Abolicionismos e Cultura Libertária: prefácio do autor - Por Guilherme Moreira Pires

06/12/2017

[1]

“O poeta é um rebelde sem premeditação, demolidor de tudo e de si próprio. De si próprio, creio eu, pois demole tudo o que emuralhou seu coração.” (Warat). 

Em tempos de dicotomias rasas de front, que poupam críticas a elementos importantíssimos de nossas culturas repressivas, como Estado, capitalismo, poder punitivo, Escolas e Universidades, imersos no cerne de culturas do castigo e da obediência aos lindes instituídos do possível (e do poder), nossos anarquismos e abolicionismos energizam culturas libertárias (enquanto dissolvem culturas repressivas). 

Não poupam críticas aos múltiplos refletores da doutrina do sacrifício ao poder, em seus tentáculos e extensões, ressonâncias, fluxos e influxos.

Mastigando os múltiplos discursos legitimantes da versatilidade de controles incidentes no presente, com potência e criatividade, inventam liberdades; ativam complexidades.

Sem etapismos e fechamentos insensatos, sem adiar movimentações libertárias possíveis na atualidade, sem condicionar potências à concretização de um quebra-cabeças futurístico, metodologicamente perseguido, congelador do presente na medida em que eterniza culturas repressivas, sempre adiando para um amanhã que não vem a oposição às prisões e castigos (enquanto tantas vidas se esvaem: tragadas, confiscadas, trituradas).

Os abolicionistas libertários movem-se no presente, no "agora"!, sem renderem-se à tal eternização típica da conservação de uma melancólica doutrina do sacrifício ao poder e obediência às autoridades, controles e dores infligidas.

Lutam enquanto respiram; cara suspiro é potente e único. 

Lutas que não se resumem ao senso comum democrático.

Desestabilizando "humanismos" e "progressismos".

Sem renderem-se às redes de poderes e discursos legitimantes das culturas repressivas e mundos sedimentados. 

"No final do século XVIII, o libertário William Godwin escreveu o principal libelo antiprisional moderno, identificando as procedências socioeconômicas dos principais habitantes das prisões, assim como o sofisticado circuito de reformas que promove o sistema penal. Para ele, a prisão era inaceitável por explicitar a continuidade entre ricos e pobres, os diferentes, os supostamente perigosos. Não via a prisão como lugar de educativa reflexão crítica do indivíduo diante de um suposto delito juridicamente julgado [...] Desde La Boétie e Godwin, sabe-se da vida de uma sociedade sem soberanos e sem penas, já existente no interior da sociedade autoritária em que vivemos, e à qual a prisão não educou, corrigiu, integrou. O anarquismo e o abolicionismo são práticas adversárias de uma sociedade autoritária, pautada pelo exercício da soberania centralizada e hierarquizada. Investem numa sociabilidade libertária que suprime verticalizações [...]" (PASSETTI, 2003, p. 223-224). 

Resistências-movimento, os libertários representam singularidades anárquicas não capturáveis, não circunscritas nos lindes do possível imposto, pensadores que atravessam fronteiras ditas intransponíveis, dissipando controles, capturas e hierarquias, destronando autoridades, ruindo culturas repressivas, sem coroar a crença no falso dever-ser, distinto do programacional, ainda perseguido pelas oposições de esquerda.

A anarquia e a abolição das prisões navegam juntas, dilacerando as ficções, universalidades e artificialidades dos discursos legitimantes do poder, a exemplo da brutalizante e colonizadora linguagem-crime (com o conteúdo que lhe circunda e orbita); linguagem atrelada à dinâmica demarcadora de mundos do poder punitivo, envolta em tautologias rasteiras e premissas fajutas responsáveis por uma série de confiscos e sequestros, para muito além do denominado "sequestro do conflito".

Navegam sem obediência aos mapas do poder e cartografias da violência, sem códigos (d)e receitas de apego sistêmico, com potencial inventivo que transcende o sedimentado mundo observável, vendido como única realidade possível, entre combos de falsas imprescindibilidades, a exemplo do sistema penal.

Sorrimos. Sem temer a ruína. 

 

REFERÊNCIAS: 

PASSETTI, Edson. Anarquismos e sociedade de controle. São Paulo: Cortez, 2003. 

 

[1] PIRES, Guilherme Moreira. Prefácio Libertário. In: CORDEIRO, Patrícia; PIRES, Guilherme Moreira. Abolicionismos e Cultura Libertária: inflexões e reflexões sobre Estado, democracia, linguagem, delito, ideologia e poder. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Fim de tarde no Paraná // Foto de: Patrícia Cordeiro // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/141536559@N05/38810033701

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura