Terceirização e cargos comissionados, Estados e Municípios fazem a reforma pelo avesso

29/03/2017

Por Charles M. Machado – 29/03/2017

Aprovado no último dia 23, o Projeto de lei que amplia a terceirização dos serviços, pode criar uma verdadeira reforma administrativa, nos entes da Administração Pública Direta e Indireta, afinal em tempos de crise muito se discute sobre o tamanho, e peso do Estado brasileiro, e logo muitas das suas características reabrem novas e maiores discussões, que por caminhos inversos podem atingir mudanças que muitos pretendiam, ainda que de forma torta.

O texto aprovado define trabalhador temporário dessa forma:

“Art. 2º Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

§ 1º É proibida a contratação de trabalho temporário para a substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei. “

O presente artigo pretende discutir o PL aprovado e em vias de ser sancionado, sob a ótica do serviço público e suas novas relações, não sendo aqui o espaço para discussão das questões trabalhistas, visto não ser essa a área de atuação desse escriba.

Logo a Administração pública sempre que realizar a contratação de trabalhadores temporários, o fara através de empresa regulada pelo Ministério do Trabalho, com o objeto específico de empresa de contratação de mão de obra temporária, e jamais por contratação direta com a pessoa física.

A mão de obra de empresa terceirizada, jamais pode ser feita para substituição de trabalhador em greve, seja ele servidor ou não, porém é evidente que abre espaço para efetivo complementar, visto que essa é uma área com amplas interpretações.

A empresa de trabalho temporário, também está definida no PL:

“Art. 4º Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente.”

Nessa definição abre um espaço para a compreensão se o texto ao falar de empresa estaria criando uma vedação a administração direta, abrindo espaço apenas para a Administração Pública Indireta, entendo que não, que pode sim ser estendido para os Entes Públicos Primários.

Vejamos a definição da empresa tomadora de serviços, prevista na lei como ela é ampla e permite a extensão da interpretação, como propósito normativo:

“Art. 5º Empresa tomadora de serviços é a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário com a empresa definida no art. 4º desta Lei.”

A Lei deixa claro também qual a relação existente entre tomador e contratado, em seu texto quando prescreve:

“Art. 10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário.”

O texto, identifica o prazo, o que evidentemente implica em redução dos custos para quem contrata, vejamos o caso de uma empresa pública de limpeza e coleta de resíduos, que identifica o aumento do serviço durante a temporada turística, ou a necessidade de aumentar o seu contingente durante o verão para o serviço de limpeza das vias públicas pelo crescimento da vegetação, são todas possibilidades de contratação.

Logo isso implica em melhoria do serviço público, visto que o processo de concurso público é sempre mais oneroso, seja pela morosidade ou pelos valores e direitos desse servidor.

A Lei regulamenta o prazo da contratação dos serviços também, bem como eventual prorrogação:

“§ 1º O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não. “

“§ 2º O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no § 1º deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram. “

A necessidade de reequilíbrio financeiro, um concurso público que esteja interrompido por ordem judicial, podem provocar lacunas na prestação de serviço, e esses são casos típicos para esses contratos.

Existe ainda a proibição de transformar a contratação temporária em permanente, o que não se resolve dessa forma visto que o rodízio poderia ser burla a essa Lei.

“§ 5º O trabalhador temporário que cumprir o período estipulado nos §§ 1º e 2º deste artigo somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços em novo contrato temporário, após noventa dias do término do contrato anterior.

§ 6º A contratação anterior ao prazo previsto no § 5º deste artigo caracteriza vínculo empregatício com a tomadora.”

Se o que se contrata é a função, a empresa pode simplesmente trocar o trabalhador de local de trabalho, o que é um risco ao propósito da lei.

Importante destacar quais seriam os direitos do trabalhador temporário nessa relação:

“Art. 12. São assegurados ao trabalhador temporário, durante o período em que estiver à disposição da empresa tomadora de serviços, os seguintes direitos, a serem cumpridos pela empresa de trabalho temporário:

.....

I - salário equivalente ao percebido pelos empregados que trabalham na mesma função ou cargo da tomadora;

II - jornada de trabalho equivalente à dos empregados que trabalham na mesma função ou cargo da tomadora;

III - proteção previdenciária e contra acidentes do trabalho a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

§ 1º (Revogado).

§ 2º (Revogado).

§ 3º O contrato de trabalho poderá prever, para os empregados temporários contratados por até trinta dias, sistema de pagamento direto das parcelas relativas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), das férias proporcionais e do décimo terceiro salário proporcional.”

Esse faz com que a redução do custo se de nos encargos indiretos, visto que os valores da remuneração devem ser os mesmos, por exemplo ao substituir um motorista da Administração Pública Indireta o salário seria o mesmo, porém sem as vantagens outras que não as previstas nesse diploma. O que já é bastante significativo. O valor de referência sempre será tomado o do salário(vencimento) inicial, sem as vantagens pessoais do plano de cargos e salários, só isso já representa uma economia bastante significativa.

A contratação temporária, tende a reduzir um outro problema, o exagero na criação de cargos comissionados, que acabaram virando um grande cabide de empregos desvirtuando o propósito.

É evidente a importância desse tema, afinal o peso dos cargos comissionados no Brasil, é um dos assuntos que jamais saem de pauta, principalmente quando são traçados comparativos com outros países, vejamos alguns exemplos:

1) Os EUA, que tem uma população de 300 milhões de habitantes, há 7.000 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;

2) Nosso vizinho Chile, que tem 17 milhões de habitantes, há 800 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;

3) Na Inglaterra, que tem uma população de 50 milhões de habitantes, há 500 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público;

4) Na França e Alemanha, que têm 65 milhões e 81 milhões de habitantes respectivamente, há apenas 300 cargos em comissão ocupados por particulares sem concurso público.

