI)."Na linha da jurisprudência desta Corte, o Advogado, assim como qualquer outro profissional, responde pelos danos que causar no exercício de sua profissão, não encontrando respaldo no ordenamento jurídico, inclusive no Estatuto da Advocacia, a responsabilidade da parte pelos excessos cometidos por seu patrono".[...] A imunidade profissional garantida ao Advogado pelo Estatuto da Advocacia não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo".(STJ, Resp n. 357418/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira). (Grifo nosso).

Verifica-se, no caso, a presença de abuso de direito, conforme dispõe o art. 187 do Código Civil, pois é certo que o advogado ao escrever as palavras ofensivas na defesa dos interesses de seu cliente, extrapolou os limites da razoabilidade.

Desta forma, ao agir em excesso, causou dano passível de reparação, conforme acertada decisão do juiz sentenciante.

A discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do quantum a ser fixado a título de danos morais é extensa, tendo o STJ manifestado que o arbitramento deve operar-se "com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes", orientando-se o juiz pelos "critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso" (REsp 205268/SP, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 28.6.99).

O critério de fixação do valor do dano moral não pode ser rígido, mas casuístico, pois é fundamental a análise dos contextos objetivo e subjetivo em que ocorreu o prejuízo.

Ensina Carlos Alberto Bittar:

A fixação do quantum da indenização, que compete ao juiz à luz das condições fáticas do caso em concreto, é o momento culminante da ação de reparação, exigindo ao intérprete ou ao aplicador da lei, de um lado, prudência e equilíbrio, mas, de outro, rigor e firmeza, a fim de fazer-se justiça às partes: ao lesado, atribuindo-lhe valor que lhe permita a recomposição de sua situação; ao lesante, cominando-lhe sanção que importe em efetiva reparação pelo mal perpetrado. (Responsabilidade civil:teoria e prática. 5. ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 112)

Maria Helena Diniz leciona:

[...] A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e de satisfação compensatória. Não se pode negar sua função: a) penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição de seu patrimônio, pela indenização pega ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa - integridade física, moral e intelectual - não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato por não serem reparáveis; [...]. (Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 109).

In casu, no que se refere ao valor fixado na sentença, o agente causador do dano é advogado com anos de atuação profissional, conhecedor das normas fundamentais e das garantias individuais, e os danos suportados pela vítima, decorrentes das palavras ofensivas, consubstanciam-se naqueles inerentes e comuns à hipótese, não tendo o apelado demonstrado outros, excepcionais.

A indenização por danos morais foi fixada em R$ 5.000,00, valor que entendo razoável para a espécie, uma vez que a ofensa não ultrapassou os limites do processo judicial e não foi divulgada na imprensa, os juros de mora fixados pelo Juízo obedeceram ao disposto da Súmula 54 do STJ, por se tratar de responsabilidade extracontratual.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso interposto.

Este é o voto.

Gabinete Desembargador Domingos Paludo

Fonte: TJSC .
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