Você conhece o Complexo de Galvão Bueno no Processo Penal?

20/12/2015

Por Alexandre Morais da Rosa - 20/12/2015

Galvão Bueno é o narrador e comentarista esportivo da maior rede de televisão do Brasil. É controverso pelo seu jeito assertivo e de dono da verdade. Talvez seja o principal narrador justamente porque faz afirmações contundentes, mesmo que erradas e/ou dissociadas da realidade, até porque do lugar que diz, muitas vezes, transforma-se em discurso oficial. Não se trata de gostar ou não. Faz sucesso. O que pretendo aproveitar é que no Direito, também, existem os que sofrem deste jeito assertivo, donos da verdade, desprovidos de dúvidas. Os Manuais estão cheios de personagens que afirmam a "verdade irrefutáveis sobre as coisas".

O Processo Penal brasileiro encontra-se em um momento de báscula, de transformação, em que as coordenadas do CPP de 1941, com as intermináveis discussões sobre a recepção ou não de seu sentido em face da Constituição e do Controle de Convencionalidade, são atravessadas pela lógica do consenso, da barganha. Basta ver as delações e leniências. Enfim, vivemos um momento de anomalia.

Dois modelos são bem evidentes e antagônicos: a) processo como garantia baseado em direitos fundamentais; b) processo negociado em que o conteúdo do processo, ou seja, a imputação, culpa e pena, podem ser acordados. Independentemente do ponto de vista que se defenda, há espaço para articulação argumentativa das posições.

Mas aí o ponto que desejo chegar: O Galvão Bueno jurídico decide criticar todos e tudo sem que demonstre qualquer perspectiva diferenciada, nem mesmo suje as mãos na prática forense. Restringe-se a dizer que seu papel é desconstruir e se autoriza a criticar todos. Sempre existem os orientandos da igrejinha que aplaudem; a audiência fiel. Sem muito esforço acredita na adulação.

De alguma forma não sujar as mãos no exercício do poder punitivo e ficar somente da arquibancada torcendo ou comentando a partida é o mecanismo de alguns críticos. É uma maneira de nunca se colocar em dilemas do campo de jogo e um tanto quando platônica. A ideia é a de sujar as mãos, mesmo, adotando-se postura estratégica. Aliás, cabe dizer que se ocupa o lugar da crítica justamente porque a jurisdição penal existe, a saber, a crítica se sustenta por seu oposto. E não existem Almas Belas (Hegel) em nenhum lugar. Então menos pose e cinismo.

De alguma maneira a crítica acadêmica, de banho tomado, não deixa de ser uma estratégia do poder. Os discursos herméticos, complexos, dentro de salas de aula, para poucos, servem ao poder que sorri e diz: vejam como somos democráticos; na universidade vivem nos criticando. Talvez devamos nos arriscar a deixar de fazer o que esperam que façamos.

É preciso certa estratégia de luta para que o status quo possa se modificar. Podemos fazer com a Revolução e também operando dentro do sistema, naquilo que Antonio Gramsci denominava como intelectual orgânico[1]. Mas aí vai do desejo e da coragem de cada um. Essas estratégias subversivas servem para operar dentro do sistema, dentro dos paradoxos que proporciona – ou dizendo isso para que acreditarem.

Opera-se na dimensão do Processo Penal como Jogo. Aliás, é o tema dos meus últimos escritos (aqui). A pretensão é a de proporcionar uma grande caixa de ferramentas para as quais os jogadores, tanto progressistas como reacionários, possam melhor se preparar para os jogos penais, já quem se acha neutro já faz parte da estratégia de alguém, e não sabe.

Conhecer o adversário e mapear suas expectativas de comportamento é o mote, bem assim das possibilidades de decisão do julgador. Entretanto, todas as táticas apresentadas precisam ser adaptadas e reinventadas em cada contexto de aplicação, sendo possível, todavia, apontar-se alguns princípios e bases teóricas pelas quais o jogador/julgador possa se guiar. Não é um receituário, nem um check list para atuação. Assim prometer seria reiterar o conforto.

Parto do desconforto que a incerteza no processo penal nos promove. As noções apresentadas são necessariamente contingentes, flexíveis e aplicáveis conforme o contexto. A cada momento se deve avaliar a aplicação e a adaptação.

O que precisamos superar são os histéricos críticos que não apresentam nenhum caminho e se autorizam a destruir tudo que se pretende. A crítica séria, todavia, sempre será acolhida. Precisamos de menos Complexo de Galvão Bueno no Processo Penal. Talvez em todos os campos do Direito. Evidente que não me refiro aos que se dedicam exclusivamente ao ensino superior em que a função realmente é essa. Falo dos que não fazem, embora possam.

Bem amigos do Processo Penal, tudo isto a partir da Teoria dos Jogos. No início do ano sairá a Terceira edição pela Editora do Empório do Direito. Grande abraço. Se quiser fazer um teste com a lógica dos jogos, fica o convite aqui


[1] GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere, v. 2. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.


 

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com   Facebook aqui 


Imagem Ilustrativa do Post: open mic // Foto de: Ed Schipul // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/eschipul/555287661/in/photolist-R4ZFc-5QcQaa-aDRLjy-8F6XPS-dBcb6v-7FtMqH-bfC5L4-6B8hZx-yTqWV-8F3Hdg-8FknUW-7LxtGj-e3pVW1-87jKaZ-rLsPyk-caVeWo-84164G-9Dw81g-dgmFiz-5giiB-83X2iX-pgV87M-aNao34-bfVQdK-4nWCrn-k7pdHp-qedAKN-iZn35z-HqZ5r-Hr1W6-faqgoK-aeH7M3-HqKti-HqXzD-Hr2r2-nCbxRU-bfC5X6-HqGK2-Hqz8W-HqyuQ-nofCk-HqZZt-7Aho9b-93FnrQ-HqEfZ-bsBknc-jP1ERz-phReRD-rRr9rU-9FdLc2 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura