TEORIA MAIOR E MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: AVALIAÇÕES JURISPRUDENCIAIS

04/06/2018

Tal presunção da teoria maior, regulamenta que exige-se o requisitos específicos para a desconsideração da personalidade jurídica, como, do abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Código Civil, on line, 2002)

Já a teoria menor basta que haja o inadimplemento para que o juiz possa determinar a desconsideração da personalidade jurídica e conseqüente acesso aos bens dos sócios. A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui como preceito desconsiderar a autonomia da sociedade nos episódios em que for configurado que seus sócios agiram com fraude ou abuso, ou ainda que houvesse confusão patrimonial entre os bens da pessoa física e os bens da pessoa jurídica. O supracitado artigo 50, do Código Civil aborda a teoria maior da desconsideração. Geralmente, quando se trata na doutrina ou na jurisprudência de “desconsideração da personalidade jurídica”, refere-se à teoria maior, por possuir ampla aplicabilidade.

Existe, nas pessoas jurídicas, o chamado pressuposto da licitude, que referindo-se à idéia de (AMARAL, 2016), tem-se que “enquanto o ato é imputável à sociedade, ele é lícito. Torna-se ilícito apenas quando se o imputa ao sócio, ou administrador”. O pressuposto da licitude serve para distinguir a desconsideração de outras hipóteses, não relacionadas com o uso fraudulento ou abusivo da pessoa jurídica, pelas quais os sócios ou administradores da sociedade podem ser responsabilizados. Abaixo exemplo do ilustre Cássio Scarpinella Bueno, para melhor distinguir a abordagem do parágrafo anterior:

A responsabilização, por exemplo, do administrador de instituição financeira sob intervenção por atos de má administração faz-se independentemente da suspensão da eficácia do ato constitutivo da sociedade. Ela independe, por assim dizer, da autonomia patrimonial da pessoa jurídica da instituição financeira. Tanto faz se a companhia bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador. É ele o direto responsável, porque administrou mal a sociedade; a obrigação é imputada a ele diretamente, sem o menor entrave, derivado da personalidade jurídica desta.  (BUENO, Cássio. p. 186. 2017)

A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações, a objetiva e a subjetiva. A primeira delas trata da confusão patrimonial, situação que possui maior facilidade de ser comprovada. Já a formulação subjetiva pressupõe a fraude e o abuso de direito, elementos estes com maior dificuldade de serem comprovados, pois a intenção que o sócio possui em frustrar os interesses do credor deve ser demonstrada. Para esta teoria, o simples inadimplemento de obrigações para com os credores não configura a desconsideração, a saber,

A teoria maior não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. (NEVES, Daniel. p.145. 2015)

A teoria maior também encontra-se corroborada no Código de Defesa do Consumidor Lei n° 8.078/1990, em seu artigo 28,

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (Código de Defesa do Consumidor, on line, 1990)

A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos ordenada do que a teoria maior, pois a seu bom emprego pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade a deixar de se obrigar perante terceiros.

Também é aplicada a teoria menor nos casos de insolvência ou falência da pessoa jurídica, pouco importando se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, tampouco se foi configurada a confusão patrimonial; a preocupação maior é não frustrar o credor da sociedade.

A questão da insolvência e da falência da pessoa jurídica gera muitas discussões, pois nem sempre a sociedade torna-se insolvente ou falida por motivos de má administração, e sim porque os negócios não fluíram ou por qualquer outro motivo que não configure a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. No caso de má administração, ou seja, mau uso do instituto, conforme o disposto no artigo 28, da Lei n° 8.078/1990, caberia a desconsideração, sendo acolhida então a teoria maior. Diante do exposto, abaixo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça,

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARROLAMENTO DE BENS - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - ARTIGO 50 DO CC DE 2002 - TEORIA MAIOR - REQUISITOS - AUSÊNCIA - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - RECURSO IMPROVIDO. Cuida-se de agravo de instrumento interposto por A S A contra decisão que negou seguimento a recurso especial (artigo 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal) em que se alega violação do artigo 50 do CC, além de dissídio jurisprudencial. Busca o recorrente a reforma da r. decisão, argumentando, em síntese, que "resta inconcusso, assim, que a sociedade em tela se confunde com o recorrido e é por ele utilizada como meio de mascarar o seu patrimônio pessoal", a autorizar, após a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, "a indispensável constrição dos bens [da pessoa jurídica] (...)". (STJ – Ag: 1277176, Ministro Massami Uyeda, Data de Publicação: DJ 06\10\2010)

