Abolicionismos entre disputas, controles, capturas e cruzadas: militantes ou militares? – Por Guilherme Moreira Pires

13/01/2016

 “Temos que ter desconfiança crescente com relação à aqueles que fazem das ideias armas [...] A paixão pelo próprio discurso impede-lhes o autêntico exercício de uma prática política que precisa administrar as contradições de uma práxis que o sonho perfeito sempre escamoteia. A grande maioria dos militantes militarizam seus sonhos, suas ideias-força [...] A irracionalidade da maioria das práticas militantes passa por sua obcecada pretensão de absoluto.” (WARAT)

Avistam-se novas velhas disputas, por controles vários. De cima, de longe, de perto, de baixo. Entrelaçados, atravessados, afastados. Acoplados, encapsulados, amplificados.

Múltiplos controles, capturas e disputas; grande versatilidade. De fato, controles não dispensam formas. Aproveitam-nas.

Valem-se de tudo; desde seus referenciais, inexiste utilidade suja, não é sequer nesse âmbito que se avalia tal coisa.

Purificadas ou não, enquanto servirem são usadas.

Usos e desusos, abusos.

Sacrifícios estratégicos. Táticas formidáveis.

Culturas repressivas riem da simplicidade de nossos fechamentos desnecessários e tolos, enquanto matamo-nos.

Capturam imitando velhas formas que lhes ensinaram a gozar com o poder (aqui sim, residiria o equivalente à pureza aludida).

Suas réplicas de armas ferem e matam, são tão ou mais perigosas que as originais.

A ampla versatilidade desse constante amoldar de formas nos remete ao êxito de controladores e capturadores, que não medem esforços no preenchimento da pretensão de absoluto que nutrem; pretensão de absoluto também vislumbrada no auto-proclamado front crítico que se coloca como a única via possível, pretensão que surpreenderia, não fosse tão antiga.

Talvez fosse mesmo de se esperar que antagonismos imitassem as formas e aparelhagens de sistemas, se espelhassem nas verticalizadas estruturas (d)e imposições que "odeiam" (amam?) e conhecem tão bem, naturalizando e (re)produzindo tal linguagem, aquela que conhecem.

Abolicionismos, militâncias, partidos políticos. Triste relação. Para alguns, tristeza da própria cogitação dessa reunião. Para outros, a tristeza advém da distância.

Tema complexo.

Mas, para além das conclusões nesse espectro semântico, como uma militância (dita) libertária (dentre outras alcunhas) se torna gradativamente outra coisa demasiado distinta, perdida no estabelecimento de bizarros parâmetros delineadores dos únicos marcos, movimentos e caminhos possíveis (os seus)?

Por quais verdadeiras razões alguns fechamentos de sentido com enunciados escancaradamente ilógicos foram construídos, senão que para erigir a materialização de um corpo combatível (etiquetado enquanto inimigo declarado) questionador das (ou supostamente antagonista às) contradições internas (claro, nunca interpretadas enquanto tais)?

Provavelmente se mostre equivocada tal pergunta; melhor seria perguntar como – na obsessão totalizante pela conquista de espaços, ostentando cabeças decapitadas enquanto troféus, linguagem bélica e sonhos militarizados – não fora percebida tal configuração com antecedência.

A materialização do aludido corpo contribui para uma coesão fabricada instituidora de fascínios e consensos compartilhados, produz matéria-matável (também simbolicamente), insculpe sentidos totalizantes, implanta desejos obedientes ao ritmo de fluxos e influxos replicados pelos tentáculos dos artífices conjuradores dessa pretensa pureza do poder, com imaginários punitivos reféns de uma lógica combativa, em que tudo se resume a dominar espaços, etiquetar e perseguir os inimigos assim declarados; controles e gozos atinentes a esses controles e influências, crescimentos e expansões energizadores de culturas repressivas, atrelados à imposição de limitadíssimos recortes de imaginação que julgam luminosos.

Não há como respirar entre disputas por controle, como não há o que comemorar.

Como não se esfarelar entre culturas repressivas ou ser capturado nas violentas pretensões de oposição às mesmas, eis desafios dificílimos.

Resta, enquanto resistências e dissidências vívidas e várias, sermos e vivermos sociabilidades, movimentações, experimentações ativadoras de sensibilidades e complexidades não capturadas (e não capturadoras!), não circunscritas em brutalizantes arenas de luta pelo poder.

Potências desestabilizadoras dos fluxos pré-estabelecidos (do poder punitivo e além), promovendo fissuras e abalos nas próprias disputas por controles, capturas e captações, perpetradas no cerne e subsolo de culturas repressivas diariamente replicadas e energizadas, mesmo pelo auto-proclamado front crítico.

Assim como o surgimento, ascensão e sedimentação do Estado moderno contou com o denominado "poder punitivo" como crucial elemento de captura e controle no redesenho do diagrama de poderes, indispensável às novas diagramações e formatações no continente europeu – como bem demonstra Anitua (2008) –, as culturas repressivas atualmente contam com uma certeza de eternidade, apostando nos próprios controles de seus opositores como a garantia de certeza da própria perpetuação.

Controles emburrecedores e resistências auto-destrutivas, um encaixe tão perfeito que às vezes até parece fruto de alguma sorte de acordo.

Algumas vezes pode ser o caso.


Notas e Referências: 

ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Trad. Sérgio Lamarão. Instituto Carioca de Criminologia. Rio de Janeiro: Revan, 2008.

AUGUSTO, Acácio. Política e polícia: Cuidados, controles e penalizações de jovens. Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2013.

PASSETTI, Edson. AUGUSTO, Acácio. Anarquismos & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

PIRES, Guilherme Moreira. Abolicionismos e Anarquismos: potências, dissidências e resistências. Complexidades para além das leis e da Prisão-Prédio. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/abolicionismos-e-anarquismos-potencias-dissidencias-e-resistencias-complexidades-para-alem-das-leis-e-da-prisao-predio-por-guilherme-moreira-pires/ ISSN 2446-7405. Acesso em: 11/01/2015.

PIRES, Guilherme Moreira. Símbolos, linguagem e poder: análise da coesão forjada a partir de uma perspectiva anarquista (e abolicionista). Disponível em: http://emporiododireito.com.br/simbolos-linguagem-e-poder-analise-da-coesao-forjada-a-partir-de-uma-perspectiva-anarquista-e-abolicionista-por-guilherme-moreira-pires/ ISSN 2446-7405. Acesso em: 11/01/2015.

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito III – O Direito não estudado pela Teoria Jurídica Moderna. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1997.


 

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