PROVIMENTO 68/2018 DO CNJ – O PERIGO DOS ESPAÇOS MORTOS DENTRO DO PROCEDIMENTO – ATENTADO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

21/09/2018

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

O presente ensaio é fruto de algumas reflexões advindas de casos práticos, em que o Provimento 68/2018 do CNJ vem sendo interpretado/aplicado de maneira equivocada, e, com isso, evidente o retardo da entrega da prestação jurisdicional.

O Provimento 68/2018 editado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao que parece, deverá ser interpretado/aplicado em consonância ao texto constitucional e à legislação infraconstitucional, nunca isoladamente como álibi para o não enfretamento de questões postas pelas partes.

Eis os conteúdos dos dispositivos do Provimento, in verbis:

“Art. 1º. As decisões, monocráticas e colegiadas, que deferem pedido de levantamento de depósito condicionam-se necessariamente à intimação da parte contrária para, querendo, apresentar impugnação ou recurso.

1º. O levantamento somente poderá ser efetivado 02 (dois) dias úteis após o esgotamento do prazo para recurso”. Grifamos

Pode-se observar que o Provimento do CNJ se refere a decisões concessivas de levantamento, ou seja, que já deferiram o levantamento do depósito.

É evidente que o referido Provimento do CNJ traz segurança jurídica aos levantamentos de depósito, mas, por outro lado, poderá ser utilizado para atrasar a efetiva entrega da prestação jurisdicional em benefício da “parte contrária”.

Na verdade, os dispositivos estruturantes do precitado Provimento do CNJ devem ser utilizados apenas e tão somente para os casos de “levantamentos-surpresa”, a fim de prestigiar o contraditório dinâmico, consoante o disposto no art. 10, CPC.

Acontece que, na prática, tais dispositivos legais estão sendo manejados de forma equivocada, ou melhor, desgarrados do texto constitucional, s.m.j.

E mais, estão sendo aplicados automaticamente, sem um mínimo de fundamentação (ex vi dos arts. 93, IX, CF/88; 489, § 1º, CPC), o que impõe a nulidade das decisões proferidas.

Em verdade, são despachos que causam tumulto processual.

Ora, ainda podemos vislumbrar questão passível de debate, qual seja: o Provimento do CNJ traz em sua redação “parte contrária”,[1] e não trata da situação de “terceiro”.

E se a “parte contrária” não resistir e, com isso, concordar com o levantamento de numerário, por intermédio da expedição de alvará; poderá um terceiro supostamente interessado reivindicar a aplicabilidade automática dos dispositivos do referido Provimento 68/2018 do CNJ, e, com isso, impedir a liberação do crédito?

Além disso, se a “parte contrária” for intimada pelo Estado-juiz e nada dizer ou se insurgir contra a liberação do numerário, por intermédio de recurso de agravo de instrumento (p. ex., de uma tutela provisória de urgência) – art. 1.015, I, CPC, o contraditório já restou instaurado e exercitado, ou não? Nesse caso, com a interposição do recurso de agravo de instrumento, o levantamento de numerário deixou de representar “surpresa” ao recorrente/“parte contrária”.

Como já afirmado, a aplicação dos dispositivos do Provimento 68/2018 do CNJ é para os casos de “levantamentos-surpresa”, e não para servir de empecilho ao exercício da advocacia e à prestação jurisdicional.

O que não se admite, é a “parte contrária” se insurgir contra o levantamento-surpresa, e, após decisão de primeira instância (no caso de impugnação) ou de segunda instância (para o caso de recurso) permitindo o levantamento do numerário, criar obstáculos diversos à expedição de alvará.

Ora, se houve decisão concessiva de expedição de alvará, após o contraditório, o Estado-juiz não tem que provocar manifestação da “parte contrária”, mas ordenar a sua imediata expedição, sob pena de se frustrar direitos do jurisdicionado, causando-lhe prejuízos materiais e, até mesmo morais, dependendo do impacto da negativa da expedição.

Na hipótese, por exemplo, de a parte detentora do crédito necessitar do numerário para tratamento de saúde, cumprir uma obrigação que evite o comprometimento de seu patrimônio etc., claro, desde que, devidamente demonstrado nos autos.

A questão é singela, resolveu-se a impugnação ou o recurso próprios, caso existam, o Estado-juiz “deverá” ordenar a expedição imediata e urgente do respectivo alvará, sob pena de se criar mais um dentre tantos espaços mortos dentro do procedimento.

Caso o Estado-juiz persista em não ordenar a expedição imediata do alvará, a parte que se sentir lesada poderá apresentar correição parcial contra o despacho (rectius: decisão) tumultuário,[2] alegando desrespeito ao texto constitucional, e evidente contaminação do procedimento por vícios (error in procedendo).[3]

Dependendo da gravidade do tumulto processual, o Estado-juiz poderá sofrer as devidas e necessárias responsabilizações (ex vi do art. 143, II e parágrafo único, CPC).

Ao contrário do que pensa grande parte dos juízes, os espaços mortos, na verdade, desprestigiam a prestação jurisdicional, já que representam desperdício de tempo (atentam contra a duração razoável do processo – art. 5º, LXXVIII, CF/88 – art. 4º, CPC) e inconteste mácula ao Estado Democrático de Direito, eis que maltratam o devido processo legal.

O Estado-juiz deverá ter comprometimento e bom senso para afastar manifestações inoportunas de sua decisão concessiva, e determinar a urgente expedição de alvará, e não conceder mais prazo, sob a alegação de cumprimento ao Provimento 68/2018 do CNJ, que, nesse caso, será totalmente inaplicável, s.m.j.

Eis o perigo dos espaços mortos, camuflar o não enfretamento, com irremediáveis prejuízos à prestação jurisdicional, configurando, destarte, inconteste negativa de tutela.

 

Notas e Referências

[1] As aspas foram utilizadas para destacar a evidente diferença entre parte contrária e terceiro.

[2] No CPC não há previsão para a parte interpor recurso contra despachos (ex vi do art. 1.001). Tumultuário: no sentido de provocar inversão despropositada do procedimento; no sentido de recusa, omissão ou retardo despropositados (injustificados) em decidir etc.

[3] O Regimento Interno do TJMG traz o seguinte: "Art. 290. A correição parcial em autos, para emenda de erros ou abusos, quando não haja recurso ordinário, será procedidas sem prejuízo do andamento do feito e a requerimento dos interessados ou do Ministério Público, observada a forma do processamento de agravo de instrumento cível". Grifamos

 

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