A inconstitucionalidade formal da extinção da Justiça do Trabalho

08/11/2019

O deputado federal Paulo Eduardo Martins, do PSC-PR, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição que visa, em linhas gerais, a extinção da Justiça do Trabalho. No corpo da PEC, percebe-se a intenção de unificar a referida Justiça especializada com a Justiça Federal, com a expressa extinção dos órgãos trabalhistas, como o próprio Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais Regionais do Trabalho (art. 4º e 5º, da PEC).

Mas carece de constitucionalidade uma emenda constitucional tendente a alterar a organização do Poder Judiciário se proposta por qualquer outro poder que não seja o próprio Judiciário.

Como já bem assentado em nota pública da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), é flagrante a inconstitucionalidade da referida proposta de emenda, proveniente do Poder Legislativo. Senão, vejamos.

A Constituição Federal, em sintonia com o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF), teve a cautela de atribuir a competência privativa ao Poder Judiciário para propor quaisquer eventuais alterações internas de seus órgãos. Nesse sentido, ressalte-se o art. 96, inciso II, da Carta Magna de 1988:

Art. 96. Compete privativamente:

(...)

II – Ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169:

(...)

c) A criação ou extinção dos tribunais inferiores;

d) A alteração da organização e da divisão judiciárias.

O texto constitucional não deixa dúvidas: Eventual proposta de alteração da organização e da divisão judiciária devem partir dos órgãos integrantes do Poder Judiciário, privativamente.

Eis a evidente inconstitucionalidade formal da PEC em questão, haja vista a existência de vício de iniciativa.

O Supremo Tribunal Federal possui precedentes que apontam para a inconstitucionalidade de intervenções de outros poderes na organização judiciária.

Nessa esteira:

“A CF reservou aos tribunais de justiça a iniciativa legislativa relacionada à auto-organização da magistratura, não restando ao constituinte ou ao legislador estadual senão reproduzir os respectivos textos na Carta estadual, sem qualquer margem para obviar a exigência da Carta Federal”. (ADI 2.011 MC, rel. min. Ilmar Galvão, j. 30-6-1999, P, DJ de 4-4-2003).

“É inválida a inclusão de norma com conteúdo próprio à disciplina dos regimentos internos dos tribunais, por emenda parlamentar, ao projeto de lei apresentado pelo tribunal de justiça com o propósito de dispor sobre a organização judiciária do Estado, uma vez que violada a reserva de iniciativa disposta no art. 96, II, d, da CF, prevalecendo a previsão do Regimento Interno que comete aos órgãos fracionários do tribunal (câmaras criminais) a competência para julgamento dos prefeitos”. (ADI 3.915, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 20-6-2018, P, DJE de 28-6-2018.)

Além disso, mesmo que proposta pelo tribunal superior competente – ou pelo próprio Supremo – a extinção da Justiça do Trabalho como idealizada por muitos – utilizando a unificação com a Justiça Federal como uma espécie de escudo para a verdadeira intenção de acabar com a justiça especializada – poderia também esbarrar no art. 60, §4º, da Constituição (cláusulas pétreas), que impede a mera deliberação de uma proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais.

Assim, mesmo que de forma reflexa ou oblíqua, a extinção da Justiça do Trabalho afetaria os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais expostos no art. 7º, da Constituição, os quais são reconhecidamente, inclusive pelo STF (V. ADI 1675-1, Relator Min. Sepúlveda Pertence), direitos e garantias individuais, portanto, não passíveis de emendas tendentes a aboli-los. Nesse sentido, segundo a ANAMATRA: “A existência da Justiça do Trabalho foi concebida pela Constituição da República para conferir efetividade aos direitos e garantias sociais fundamentais, compondo o modelo republicano de acesso à plena cidadania”.

Ante todo o exposto, a par das já sabidas inverdades ditas a respeito da Justiça do Trabalho, bem como de ser ela a justiça mais eficiente do país segundo dados recentes do CNJ, há patente óbice – formal e material - ao trâmite da referida proposta de emenda à constituição, assim como de outras semelhantes que venham a ser idealizadas.

Por fim, cabe salientar a possibilidade de qualquer parlamentar, com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de emenda constitucional incompatível com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo, impetrar mandado de segurança perante o STF para fazer cessar eventuais futuras deliberações acerca da extinção da Justiça do Trabalho.

Em hipótese de aprovação da PEC, a única opção viável seria a proposição de ADI junto ao Pretório Excelso, com o fito de declarar a inconstitucionalidade da emenda proveniente do Poder Constituinte Derivado. 

 

Notas e Referências

Nota pública da ANAMATRA: https://www.anamatra.org.br/imprensa/noticias/28865-proposta-de-extincao-da-justica-do-trabalho-e-inconstitucional-afronta-a-cidadania-e-os-direitos-sociais-denuncia-anamatra

 

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