Sobre masmorras punitivas: a racionalidade dos nossos formigueiro$ – Por Guilherme Moreira Pires

22/02/2015

O repressivismo saneador defendido, de modo geral, pela sociedade, não repele verdadeiramente a criminalidade, apenas contribui para a reprodução de valores distorcidos, leis irracionais, penas infundadas e desproporcionais, pânico, paranoia social e presídios superlotados, que mais parecem formigueiros [...] masmorras punitivas essencialmente criminosas, em que até a comida servida mostra-se estragada e fétida. Cada faceta deste molde, designado para projetar dores, inflige diferentes violências ante a “carcaça imunda” dos alvejados.

Seguramente, a superlotação revela questão crônica basilar do Direito Penal contemporâneo, pautado pelo Direito Penal Simbólico, que ostenta um punitivismo exacerbado e massificado em detrimento de um processo cultural e educacional satisfatório, pretendendo-se perniciosamente mascarar e dissimular a lacuna da falta de políticas públicas que nos acomete, bem como ocultar uma verdade sombria e temerária que ninguém aspira captar: a existência de alguns é desnecessária à sociedade capitalista, considerando-se, em especial, o excedente de força humana que transcende os limites tolerados no exército de reserva, instrumentalizado conforme convenha e finalmente contido pelo ius puniendi, que finalmente confere-lhe uma função econômica, eis que o encarceramento maciço dos marginalizados movimenta dinheiro, que, embora ensanguentado, ainda é dinheiro (pecunia non olet: o dinheiro não tem cheiro).

Essa pobreza colossal, transcendental, não mais pode ser inserida na ideia do exército de reserva de mão-de-obra, eis que a mera força bruta não mais é bastante para tanto, exigindo-se alguns requisitos mínimos que não são contemplados pelo excedente de excluídos.

Tornam-se, então, à luz da sociedade, sem propósito, sem destino, desprovidos de sentido e consequentemente encarcerados nas gaiolas punitivas, essas poderosas fábricas de exclusão que se reproduziram na consolidação de um gigantesco sistema penal, tendente travar guerras contra os miseráveis, tornando-os ainda mais paupérrimos e marginalizados (pauperização sistêmica).

Vislumbra-se na criminalização da miséria a exportação da pobreza, que passa a se multiplicar, reproduzindo-se devastadoramente, na medida em que os alvejados pelo sistema penal encarcerador tornam-se, com o enjaulamento, ainda mais estigmatizados, traumatizados e maltrapilhos do que antes; ainda mais paupérrimos e esfarrapados; mais tendentes à violência do Estado Penal e Policial, discriminatórios e agressores por excelência.

Assim, o Estado finalmente confere uma função socioeconômica àqueles que não consomem, não produzem, nem tampouco alimentam os cofres públicos: uma vez aprisionados, enfim podem ser explorados, ainda que indiretamente. Os marginalizados, então, germinam boas oportunidades econômicas àqueles que lucram com a construção de novos presídios e com a expansão do sistema penal de modo geral, o que ilusoriamente estabiliza o coeficiente de desempregados e enriquece seus beneficiários, enquanto que maximiza o empobrecimento dos grupos já paupérrimos.


 

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