A insustentabilidade das contas ambientais

21/04/2019

O Brasil é reconhecido como uma das grandes economias do mundo, com destaque para o alto padrão de desenvolvimento na exportação de produtos de natureza primária, associados à commodities. A precificação da balança comercial positiva do Brasil exige a compreensão do fato de que crescimento econômico não se restringe a análise dos dados relacionados com o Produto Interno Bruto – PIB, devendo ser pensado com outras metas, inclusive a sustentabilidade do desenvolvimento econômico. À luz das contas ambientais, o debate envolve a herança das futuras gerações quanto à existência de recursos naturais em qualidade e quantidade suficiente para proporcionar a consecução a vida e do bem-estar.

A discussão acerca do desenvolvimento econômico do Brasil, associado aos produtos naturais (exportação de commodities), importa na mensuração da conta ambiental brasileira. A lógica produtiva, econômica e ambiental adotada por alguns países resulta na degradação ambiental de países em desenvolvimento e na importação da insustentabilidade por países desenvolvidos.

Estudos publicados[1] recentemente informam que o Brasil, ao exportar produtos de origem animal e vegetal (carnes, sojas, etc.), também exporta insustentabilidade, pois, estimasse que 29% a 39% do dióxido de carbono liberado pelo desmatamento é causado pelo comércio internacional, que leva agricultores a derrubar florestas para abrir espaço para plantações, pastagens e cultivos que produzam bens frequentemente consumidos no exterior.

 

As contas econômicas e as contas ambientais.

Medir o desempenho da economia, ao que parece, nunca foi um problema para os teóricos e estudiosos, ao contrário, mensurar as contas econômicas constitui uma ação direcionada ao desenvolvimento, ao progresso e ao crescimento do setor produtivo. Dentre as diversas formas aferir o desempenho econômico e alinhar as metas de crescimento, o mercado usa com frequência a metodologia da verificação através do Produto Interno Bruto – PIB, avaliando a economia a partir (i) do valor adicionado aos bens e serviços produzidos sobre determinado período, (ii) a renda gerada ou (iii) as despesas realizadas pelos atores econômicos do país; ou seja, o valor adicionado é igual ao valor de mercado menos o valor de produção.

O PIB, ao contrário do que se imagina, não foi concebido como forma de medir o bem-estar da sociedade, estando voltado apenas para avaliar as preocupações econômicas convencionais – medir o crescimento e maximizar o consumo. Pela lógica, a sociedade estará melhor para viver tanto quanto melhor for o nível de crescimento do consumo per capita da população.

Entretanto, embora o PIB possa expressar saúde financeira do mercado, o nível elevando de consumo não representa, necessariamente, bem-estar. O PIB possui limitações para medir bem-estar, pois, (i) considera apenas as transações ocorridas no mercado e, portanto, com valor monetário e valoradas pelos preços vigentes no mercado; excluindo transações (economias) informais; (ii) contabiliza como positivo transações que diminuem ou refletem queda do bem-estar da sociedade, como é o caso do aumento do consumo de cigarros e aquisição de carros, desconsiderando os problemas que decorrem do consumo – problemas de saúde pulmonar e os problemas com saúde, seguro de vida e  previdência e, (iii) ignora os custos da degradação ambiental e da depleção dos recursos naturais, com a expressiva redução da conta ambiental relacionada com o capital natural e os impactos no capital de produção (manufatura).  

Diferentemente da lógica das contas econômicas; as contas ambientais consideram essencial avaliar o crescimento econômico a partir de dois princípios elementares, quais sejam: (a) o bem-estar da população e, (b) os estoques de capital natural.

A ideia principal e avaliar (i) como os recursos naturais entram na economia, (ii) como a economia devolve os recursos e (iii) o que é devolvido (considerando o processo de manufatura ou industrialização).

Exige-se, uma reformulação estatística, em que se inclua a análise dos recursos naturais pelos setores produtivos da economia, considerando a existência de uma tabela única que contabilize os recursos – (a) monetários, (b) físicos e (c) funcionais.

Os recursos monetários são as contas econômicas, os investimentos do setor econômico no processo de extração, manufatura e comercialização. Os recursos físicos devem contabilizar o estoque de ativos ambientais no início e no final de cada período contábil e as mudanças do mesmo, tanto em termos físicos quanto monetários. Trata-se, em última razão, de medir adequadamente os estoques de capital natural, incluindo avaliação econômica e ambiental de todo o processo, por exemplo, como ocorre na extração de recursos minerais. As contas funcionais incluem a contabilidade de informações sociais e demográficas, entre outros dados de relevante interesse para a sustentabilidade da economia.

O desequilibro das contas ambientais pela exportação de produtos naturais – o caso das emissões de CO2.  

Longe das contas ambientais, o Brasil do presente contabiliza apenas as contas econômicas, cuja preocupação corrente pode ser resumida em garantir o equilibro da balança econômica, gerar emprego e renda e, produzir bens e produtos em escala suficiente para alimentar o mercado interno e o mercado externo. A questão, entretanto, é que de uma forma ou de outra, a conta ambiental aparece – em valor e escala desproporcional à qualidade de vida e ao bem-estar da população brasileira de hoje, quem saberá como ficará ou será o bem-estar das gerações que ainda virão.

Dados da reportagem da emissora da Alemanha Deutsche Welle indicam que a destruição das florestas e matas da Terra, que retiram e armazenam o CO2 da atmosfera, é um grande obstáculo na luta para conter as mudanças climáticas. Para os especialistas, o problema se agrava ainda mais, através de cadeias de fornecimento e produção complexas, que distanciam os consumidores dos danos decorrentes da fabricação dos produtos, como ocorre nos casos em que países desenvolvidos importam produtos de origem animal ou mineral de países em desenvolvimento.

Uma equipe de pesquisa na Suécia, com a finalidade de avaliar as pegadas de carbono do desmatamento por país e mercadoria, combinou dados do fluxo de comércio com imagens de satélite de mudanças no uso da terra entre 2010 e 2014. Eles não consideraram a perda florestal de atividades não agrícolas – como mineração, urbanização ou incêndios florestais naturais –, que causam cerca de 40% do desmatamento. (Fonte: Deutsche Welle).

A pesquisa indicou, por exemplo, que na África que quase todas as emissões relacionadas à destruição das florestas permaneceram dentro do continente. Mas, na Ásia e na América Latina (Brasil), quantidades consideráveis do CO2 liberado através da queima e corte de árvores foram, na prática, exportadas para a Europa, América do Norte e Oriente Médio, através de alimentos. (Fonte: Deutsche Welle).

Os dados da pesquisa descontroem as bases de sustentabilidade de muitos países, pois, as diferentes formas de contagem das emissões de CO2 - o lugar onde o CO2 é emitido ou onde os produtos cuja produção o liberam são consumidos, levantam questões difíceis sobre a definição de quem pode ser considerado um país sustentável e de quem deve ser responsabilizado para adotar medidas de compensação ambiental.

Sabe-se, atualmente, que a maior parte das emissões de desmatamento teve origem apenas em quatro commodities: (a) a madeira, (b) a carne bovina, (c) a soja e (d) óleo de palma. O Brasil, indene de dúvida, participa das commodities de carne e de soja, exportando para o mundo, produtos naturais nem sempre certificados ambientalmente.

A necessidade de manter a econômica ativa (geração de emprego, renda e desenvolvimento econômico), aliada a dieta de muitos países desenvolvidos (consumo de produtos tropicais), resulta em ações tipicamente degradadoras do ambiente natural do Brasil – avanço da soja e bovinocultura sobre as regiões do pantanal, do cerrado e da Floresta Amazônica, provocando desmatamento, queimadas, conflitos agrários e problemas com as terras indígenas.   

Segundo a Associação Brasileira de Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC)[2], O Brasil exportou um recorde de 1,64 milhão de toneladas de carne bovina em 2018, um aumento de 11% comparado com 1,48 milhão de toneladas exportadas em 2017. Em 2019, a ABIEC informa que as exportações de carne do primeiro trimestre foram superiores em 2,6% comparado com o primeiro trimestre de 2018.  

No Brasil, considerando o modelo de desenvolvimento econômico, agrário e social e, ainda, a aproximação da população com as dietas dos países desenvolvidos, a tendência é que o desmatamento e a destruição ambiental continuem associada a dois flancos: (a) a exportação de produtos naturais e minerais para países desenvolvidos e, (b) a maximização da produção, com aumento de áreas cultivadas e/ou pastoreadas, para atender o mercado interno crescente. Ambas as situações, embora reconhecidamente necessárias para o desenvolvimento do Brasil, não podem ser sustentadas a qualquer preço ou apenas sob o enfoque econômico; uma vez que há serias ameaças à sustentabilidade de ecossistemas complexo e importantes para a manutenção do capital natural brasileiro.  

Resulta que os países da União Europeia, por exemplo, cujas políticas públicas de sustentabilidade estão em patamar avançado, deixam de produzir em seus territórios CO2 em larga escala, porém, importam produtos com o DNA da insustentabilidade, uma vez que foram produzidos ao preço de políticas ambientais que não controlaram o desmatamento e a queimada.

 

Conclusão.    

Mesmo que não haja acordo sobre os índices que devem compor as contas ambientais, é fato que a medida utilizada, atualmente, para medir o entrelaçamento do meio ambiente com a economia é insuficiente, registrando preocupações de ordem econômica e desconsiderando os impactos do desenvolvimento no capital natural e na qualidade de vida da população.

As commodities não serão substituídas e o Brasil não poderá deixar de produzir carne e soja, porém, não se pode admitir que a produção ocorra a qualquer custo, sem padrões de sustentabilidade e com degradação ambiental.

Os países desenvolvidos, longe da visão romântica, são responsáveis pelos danos ambientais que afligem a humanidade sob três enfoques claros. O primeiro, pelo vasto desmatamento que provocaram ao longo dos séculos (vide a gestão florestal da União Europeia e dos Estado Unidos da América). O segundo, pela colonização e pela (neo) colonização predatória de culturas e crenças em países da América Latina, da África e da Ásia, com a única finalidade de explorar os recursos naturais. O terceiro, pela manutenção de um alto padrão de vida, exigindo a exploração, em larga escala, dos produtos naturais e minerais dos países em desenvolvimento.

É necessário alterar a lógica desenvolvimentista das contas econômicas para avaliar o crescimento a partir de dois princípios (a) o bem-estar da população e, (b) os estoques de capital natural; medindo (i) como os recursos naturais entram na economia, (ii) como a economia devolve os recursos e (iii) o que é devolvido (considerando o processo de manufatura ou industrialização).

Exige-se, em definitivo, que as contas econômicas considerem as contas ambientais, fazendo incidir índices que sejam capazes de contabilizar, ao mesmo tempo, os recursos (a) monetários, (b) físicos e (c) funcionais.

Por fim, as contas ambientais, sejam de países em desenvolvimento ou de países desenvolvidos, são insustentáveis, não sendo possível, seja por qual medida estatística ou política ambiental, acusar uma nação individualmente ou um grupo econômico de nações por poluir ou degradar o ambiente, pois, na medida de suas necessidades e características, as nações estão interligadas pela economia e pela cultura da devastação ambiental.

 

Notas e Referências

[1] Publicado em https://www.dw.com/pt-br/exporta%C3%A7%C3%B5es-impulsionam-desmatamento-no-brasil-e-indon%C3%A9sia/a-48372068. Acesso em 19 de abr. 2019.

[2] Disponível em http://www.a/biec.com.br/Exportacoes.aspx. Acesso em 19 de abr. 2019.

 

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