Prisões Privadas norte - americanas ameaçam processar o Estado por falta de presos

06/09/2015

Por Anthony Thiesen - 06/09/2015

Nas últimas semanas diversos sites de notícias norte-americanos (em sua maioria, independentes) noticiaram mais uma das previsíveis e quase sempre negadas consequências do modelo privado de estabelecimentos prisionais. As empresas gestoras destas prisões agora ameaçam  processar os estados por não enviarem o número mínimo de presos acordado contratualmente. Constatando-se que aproximadamente dois terços dos presídios privados norte-americanos possuem esse tipo de cláusula[1], trata-se de questão relevante.

Em artigo publicado aqui no Empório (link)[2], trabalhei a questão da privatização dos presídios sob o aspecto dos objetivos declarados, e não cumpridos, e não declarados, cumpridos, pelo Estado e pelas grandes companhias. Na oportunidade, mencionei que há casos em que se determinam cotas mínimas de lotação. Desta forma, “o Estado repassa um valor “X” por preso e se obriga a manter “Y”% da capacidade do estabelecimento em troca do serviço”. A despeito do dever de compromisso com políticas de diminuição dos índices de criminalidade (criminalização), o Estado se compromete com o lucro da iniciativa privada, obrigando-se a continuar encarcerando. Caso contrário, é o dinheiro público quem paga pelas vagas não preenchidas e comprometidas contratualmente.

O que acontece hoje nos Estados Unidos é mais uma prova de que se trata de negócio não tão bom para o Estado. Mais que isso, além de ser o dinheiro público quem paga pelos “riscos do negócio”, percebe-se que há uma questão de repressão contra minorias envolvida.

“Enquanto as prisões privadas abrigam apenas 8% da população carcerária do país, essa porcentagem (população carcerária em estabelecimentos privados) vem crescendo e a população carcerária em instituições públicas está diminuindo. As duas maiores companhias de prisões privadas são Corrections Corp of America e The Geo Group. Juntas, elas são donas e operam 132 estabelecimentos em todo o território nacional e geram $3.3 bilhões anualmente.”[3]

Geralmente, prisões privadas aceitam apenas detentos mais novos e saudáveis, o que deixa os custos muito menores, além de tratar-se de mão de obra melhor.  “Prisioneiros mais velhos tendem a ser brancos, e os mais novos tendem a ser minorias, um fato constatado por um estudo recente baseado no “Bureau of Justice Statistics” publicado no jornal “Radical Criminology”[4] pelo doutorando da University of California-Berkeley Christopher Petrella.”[5]

Para manter o “fluxo” de envio, a melhor saída é tomar medidas com relação à imigração e, principalmente, à guerra as drogas, que abarcam delitos tradicionalmente mais cometidos por jovens negros e pardos. Nos anos 80, de intensificação dessa guerra, que já nasce perdida, a população carcerária norte-americana explodiu. Foram adotadas as chamadas mandatory minimum sentences” (sentenças mínimas obrigatórias), que vêm sendo cada vez mais objeto de discussão principalmente a partir da administração Obama, que, junto ao Congresso, tenta diminuir o impacto da guerra às drogas.

“Em 2010, o Congresso aprovou o “Fair Sentencing Act”, encerrando a grande disparidade entre sentenças de posse e venda de crack (usada e vendida mais por negros) versus cocaína em pó (usada e vendida mais por brancos). No último ano, quando o senador Rand Paul, R-Ky, co-patrocinou o “Justice Safety Valve Act para amenizar as sentenças obrigatórias, ele equiparou a guerra às drogas com as políticas racistas de Jim Crow.”[6]

Pesquisas apontam alguns dados interessantes que comprovam a seletividade do perfil de detentos que ocupam as prisões privadas. Há uma década, 25% dos imigrantes presos no país encontravam-se nessas instituições, número que aumentou para aproximadamente 50%. Além disso, a maioria são jovens e negros.

Artigo publicado pelo site Washington Post traz trecho do relatório do anual de 2014 da CCA, uma das maiores companhias especializada em prisões privadas dos Estados Unidos, apontando que o interesse da empresa é diametralmente oposto aos interesses da sociedade e, teoricamente, das políticas públicas que devem ser realizadas pelo Estado:

“A demanda por nossas instalações e serviços pode ser prejudicada pelo relaxamento de esforços pela aplicação da lei, excessiva tolerância em padrões de condenações, práticas de sentença ou para concessão de liberdade condicional, bem pela descriminalização de certas atividades que são atualmente tipificadas em nossas leis criminais. Por exemplo, qualquer mudança em relação às drogas e substâncias de uso controlado ou em relação à imigração ilegal pode afetar o número de pessoas presas, condenadas, e sentenciadas, desse modo potencialmente reduzindo a demanda por estabelecimentos prisionais para abriga-los. [...] Legislação foi proposta em várias jurisdições no sentido da possibilidade de diminuir a pena mínima para alguns crimes não violentos e tornar mais presos elegíveis para liberação antecipada baseada em bom comportamento.”[7]

O site “countercurrentnews.com” questiona se realmente houve abolição da escravatura nos Estados Unidos e afirma que aparentemente a liberdade é ruim para o negócio das prisões privadas.

“Pode ser surpresa para muitos americanos, mas a escravidão nunca foi realmente abolida nos Estados Unidos. Isso não é uma metáfora, é uma questão de leitura atenciosa à 13ª Emenda Constitucional. Essa emenda – geralmente louvada como abolição da escravatura – na realidade faz uma exceção para prisões. Escravidão ainda é completamente legal como “punição para o crime”.”[8]

A 13ª Emenda Constitucional dos Estados Unidos da América traz:

“Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.”[9]

Tal excepcionalidade vem da crença de que o trabalho é essencial à reabilitação moral dos prisioneiros, sobrepondo um político à própria liberdade. Considerando que existem mais negros por trás das grades hoje do que escravizados em qualquer outro tempo na história americana, notório o “jeitinho” para se manter a escravidão totalmente legal, vigente e rendendo lucros aos brancos. Perplexidade maior é o Estado e, portanto, a sociedade, ser cobrado por não manter o “fornecimento” dessa mão de obra escrava.

O “countercurrentnews.com” prevê que para evitar esses processos judiciais das companhias contra o Estado, os “terão que “dish out” sentenças máximas extremamente longas – não porque o réu tem direito a isso, mas porque o estado quer manter esses contratos para manter boa relação com a indústria.”[10]

Em tempo. Nós, brasileiros, devemos olhar de perto as consequências desse tipo de parceria estatal. Em tempos de crise política e de aumento da popularidade tucana vale lembrar que a privatização de presídios está na pauta deste grupo político. Aécio Neves, candidato presidencial do partido nas últimas eleições, implantou o modelo em seu governo mineiro na cidade de Ribeirão das Neves. Seu programa de governo, de tendência neoliberal, trouxe expressamente o modelo privado de prisão como medida para “melhorar a qualidade dos presídios”[11].

Pode parecer precoce, mas os reflexos da privatização prisional nos Estados Unidos aparecem como um sinal do que está por vir no Brasil.


Notas e Referências:

[1] Fonte: http://www.inthepublicinterest.org/article/criminal-how-lockup-quotas-and-low-crime-taxes-guarantee-profits-private-prison-corporations

[2] http://emporiododireito.com.br/o-workfare-state-e-a-ilogica-da-privatizacao-dos-estabelecimentos-prisionais-por-anthony-thiesen/

[3] Tradução livre. Original disponível em em: <http://www.usatoday.com/story/opinion/2014/03/18/private-prisons-holder-minorities-inmates-column/6580077/>

“While private prisons currently house only 8% of the U.S. inmate population, its numbers are rising and the public prison population is declining. The two largest private prison companies are Corrections Corp. of America and The Geo Group. Together,they own and operate 132 facilities nationwide that generate $3.3 billion annually.”

[4] Disponível em: <http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/44/html>

[5] Tradução livre. Original disponível em em: <http://www.usatoday.com/story/opinion/2014/03/18/private-prisons-holder-minorities-inmates-column/6580077/>

“Older prisoners tend to be white, and younger inmates tend to be minorities, a fact supported by a recent study based on Bureau of Justice Statistics published in the Radical Criminology journal by University of California-Berkeley doctoral candidate Christopher Petrella.”

