ABDPRO #79 - E A SUSPENSÃO NACIONAL DE PROCESSOS “BUGOU” COM A RECLAMAÇÃO?  

10/04/2019

 

 Coluna ABDPRO

O questionamento se faz necessário, sobretudo, a partir do entendimento firmado em mais de uma dezena de decisões prolatadas pelo Min. Luiz Fux que, apreciando reclamações, julgou-as parcialmente procedente para tão somente suspender os trâmites dos processos na origem nos quais os atos reclamados foram proferidos, até que sobrevenha decisão do STF em ADI e em temas de repercussão geral reconhecidos sobre determinada questão.

Concretamente a discussão que se instalou, tanto na ADI nº 4.822/PE quanto nos temas nºs 966 e 976 “pinçados” à categoria de representativos de controvérsia em sede de repercussão geral conhecidas (RE-RG nº 1.059.466/AL e RE-RG nº 968.646/SC), diz respeito a possibilidade ou não de “equiparação entre as vantagens recebidas por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário”.

Sua Excelência, Min. Luiz Fux, ao fundamento de que nos autos dos recursos paradigmas em que fora determinado pelo relator – Min. Alexandre de Moraes – com base no art. 1.035, § 5º, do CPC “a suspensão do processamento de todas as demandas pendentes que tratem da questão em tramitação no território nacional”, deixou de “cassar” a decisão reclamada violadora do comando emergente da Súmula Vinculante nº 37 do STF[1], segundo a qual não caberia ao “Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia”, cingindo-se, como dito, apenas em determinar o sobrestamento do processo na origem, permitindo com isso que a decisão ali proferida continuasse a produzir efeitos – percepção de benefício remuneratório por membro de uma carreira em razão de suposta isonomia/simetria com outra, mesmo que a sua eficácia negue aplicabilidade à SV nº 37 do Tribunal.

O fato de existir a suspensão nacional de processos, por conta de temas de repercussão geral ou mesmo de ação de controle abstrato de constitucionalidade pendentes de julgamento pelo STF, desautorizaria, ou melhor, poderia retirar a necessidade imperativa da cassação de decisões judiciais proferidas em desconformidade com Súmula Vinculante?

Penso que a resposta, para usar uma expressão adverbial famosa do Min. Marco Aurélio, seja “desenganadamente negativa”.

A determinação da suspensão nacional de processos nos órgãos jurisdicionais de origem até que se ultime o julgamento de teses em sede de repercussão geral ou ações de controle concentrado não tem o condão de, havendo a demonstração por parte do reclamante da aderência estrita entre o ato reclamado (decisão judicial proferida em desacordo com o parâmetro normativo fixado em Súmula Vinculante), impedir sua cassação e determinar, na hipótese, que outro seja prolatado em seu lugar, com a observância da SV nº 37 e até mesmo  determinar a suspensão do ato contrário ao enunciado sumular, bem como o sobrestamento do feito na origem até que sobrevenha decisão do STF, quer na ADI 4.822/PE, quer nos temas nºs 966 e 976 de repercussão geral, circunstância na qual o órgão julgador de origem deverá proceder a novo julgamento da causa.

Parece-nos que a aplicação dos art. 103-A, §§ 1º e 3º[2] c.c art. 988, III, do CPC[3] não autorizam outra interpretação, sob pena de tornar a reclamação um instituto inócuo, inútil e, sobretudo, dispensável, tanto que as decisões monocráticas dos Ministros que compõem ambas as turmas STF[4] vêm no sentido de que o ato reclamado deve ser sustado/cassado (e os processos na origem suspensos) e os efeitos por ele impingidos ineficazes até que advenha solução do STF na mencionada ADI ou nos respectivos temas de repercussão geral.

Ora, uma coisa precisa ficar muito clara: a reclamação não pode ter por fim exclusivo o mero sobrestamento dos processos, uma vez que tal efeito já é ínsito à determinação contida no instituto previsto no art. 1.035, § 5º, do CPC; portanto, com a reclamação, objetiva-se nulificar o ato decisional, na hipótese em comento, contrário à Súmula Vinculante, sobrestando-se ou não, o processo na origem.

Assim, a existência de demandas em sede de ADI e de controle difuso, a respeito da controvérsia acerca da isonomia/simetria remuneratória entre os membros das carreiras da magistratura e do ministério público, não pode ter o condão de esvaziar ou desvirtuar o instituto da reclamação manejada contra decisões que, por diversos aspectos, violam frontalmente Súmula Vinculante do STF.

A propósito, o STF analisando essa imbricação assentou, corretamente, na Rcl 26.074[5](i) malgrado se afirmar a eficácia da SV nº 37 – no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, deferir a servidor público parcelas remuneratórias instituídas para categorias distintas da sua – e, nesse contexto, impedir-se o pagamento determinado pela decisão reclamada, e, (ii) também ressaltar a competência do Plenário do Tribunal para julgar temática específica referente (a) ao limite da atuação normativa do CNJ (art. 103-B da CF), na edição da Resolução nº 133/2011 (ADI nº 4.822/PE) e (b) a alegada simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público (art. 129, § 4º, da CF), pois submetida a matéria constitucional à sistemática da repercussão geral (Temas 966 e 976), para concluir que a “tutela jurisdicional na RCL deve ser eficaz no sentido de se obstar o pagamento a magistrado de vantagem pecuniária instituída pelo Poder Legislativo à carreira do Ministério Público (SV nº 37), sem, contudo, esvaziar a competência do Plenário para decidir – seja na ADI nº 4.822/PE, seja nos RE nºs 1.059.466/AL e 968.646/SC – a matéria constitucional específica debatida no caso concreto”.

