You may say I'm a dreamer, but I'm not the only one: Não estamos sós no Direito & Rock!

26/05/2015

Por Germano Schwartz - 26/05/2015

As conexões entre Direito e Rock são várias e vêm sendo abordadas pela presente coluna todas as terças-feiras. Religiosamente. Tais conexões, em síntese, preocupam-se em saber de que maneira rock e Direito desenvolvem um relação comunicacional que influencia – e modifica – ambos os subsistemas sociais. Um exemplo dessa vertente seria o estudo do uso da interpretação musical na hermenêutica constitucional elaborado por Marisi (2011).

Como afirma Luhmann (2000, p. 228), a arte estabelece relações com o mundo e dele copia recursos que lhe proporciona a necessária abertura para a mudança. Nessa linha, não se constitui surpresa a compreensão de que o rock, como qualquer modo de arte, e o Direito estabelecem conexões. Em certos momentos, isso ocorrerá de modo mais intenso e outro, de uma maneira mais fraca, a depender da capacidade do sistema da arte em temporalizar de modo mais ou menos acelerada o seu ambiente.

Tal observação não é despropositada. Olteteanu (2011, p. 257) defende que a música possui uma ontologia social que perpassa o seu significado na modernidade, seus aspectos de linguagem e de ritmo, e, também, o uso social da música. A respeito desta última, o autor refere que a música é a candidata ideal para articular o que é essencial na linguagem, podendo afetar o terreno das ideias quando seu relacionamento com a ambiência está conectada a uma possibilidade de transformar o mundo de tal sorte que ele, o mundo, a ela responde e a ela reage.

E isso é bastante simples de se entender quando se compreende que nem sempre as palavras conseguem comunicar tudo aquilo que se pretende. É a ideia básica esposada por Warat (1995)  para dizer que todo consenso (Lei) é, em algum momento autoritário. Como a música consegue expressar aquilo que as palavras deixam de dizer, tem-se que ela, incluído o rock, é libertária e transformadora. A possibilidade de uma abordagem dos problemas do subsistema jurídico, por meio do subsistema da arte, já foi, no Brasil, estudada anteriormente. Nessa esteira, Mônica Sette Lopes [1] (2012, p. 104), defende que:

O uso da música para expor o direito constituiu um caminho infinito de possibilidades sem modelo obrigatório ou exauriente, como todos os outros que envolvem as relações dele com arte (literatura, cinema, pintura, teatro etc). Não se trata, porém, do intérprete a esmo. Mas do exercício de confronto entre os processos hermenêuticos com a aproximação de elementos metafórica ou literalmente expostos pela música. Pode-se ilustrar o conflito a partir da letra da canção. Pode-se fazer analogia a partir da música (como texto ou com som) ou da história do compositor ou do cantor-instrumentista. Pode-se fazer a conexão da música com uma lembrança ou uma história absolutamente pessoal. Pode-se explorar a relação entre a música e os vários auditórios historicamente situados.

Estudos de Direito no Rock não são raros. Nesse particular, por exemplo, Bagenstos (2005) fala a respeito de como o Direito é uma força negativa nas músicas de Bruce Springsteen, em especial em uma denominada “The Promise”. Para o autor, o boss deixa claro que o Direito não é uma fonte de esperança ou de inspiração nas vidas das pessoas. O Direito se configuraria, para Springsteen, em uma fonte de insensibilidade e de falta de calor humano, sendo, até mesmo, patético – irrelevante, no mínimo – para resolver os problemas pessoais dos seres humanos e da classe operária americana.

Na mesma linha, Bazemore (2000) estabelece interessante estudo procurando demonstrar como os princípios da Justiça Restaurativa – e seus porquês – estão contidos na comunicação musical do rock.  Traça, inclusive, um paralelo: aqueles que não abraçam a justiça restaurativa o fazem pelo mesmo motivo daqueles que não escutaram o rock de Elvis Presley, de Chuck Berry ou de Litlle Richard. A razão seria o puro desconhecimento e, em alguns casos, o preconceito.

A música, ainda, é bastante útil, a partir de uma visão interdisciplinar, para promover resolução não-violenta de conflitos justamente porque ela retorna ao ambiente, na maioria das vezes, em uma espécie de comunicação contrária à guerra, a favor dos direitos humanos e de caráter democrático (Grant, et al., 2010).

Ainda no contexto do direito no rock, Magnon (Magnon, 2011) faz uma análise das letras de Bob Dylan entre 1962 e 2001 para descobrir o sentido dado sobre a justiça pelo bardo americano. Um estudo com mesma semelhança é realizado, dessa feita por Szymczak (2011), para verificar como a anarquia e o niilismo estão presentes nas canções da new wave punk. Com o mesmo objetivo, Garcia (2011) procura abordar como o rock transparece os problemas dos direitos das mulheres na sociedade em que se insere.

Seguindo, Marcelo Mayora (2011) utiliza a criminologia cultural, tendo como pano de fundo, o rock, para analisar como se deu a transformação da percepção do uso de drogas – e as reações legislativas – a partir da década de 60. Moyses Pinto Neto (2011) traça uma linha do tempo do rock desde os anos 50 até os dias atuais, com especial ênfase nos Beatles e no Radiohead, a fim correlacioná-lo com temas políticos, tudo isso a partir de referenciais tais como Walter Benjamin, Guy Debord e Giorgio Agamben. Salo de Carvalho (2011), por seu turno, utiliza como recurso de interpretação o rock (movimento punk) para analisar os movimentos urbanos de ativismo, caracterizados pelas agências de controle social como subculturas criminais ou tribos.

Ufa! Paro por aqui. A coluna restaria infindável Fico feliz. Há outros estudantes Direito & Rock.

You may say I’m a dreamer, but I’m not the only one!

(John Lennon – Imagine)


Notas e Referências: 

[1] Monica Sette Lopes possui um programa apresentado desde Setembro de 2007 na rádio UFMG. Intitula-se Direito e Música. É retransmitido pela Rádio Justiça (radiojustica.jus.br).

Bagenstos, S. R. (2005). The Promise Was Broken: Law as a Negative Force in Bruce Springsteen's Music. Widener Law Journal, 14, 837-845.

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GermanoGermano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                


Imagem Ilustrativa do Post: DIREITO DÁ ROCK! - Homer Simpson Rock and Roll // Foto de: Autor desconhecido // Sem alterações Disponível em: http://geradormemes.com/meme/w9ogtj


 

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