[6] Tradução livre. Original disponível em: <http://www.usatoday.com/story/opinion/2014/03/18/private-prisons-holder-minorities-inmates-column/6580077/>

“In 2010, Congress passed the Fair Sentencing Act, closing the wide disparity between sentencing for possession and sale of crack (used and sold more by blacks) vs. powder cocaine (used and sold more by whites).Last year, when Sen. Rand Paul, R-Ky., co-sponsored the Justice Safety Valve Act to ease mandatory sentencing, he equated the war on drugs with racist Jim Crow policies.”

[7] Tradução livre. Original disponível em: https://www.washingtonpost.com/posteverything/wp/2015/04/28/how-for-profit-prisons-have-become-the-biggest-lobby-no-one-is-talking-about/

“The demand for our facilities and services could be adversely affected by the relaxation of enforcement efforts, leniency in conviction or parole standards and sentencing practices or through the decriminalization of certain activities that are currently proscribed by our criminal laws. For instance, any changes with respect to drugs and controlled substances or illegal immigration could affect the number of persons arrested, convicted, and sentenced, thereby potentially reducing demand for correctional facilities to house them. … Legislation has been proposed in numerous jurisdictions that could lower minimum sentences for some non-violent crimes and make more inmates eligible for early release based on good behavior.”

[8] Tradução livre. Original disponível em: <http://countercurrentnews.com/2015/06/private-prisons-threaten-to-sue-states-unless-they-get-more-inmates-for-free-labor/>

It comes as a surprise to many Americans, but slavery was never actually abolished in the United States. That’s not a metaphor, it’s a matter of careful reading of the 13th amendment to the Constitution. That amendment – often lauded for abolishing slavery – actually makes an exception for prisons. Slavery is still completely legal as “punishment for a crime.”

[9] Tradução livre. “Neither slavery nor involuntary servitude, except as a punishment for crime whereof the party shall have been duly convicted, shall exist within the United States, or any place subject to their jurisdiction.”

[10] Tradução livre. Original disponível em: <http://countercurrentnews.com/2015/06/private-prisons-threaten-to-sue-states-unless-they-get-more-inmates-for-free-labor/>

In order to avoid these lawsuits, judges will have to dish out extra-long maximum sentences – not because the defendant deserves it, but because the state wants to keep these contracts in good standing with the private prison industry.”

[11] Disponível em:

< http://campanha2014.aecioneves.com.br/propostas-seguranca-publica-sistema-prisional.html >

<http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/embate-de-ideias-compare-as-propostas-de-dilma-e-aecio>

http://www.huffingtonpost.com/2013/09/19/private-prison-quotas_n_3953483.html

http://rollingout.com/2013/09/26/what-private-prisons-suing-states-for-millions-if-they-dont-stay-full/

http://www.usatoday.com/story/opinion/2014/03/18/private-prisons-holder-minorities-inmates-column/6580077/

http://www.inthepublicinterest.org/article/criminal-how-lockup-quotas-and-low-crime-taxes-guarantee-profits-private-prison-corporations

http://journal.radicalcriminology.org/index.php/rc/article/view/44/html

https://www.washingtonpost.com/posteverything/wp/2015/04/28/how-for-profit-prisons-have-become-the-biggest-lobby-no-one-is-talking-about/

http://countercurrentnews.com/2015/06/private-prisons-threaten-to-sue-states-unless-they-get-more-inmates-for-free-labor/

http://www.correctionsproject.com/corrections/pris_priv.htm

http://campanha2014.aecioneves.com.br/propostas-seguranca-publica-sistema-prisional.html

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/embate-de-ideias-compare-as-propostas-de-dilma-e-aecio


Anthony ThiesenAnthony Thiesen é Graduando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Estagiário na Defensoria Pública da União de Florianópolis/SC. Presidente da Associação Atlética Direito UFSC (AADUFSC). Contato: (48) 9910-7281                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         


Imagem Ilustrativa do Post: ILGWU Local 408 Float, with women in prison uniforms  // Foto de: Kheel Center // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/kheelcenter/5279064149 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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