Não se constata qualquer incompatibilidade entre a determinação da suspensão nacional de processos e a necessidade de provimento obstativo/anulatório de decisões judiciais prolatadas em desconformidade com Súmula Vinculante do STF; ao revés disso, exatamente em razão da existência de paradigmas alçados à condição de repercussão geral que legitimou a determinação da suspensão nacional dos processos que versam sobre idêntica temática, bem como a pendência do julgamento da ADI nº 4.822/PE, é que se revela imprescindível a necessidade de que seja expressamente determinada a suspensão/cassação dos efeitos dos atos reclamados, sustando-se o curso dos processos na origem, até que advenha a solução a ser conferida pelo STF no que atine à controvérsia de mérito.

Portanto, as múltiplas decisões monocráticas proferidos pelo Min. Luiz Fux – por ironia do destino um dos pais do Novo CPC[6], em franco descompasso com o que determinam tanto o Texto Constitucional quanto o CPC e com as inúmeras decisões proferidas em casos idênticos pelos demais Ministros que compõem as turmas do Tribunal, data maxima venia, deverão ser ajustadas sob pena de (i) diversos recursos  –  confessadamente desnecessários – serem arremessados ao Min. Fux e à sua Colenda Turma, nos quais já se sabe de antemão os resultados dos acórdãos; (ii) negar vigência à coerência e integridade, hoje alçadas à condição de obrigação de todos os Tribunais que compõem o Poder Judiciário e, finalmente, (iii)  lançar um típico easy case que foi tornado, por aspectos de subjetividade pseudo-epistêmica, em um hard case e, para o nosso sistema de garantias (notadamente, a estrita legalidade), um verdadeiro tragic case[7].

Em uma palavra final: a permanecer o entendimento do Min. Luiz Fux, a suspensão nacional de processos, de fato, “bugou” com a reclamação.

 

 

Notas e Referências

[1] Súmula Vinculante oriunda da conversão da Súmula persuasiva 339 do STF, publicada no DJE de 24.10.2014.

[2] Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 

  • 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. 

(...)

  • 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

[3] Art. 988.  Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

(...)

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;     

[4] Entre multifárias decisões, citam-se, exemplificativamente: Rcl 32.613, Rel. Min. Celso de Mello, DJE nº 59, divulgado em 25/03/2019; Rcl 28.196[4], Rel. Min. Rosa Weber, DJE nº 19, divulgado em 31/01/2019; Rcl 32.890, Rel. Min. Gilmar Mendes,  DJE nº 61, divulgado em 27/03/2019; Rcl 27318, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJE nº 45, divulgado em 06/03/2019; Rcl 32.708-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJE nº 272, divulgado em 18/12/2018.

[5] A exemplo do acórdão da Segunda Turma: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MAGISTRADOS. CONCESSÃO DE VANTAGENS COM FUNDAMENTO NA ISONOMIA COM OS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE Nº 37. PENDÊNCIA DA ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 133 DO CNJ NA ADI 4.822. MATÉRIA SOB REPERCUSSÃO GERAL. TEMAS 966 E 976. SUSPENSÃO DO ATO RECLAMADO E SOBRESTAMENTO DO JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A controvérsia acerca da constitucionalidade da Resolução nº 133 do CNJ, que dispõe sobre a concessão de equiparação de vantagens funcionais a magistrados com fundamento na simetria constitucional com os membros do Ministério Público, é objeto de questionamento por meio da ADI 4.822/PE, de relatoria do Min. Marco Aurélio e dos REs 1059466 (Tema 966) e 968646 (Tema 976), ambos da relatoria do Min. Alexandre de Moraes. 2. Em decorrência da verticalização das decisões do Plenário, impõe-se a suspensão do ato reclamado e o sobrestamento do julgamento da presente reclamação até a definição do mérito da matéria. 3. Agravo regimental provido para suspender o ato reclamado e determinar o sobrestamento dos autos. (Rcl 26924 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 07-06-2018 PUBLIC 08-06-2018).

[6] O STJ em muitos julgados ao se referir ao Código de Processo Civil de 2015, o faz assim: “Código Fux de Processo Civil”, da mesma forma alguns doutrinadores, a exemplo de Jose Roberto de Mello Porto em recente artigo (<https://www.conjur.com.br/2019-mar-27/jose-porto-cpc-exige-siga-jurisprudencia-precedentes>). Acesso 04.04.2019.

[7] Feliz expressão de Lenio Streck: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-04/senso-incomum-presuncao-ainda-estivesse-certo-barroso-estaria-errado>. Acesso: 04.04.2019.

 

 

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