TJDF: a responsabilidade tributária na importação de encomenda postal internacional é do comprador

27/04/2016

Por Charles M. Machado – 27/04/2016

Um mundo globalizado é sempre um território de oportunidades e desafios, afinal com as compras do mundo inteiro disponíveis por um click é possível adquirir produtos e serviços de qualquer parte do mundo. Logo surgem os primeiros desafios, não apenas logísticos, mais legais que é o objeto desse artigo.

O consumidor, para muitos tributos é equiparado a contribuinte, se não vejamos a alteração do artigo 155 da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional 33 de 11 de dezembro de 2001, ficando o texto da seguinte forma: "Art. 155. (...)

§ 2º(...)

IX - incidirá também:

"Sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço".

Ficando nesse instante o primeiro ponto discutível, a inovação do Legislador Constituinte com poder derivado, exige para esses casos a necessidade de Lei complementar?  Entendo que não, pois a previsão do art. 146. III, "a" da CF/88, que determina a necessidade de edição de lei complementar para definir o fato jurídico tributário, base de cálculo e os contribuintes que serão abrangidos pelo novo campo de incidência.

Dessa forma o referido dispositivo constitucional afasta de plano, a compreensão de auto-aplicabilidade da Emenda Constitucional n.º. 33/01, visto que a Constituição não cria Tributos, apenas divide Competência entre os entes Federativos. Por isso além da Lei Complementar é necessário ainda a Ordinária Estadual, para que cada ente Federativo possa cobrar o ICMS sobre a importação de bens destinados a não contribuintes, nos termos da EC 33/01.

Logo em sintonia ao texto constitucional, foi publicada a Lei Complementar n.º 114, que teve por escopo adequar a redação do inciso I do § 1º do art. 2º da Lei Complementar 87/96, com a seguinte redação:

"Art. 2°(...)

§ 1º O imposto incide também:

I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade".

Como dito, para que os Estados possam cobrar o imposto incidente sobre a importação de bens por não contribuintes, além da lei Complementar Nacional, é necessária a edição de Lei Ordinária Estadual, uma vez que, à Magna Carta não é dada a possibilidade de instituir tributos, mas sim de delegar a competência para sua instituição. E mais, em respeito ao princípio da anterioridade, o imposto só poderia ser exigido pelos Estados no exercício seguinte ao que fosse publicada a lei estadual.

Sobre essa matéria o Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou:

"A Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2001, alterou o art. 155, §2º, IX, "a" da Constituição Federal da Republica e admitiu a incidência de ICMS na importação promovida por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.

Nos termos do art. 146, III, "a", da Constituição Federal cabe à lei complementar definir o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes dos impostos.

A definição, na espécie, deu-se pela Lei Complementar 114, de 16 de dezembro de 2002.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a legislação somente foi adaptada em 06 de agosto de 2003, por meio da Lei Estadual n. 14.699 (f. 82/83-TJ).

Portanto, no caso, quando da ocorrência do fato gerador, em 20 de novembro de 2002 (f. 55/58-TJ) não havia norma regulamentadora dispondo sobre a incidência do ICMS na operação que ensejou a autuação fiscal impugnada"(TJMG. Rel. Rômulo Moreira Torres. 4ª., Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.05.579966-2/001. Publ. 04.10.2005).

Com o objetivo de pacificar a discussão da matéria, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 660.

Na sessão de julgamento do plenário do STF realizada em 26/11/2003, o Ministro Sepúlveda Pertence sugeriu a alteração do Enunciado da Súmula nº 660, para que passasse a vigorar nos seguintes termos: "Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto."

Porém, o Tribunal resolveu rever o assunto e o Diário da Justiça da União (DJU) chegou a publicar uma retificação da aludida redação na edição de 5/8/2004, dando a impressão de que a ressalva temporal havia sido aprovada pela Corte Suprema. No entanto, no Informativo do STF nº 422, de 3 a 7 de abril de 2006 (paginação interna de 12 de abril de 2006), foi publicado o seguinte informe, ipsis litteris: "Enunciado da Súmula 660 do STF: Republicação.

Informamos que, em razão de o Tribunal, na sessão plenária de 26.11.2003, ter recusado a proposta de alteração da Súmula 660, constante do Adendo nº 7, foi republicado o respectivo enunciado nos Diários da Justiça dos dias 28.3.2006, 29.3.2006 e 30.3.2006, com o teor aprovado na sessão plenária de 24.9.2003: "Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto". Fica, portanto, substituída, nesses termos, a notícia veiculada pelo Informativo 331 quanto ao referido verbete."

Ao analisar os dois precedentes que motivaram o enunciado (RE nº 203.075-9/DF e RE nº 185.789-7/SP), os Ministros do STF destacaram e repetiram a importância de o importador ser contribuinte do ICMS para permitir a sua incidência.

Em outras palavras, a incidência do ICMS na importação está condicionada, entre outras razões, à necessidade de se observar a condição mercantilista do importador, de modo a possibilitar que o princípio da não-cumulatividade seja efetivado.

Em que pese esse entendimento, sobre a legalidade da do ICMS na importação por não contribuinte, Juiz do 1º Juizado Especial Cível de Brasília julgou improcedente a condenação pretendida pela autora da ação contra a transportadora Ups do Brasil Remessas Expressas LTDA em razão de cobrança de tributos aduaneiros, em ação civil, pretendendo passar o valor da cobrança para o transportador.

A autora da ação, que é o adquirente final da mercadoria, narrou no processo que adquiriu, por meio da internet, mercadoria de vendedor situado na Índia. Afirmando que a entrega do produto foi condicionada ao pagamento de uma quantia pela transportadora. Desta forma pretendeu por meio da ação, a declarar de inexistência de dívida, bem como a condenação da transportadora na obrigação de não inscrever seu nome em cadastros de inadimplência e, por fim, que a empresa pague indenização pelos danos morais alegadamente suportados. De acordo com o juiz, os valores lançados em documento, referem-se à cobrança de tributos e tarifa, devidos em razão da importação de mercadoria, bem como pesquisa do CPF do importador, em razão da ausência da indicação na fatura apresentada pelo remetente. Para ele, é de conhecimento público e notório a exigência de pagamento de tributos em razão de encomenda postal internacional. Segundo o magistrado, a transportadora atuou na qualidade de responsável tributária, efetivando o pagamento dos tributos em razão da importação, para fins de desembaraço aduaneiro. Esclarece que o destinatário de remessa tributada é o verdadeiro contribuinte dos tributos, razão pela qual é incabível a pretensão da autora em ver declarada a inexistência de dívida, atinente ao adiantamento do recolhimento dos tributos pela transportadora. Por fim, no que se refere ao valor cobrado em razão de pesquisa do CPF do destinatário, o juiz entende que inexiste nexo de causalidade entre o dano alegadamente suportado e a conduta da ré, uma vez que a postagem com insuficiência de dados do destinatário se deu por ato de terceiro, vendedor da mercadoria e quem efetivamente postou o produto. Dessa forma, inexiste no presente caso qualquer dano, seja de ordem material, seja moral, a justificar a condenação pretendida pela autora. DJe: 0701994-46.2016.8.07.0016.

A sentença, não discute a legalidade da exação tributária, apenas a responsabilidade da exigência fiscal, e logo conclui que o transportador atua apenas como responsável tributário.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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