Apontamentos sobre a audiência de custódia - Por Alexandre José Trovão Brito

11/10/2017

No processo penal brasileiro a regra é a liberdade e a prisão deve ser utilizada como medida de ultima ratio. Além de obedecer aos princípios da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, presunção de inocência, in dubio pro reo, dentre outros, faz-se necessário e salutar que essa medida de cerceamento de liberdade seja informada pelas regras contidas nos tratados internacionais de direitos humanos.

Por este motivo, precisa-se urgentemente não somente olhar para o ordenamento jurídico interno, mas também para a normativa que rege determinados institutos jurídicos no plano internacional. Desse modo, o resultado esperado seria um política criminal voltada a produzir menos danos e mais preocupada com os direitos humanos, tendo sempre em vista a mitigação do poder punitivo[1].

A audiência de custódia tem previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a qual no seu artigo 7.5 determina que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)”. Ela também encontra guarida no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pois seu artigo 9.3 estabelece que “qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (...)”

Afora tais previsões legais, a audiência de custódia também conta com previsão na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a qual em seu artigo 5º, 3 declara que “Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais (...)”[2].

Ainda que a Lei 12.403/2011 tenha provocado modificações pontuais na prisão cautelar (como por exemplo ofertando ao magistrado a possibilidade de aplicar medidas cautelares diversas da prisão, conforme preceitua o artigo 319 do Código de Processo Penal), a prisão provisória em nosso país não é uma exceção. Muito pelo contrário, ela se apresenta como uma autêntica antecipação de pena, o que fere de morte o princípio da presunção de inocência[3].

Em face desse cenário, e com a intenção de enfrentar a cultura do encarceramento em massa, tão defendida e aplicada em nosso país, o Conselho Nacional de Justiça e o Ministério da Justiça lançaram o projeto “Audiência de Custódia”. Tal projeto tem como finalidade assegurar o contato pessoal da pessoa presa com um juiz depois de sua prisão em flagrante.

Qualquer indivíduo que for preso em flagrante ou por mandado de prisão deve ser conduzido a autoridade judicial competente em 24 horas, sem que o prazo seja interrompido por finais de semanas, feriados e recessos. Se a audiência não for realizada, a prisão será ilegal[4].

Para Távora e Alencar, esse encontro entre o conduzido e o magistrado proporciona a oportunidade de realização de um interrogatório capaz de fazer valer direitos fundamentais garantidos à pessoa presa. Configura-se como um “interrogatório de garantia” que possibilita ao autuado informar ao magistrado suas razões sobre o fato que lhe foi atribuído. Em outras palavras, é um meio para controlar judicialmente o caráter lícito das prisões[5].

É importante destacar que a audiência de custódia é presencial, ou seja, deve ocorrer o contato direto do preso com a autoridade judiciária. Entretanto, de forma excepcional, a Corte Interamericana entende que é possível realizar a audiência por meio do sistema de videoconferência se houver situação fática que justifique tal ato, o que pode ocorrer por exemplo, naqueles casos em que o defensor do custodiado estiver em outra comarca[6].

Por conseguinte, cabe salientar que a audiência de custódia retrata um modo de humanizar a persecução penal estatal, uma vez que se configura como medida apta a democratizá-la, pois serve como meio de se evitar a prática de torturas e como medida suficiente para promover o debate sobre a necessidade da prisão[7].

Desse modo, por tudo que foi dito até aqui, é possível concluir que o instituto analisado tem como escopo assegurar ao conduzido a garantia de seus direitos fundamentais e a materialização do princípio da dignidade humana, gizado no artigo 1º, III da CF/88, o qual se configura como diretriz para todo e qualquer Estado Democrático de Direito.

[1] Audiência de custódia aponta para evolução civilizatória do processo penal – Aury Lopes Júnior e Caio Paiva. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-ago-21/aury-lopes-jr-caio-paiva-evolucao-processo-penal.

[2] Audiência de custódia aponta para evolução civilizatória do processo penal – Aury Lopes Júnior e Caio Paiva. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-ago-21/aury-lopes-jr-caio-paiva-evolucao-processo-penal.

[3] MARQUES, Mateus. Sobre a implantação da audiência de custódia e a proteção de direitos fundamentais no âmbito do sistema multinível. In: ANDRADE, Mauro Fonseca; ALFLEN, Pablo Rodrigo (orgs.). Audiência de Custódia: da boa intenção à boa técnica. Porto Alegre: FMP, 2016, p. 10.

[4] O que você precisa saber sobre Audiência de Custódia – Alexandre Morais da Rosa. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-que-voce-precisa-saber-sobre-audiencia-de-custodia-por-alexandre-morais-da-rosa/.

[5] TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 914.

[6] O que você precisa saber sobre Audiência de Custódia – Alexandre Morais da Rosa. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-que-voce-precisa-saber-sobre-audiencia-de-custodia-por-alexandre-morais-da-rosa/.

[7] TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 915.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Prisons // Foto de: Daniel // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/refletsdevert/7332418438

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura