Por Redação - 04/10/2015
Em julgamento proferido nos autos da Apelação Criminal n. 2014.077408-1, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a decisão que absolveu acusado de abandono material, tipificado no art. 244 do Código Peal, em razão deste não ter pagado regularmente a pensão alimentícia, acordada judicialmente, de suas duas filhas.
De acordo com a decisão,
o fato de ausência de pagamento de pensão alimentícia não configura, por si só, o crime citado acima, haja vista que, para seu cometimento, é necessário que ocorra dolo específico na conduta omissiva, ou seja, a vontade livre e consciente de não prover o sustento dos filhos, o que, como será demonstrado, não restou caracterizado no presente caso.
Conforme consta no Voto de Relatoria da Desª. Marli Mosimann Vargas, não havia elementos no feito que demonstrassem que o acusado dolosamente deixou de prover o sustento de suas filhas. Pelo contrário, ficou comprovado que este, mesmo não possuindo renda fixa e em condições financeiras ruins, procurou cumprir com suas obrigações, depositando determinadas quantias, embora em valor abaixo do devido, na conta corrente da mãe das meninas.
Leia abaixo a íntegra do Acórdão.
Apelação Criminal n. 2014.077408-1, da Capital
Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas
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APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR. ABANDONO MATERIAL (ART. 244 DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO.
RAZÕES RECURSAIS APRESENTADAS POR OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA, PLEITEANDO A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. ACUSADO QUE, EMBORA EM VALOR AQUÉM DO ACORDADO JUDICIALMENTE, CONTRIBUA COM O SUSTENTO DAS FILHAS MENORES, DE ACORDO COM SUA POSSIBILIDADE FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2014.077408-1, da comarca da Capital (4ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelado A.V.V.:
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A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Carlos Alberto Civinski e o Exmo. Sr. Des. Luiz Cesar Schweitzer.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou o Exmo. Sr. Procurador José Eduardo Orofino da Luz Fontes.
Florianópolis, 29 de setembro de 2015.
Marli Mosimann Vargas
PRESIDENTE E RELATORA
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RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da 4ª Vara Criminal da comarca da Capital ofereceu denúncia contra A.V.V. pela prática do delito definido no art. 244, caput, na forma do art. 69, ambos do Código Penal, assim descrito na inicial acusatória (fls. II-III):
No ano de 2006, nos Autos da Ação de Execução de Alimentos n. 023.05.035434-8/001, que tramitou na 1ª Vara da Família desta comarca, tentou-se executar A.V.V. em sua obrigação de pagamento de pensão alimentícia, determinada por homologação de acordo em audiência de execução de alimentos realizada em 19/7/2006 (fl. 8), na qual ficou estabelecido o valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) correspondente aos valores atrasados e que deveriam ser quitados mensalmente, mediante o pagamento de 30 parcelas de R$ 50,00 cada uma, além do valor da pensão alimentícia que havia sido acordada em ação anterior (autos 023.03.0368013-5) em favor de suas filhas K.C.V. e K.C.V., respectivamente, com 12 e 9 anos de idade.
Ocorre, todavia, que o Denunciado, desde a citação nos autos de execução de alimentos (13/8/2008, fl. 20) não adimpliu sua obrigação, deixando ao abandono material suas duas filhas menores de idade, deixando de prover sua subsistência, omitindo-se quanto às necessidades básicas das vítimas, em relação à vestuário, alimentação, moradia, saúde, educação e lazer.
Com este procedimento o denunciado, por diversas vezes, deixou de cumprir suas obrigações em relação às suas filhas, cujo montante de pensão alimentícia (parcelas vencidas) totalizou em outubro de 2008 a cifra aproximada de R$ 2.310,00 (dois mil, trezentos e dez reais), acrescida dos valores correspondentes à pensão alimentícia, acordada em valor correspondente à meio salário mínimo mensal.
Após o oferecimento de resposta à acusação pelo réu, por meio da Defensoria Pública, o magistrado julgou improcedente a denúncia, absolvendo sumariamente o acusado da imputação do crime definido no art. 244, caput, c/c art. 69, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal (fls. 98-101).
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 104). Em suas razões recursais, subscritas por Promotor de Justiça distinto daquela que interpôs o apelo, com fundamento no princípio da independência funcional (art. 127, § 1º, da Constituição Federal), o representante ministerial requereu a manutenção da sentença absolutória, por entender que "não há indícios de que o denunciado agiu sem justa causa, então não há falar em subsunção ao tipo penal e, por isso, a absolvição sumária é medida que se impõe" (fls. 108-112).
Em contrarrazões, requereu o apelado a manutenção da sentença absolutória (fls. 114-119).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Joel Rogério Furtado, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto, mantendo-se incólume a sentença (fls. 126-129).
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.
O representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação contra a sentença absolutória. Todavia, haja vista o princípio da independência funcional, o Promotor de Justiça que subscreveu as razões recursais requereu a manutenção da decisão do juízo a quo, alegando não haver justa causa na conduta do acusado e que, por isso, não há subsunção ao tipo penal que lhe é imputado. Com razão, vejamos:
Depreende-se dos autos que o apelado foi denunciado pela suposta prática do crime de abandono material, tipificado no art. 244 do Código Penal, porquanto não estava pagando a pensão alimentícia, acordada judicialmente, em favor de suas duas filhas menores de idade.
O crime imputado ao recorrido está assim tipificado:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
Como se vê, o fato de ausência de pagamento de pensão alimentícia não configura, por si só, o crime citado acima, haja vista que, para seu cometimento, é necessário que ocorra dolo específico na conduta omissiva, ou seja, a vontade livre e consciente de não prover o sustento dos filhos, o que, como será demonstrado, não restou caracterizado no presente caso.
A mãe das crianças, ao prestar depoimento, declarou que o acusado era pescador e não possuía uma renda fixa por mês, bem como que depositava certa quando em dinheiro, veja-se (fl. 72):
[...] que até hoje A. efetuou o pagamento da pensão alimentícia de maneira equivocada, por exemplo, deixando de efetuar o pagamento por dois meses seguidos e quando bem entende deposita quantia bem inferior à metade do que deveria pagar; que disse que A. é pescador e que trabalha, embora não tenha uma renda fixa por mês [...].
O réu, no mesmo sentido, confirmou que era pescador, trabalhava com seu pai e auferia uma renda mensal de, aproximadamente, R$ 300,00 (trezentos reais), mas que sempre tenta ajudar suas filhas com certa quantia por mês. Ademais, afirmou que continua ajudando as filhas financeiramente, de acordo com suas possibilidades (fls. 77-78).
Demais disso, a genitora C.C.C. informou que suas filhas não passaram por dificuldades de alimentação, saúde, vestuário, lazer e estudos.
Denota-se, pois, que não há nos autos elementos que demonstrem que o apelado deixou de prover os sustento de suas filhas agindo dolosamente. Ao contrário, demonstrou-se que ele não possui renda fixa, mas que, mesmo diante dessa situação financeira ruim, procurava cumprir com suas obrigações, efetuando depósitos de determinadas quantias, embora em valor abaixo do devido, na conta da mãe das menores.
Demais disso, como bem ressaltou o douto Promotor de Justiça nas razões de apelação, "os autos revelam que, além de não ter renda fixa, o apelado não possui imóveis em seu nome (vide certidões das fls. 46/50), nem veículos (fls. 38/39), tampouco valores em sua conta bancária (fls. 31/32)".
Acerca do crime em questão, Júlio Fabbrini Mirabete leciona:
O dolo é a vontade de deixar de prover a assistência ao sujeito passivo, pouco importando a motivação do agente. Não se confunde, porém, o dolo necessário para a configuração do ilícito com o mero inadimplemento de prestação alimentícia acordada em separação judicial. Não há forma culposa do crime [...] (Código penal interpretado. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 2019).
Guilherme de Souza Nucci acrescenta: "[...] se o agente não tem condições financeiras ou físicas de socorrer o descendente ou ascendente, é natural que não possa responder por abandono material". (Código Penal Comentado. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1023).
Em caso semelhante, esta Corte de Justiça se manifestou:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO. CRIME CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR. ABANDONO MATERIAL (ARTIGO 244, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACUSADO QUE EFETUAVA O PAGAMENTO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA EM QUANTIA INFERIOR A ACORDADA JUDICIALMENTE. TRANSFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS E MÓVEIS PARA AS VÍTIMAS. DEPÓSITOS EM QUANTIAS CONSIDERÁVEIS PARA AS VÍTIMAS. DOCUMENTOS ACOSTADOS NOS AUTOS QUE COMPROVAM O INTERESSE DO ACUSADO EM ADIMPLIR COM SUAS OBRIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Criminal n. 2010.081076-3, de Balneário Camboriú, rel. Des. Hilton Cunha Júnior, Primeira Câmara Criminal, j. 11-10-2011).
Isso posto, caracteriza-se o presente caso em simples dívida alimentícia, isso porque o dolo, no delito em análise, é da essência da infração, e, como se viu, não houve dolo na conduta do apelado.
Diante do exposto, fica descaracterizado o delito por ausência de dolo do tipo penal. Portanto, nega-se provimento ao recurso interposto pelo representante do Ministério Público para manter incólume a sentença guerreada, permanecendo, assim, a absolvição sumária do apelado.
Este é o voto.
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