Para esta conjetura, o ímpeto empresarial habitual às celeridades econômicas não pode ser tolerado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

Em apreciação a esta presunção, pode-se asseverar que seu aproveitamento aludiria em danos aos sócios ou administradores da pessoa jurídica, pois não leva em conta se houve ou não a intenção de fraudar credores, e sim a frustração do crédito do credor.

Existe em determinados julgados do ordenamento jurídico brasileiro, juízo de que se insolvente for a sociedade, possível é a desconsideração de sua personalidade jurídica para solver o débito perante o credor, qual seja:

A tese levantada pelo recorrente, de que se deve aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não encontra guarida, uma vez que não se verifica nos autos a ocorrência dos seus requisitos basilares, tais como, a caracterização de fraude, a demonstração de insolvência ou, ainda, a latente confusão patrimonial existente entre a pessoa jurídica e a pessoa física do ora apelante (OTÁVIO, Rodrigues. p. 215, 2016). 

Esta conjectura, não obstante de todo o conteúdo se emoldura no direito do consumidor, pois independentemente se houve dolo ou culpa do agente causador do dano, este deve ser reparado. Este entendimento encontra-se firmado, conforme o § 5° do artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor “ Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. O artigo 28 reverencia a teoria maior, e o § 5° relata a teoria menor. Este entendimento também é encontrado na Jurisprudência,

AGRAVO DE INSTRUMENTO - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA - DECISÃO SINGULAR QUE, A DESPEITO DE ADOTAR FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA, EFETIVAMENTE APRECIA TODOS OS PONTOS CONTROVERTIDOS - INEXISTÊNCIA DE NULIDADE - EXISTÊNCIA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE PENHORA - ENTENDIMENTO OBTIDO DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME - APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7/STJ - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE COMANDO NORMATIVO HÁBIL A INFIRMAR AS PREMISSAS DO V. ACÓRDÃO RECORRIDO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF, APLICÁVEL POR ANALOGIA - HIPOSSUFICIÊNCIA CARACTERIZADA - ARTIGO 28, § 5º, DO CDC - APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR - PRECEDENTE - RECURSO IMPROVIDO. Ainda quanto à aplicação do CDC ao caso sub examine , mas agora sob o enfoque da alegada ausência da hipossuficiência da parte agravada, extrai-se validamente as seguintes ponderações do v. acórdão recorrido: "Além disso, deve-se ter em mente que estamos diante de uma relação entre desiguais, a impor coercitivamente o império do diploma legal consumerista, de modo a restabelecer o equilíbrio e simetria nos pólos da demanda, observando-se, inclusive, a tamanha preocupação do legislador constituinte, que identificou o consumidor (art. 48 do ADCT) como agente a ser necessariamente protegido de forma especial". É dizer, portanto, que a hipossuficiência restou devidamente configurada nas Instâncias ordinárias e a transposição da tal conclusão pressupõe o revolvimento de fatos e provas, medida que não se compatibiliza com a estreita via do recurso especial. Por fim, remanesce apreciar o argumento no sentido de que o artigo 28, § 5º, do CDC pressupõe a comprovação de abuso da personalidade jurídica da sociedade empresária. (STJ – Ag: 1277176, Relator: Ministro Massami Uyeda, Data de Publicação: DJ 06\10\2010)

Desta forma, é notório que a desconsideração da personalidade jurídica possui ponderações divergentes, mas atualmente prevalece o entendimento majoritário da doutrina, mas sem nunca deixar de analisar as considerações minoritárias sobre o tema. A jurisprudência brasileira esta aberta a entendimentos que possuem fundamentação jurídica vigorante e visão de pontos que melhorem as relações processuais.

Notas e Referências

AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. 2a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. P. 205

 BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil3a ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 186

 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil. 2a ed. São Paulo: Método. 2015. P. 145

RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo. São Paulo: Malheiros, 2016. P. 214-215

 

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