No Brasil, onde temos cerca de 200 milhões de habitantes, há 600 mil cargos em comissão ocupados por particulares sem qualquer tipo de concurso público, nos três entes Federativos (união, Estado e Municípios), considerando dentro deste número os três poderes (executivo, Legislativo e Judiciário).

Para os servidores efetivos a regra é sempre o concurso público, art. 37, II, CF, e logo os cargos em comissão, devem preferencialmente ser transitórios.

O que assistimos, nos três entes é uma burla desse Princípio, com o aumento assustador dos cargos comissionados. Se tomarmos a prefeitura de Florianópolis, no ano de 2003, o número de cargos comissionados era de cerca de 86 cargos, com a conversão das maioria dos postos de função gratificada, convertidos em cargos comissionados esse número passou para cerca de 630, até a última contagem.

É de se destacar que a Emenda 19/98 tentou corrigir essa perversão do sistema, ao alterar o inc. V, art. 37, CF, porém o resultado foi infrutífero, ainda que a mesma determinasse que um percentual mínimo dos cargos em comissão fossem ocupados por servidores concursados, mas poucos Estados e Municípios, e também a União, legislaram para dizer qual seria este percentual mínimo.

Por certo, em verdade, o que ocorre no Brasil, em muitas vezes é uma prática imoral, realmente contrária ao princípio da moralidade, este insculpido no art. 37, caput, CF, de se lotear cargos públicos que deveriam ser ocupados apenas por servidores públicos concursados, um desestímulo à muitos servidores de carreira.

A origem dos cargos comissionados remonta ao Brasil-Colônia, cujo sistema de Capitanias Hereditárias permitiu que os portugueses proprietários de terras, conhecidos como donatários, tivessem poderes – estes conferidos pela Coroa Portuguesa – para nomear pessoas de seu interesse a fim de exercer funções públicas no Brasil, com o fracasso das mesmas, as nomeações começaram, sendo que os titulares do poder nas Capitânias nomeavam, ao seu livre arbítrio, indivíduos que deveriam exercer funções públicas.

Mesmo após a proclamação da República, a Constituição Republicana de 1891 continuava prevendo a possibilidade de livre nomeação para cargos públicos, mas agora com duas diferenças: eles deveriam estar previstos em lei e cada Poder nomearia os seus próprios funcionários.

Ocorre, que a necessidade de concurso público e as garantias do cargo foram previstas pela primeira vez na Constituição de 1934 e se estenderam até hoje, com exceção do período ditatorial que, apesar de ainda prever a necessidade de concurso público para o acesso aos cargos no governo, extirpou da sociedade todo e qualquer tipo de garantia ou direito fundamental.

Porém, a troca de favores, configurada como uma afronta ao princípio constitucional da moralidade administrativa e caracterizada como sendo um desvio de poder – tendo em vista que não visa o atingimento do interesse público – não é nova em nossa política. Tal prática sempre esteve presente em nossa história, desde os tempos do Império até hoje.

Nesse momento, os governos estaduais e as prefeituras, já respondem por cerca de 40% do gasto público total, lembrando que nos anos 80, o déficit das contas de Estados e Municípios representavam apenas 25% do total do déficit consolidado.

O mais fantástico é que é que entre 2008 e 2015, os gastos com pessoal e encargos dos Estados e Municípios saltou de 3,7% para 5,2% do PIB, ou seja um aumento real de 40,5%, e do outro lado da conta o investimento caiu de 0,8% para 0,5% ou seja de tudo que se arrecada por esses entes apenas 0,5% vai para investimento.

Ou seja o Serviço Público caminha na contramão das necessidades da sociedade, numa velocidade avassaladora, pois sem uma intervenção urgente nessa direção, os homens público, pouco ou quase nada terão para inaugurar, sendo que o fim do Serviço acaba por se encerrar no servidor.

Os cargos comissionados caminham à passos largos para sua efetiva redução, como medida de sobrevivência, sendo que os mesmos devem ser transformados em funções gratificadas não incorporáveis.

Reduzir a máquina e recuperar a capacidade de investimento será a chave para os homens públicos com projeto de Estado, ainda que estes estejam em falta.

As parcerias, independentemente do modelo adotado, seja PPPs ou concessões, devem ganhar velocidade, em resposta ao movimento paquidérmico Estatal, que muito cobra do cidadão e pouco lhe devolve.

Não será o fim dos cargos comissionado, afinal eles por certo são necessários para muitas funções, mas é necessário que sua dimensão seja sopesada diante da nova realidade financeira, evitando que de contribuintes viremos vassalos de um Estado insensível as demandas sociais e econômicas.

Curioso, é que o PL da terceirização, e que deve ser convertido em lei nos próximos dias, vai acabar por reduzir em um curto tempo o custo da máquina, seja por melhor adequação do fluxo de quadros, ao que deveria ser feito pelas próprias administrações, que no entanto por interesses nada republicanos acabaram por não fazê-lo.

Tem muito por ser discutido e aperfeiçoado, mas a pergunta que todo cidadão faz é o que ele recebe do Estado que tanto lhe cobra?


Charles M. MachadoCharles M. Machado é Professor nos Cursos de Extensão da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, em Direito das Marcas e Direito do Intangível, é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha, Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também já foi  palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@charlesmachado.adv.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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