Prerrogativa não é privilégio, mas cuidado – Por Léo Rosa de Andrade

26/08/2015

Creio que o julgamento do Mensalão, efetuado pelo Supremo Tribunal Federal, inscreveu nos costumes brasileiros a discussão do Direito, das leis, dos juízes. Parece que a boa apreciação do julgamento e das sentenças foi geral. Ficou uma nítida impressão de que a Justiça fez justiça.

Suponho que se for indagado ao geral do povo se o STF devia mesmo ter julgado o Mensalão, a resposta será sim. Mas imagino que se a indagação for sobre políticos terem o privilégio de ser julgados naquela corte, a resposta será não. A questão me parece ser mais a palavra privilégio do que o foro.

Não é difícil compreender o desgosto das pessoas não afeitas às questões legais com a ideia de um privilégio qualquer em um país com tantos privilegiados, mas me estranha a posição de quem lida com o Direito e sabe bem o que significa o foro por prerrogativa de função. Palavras de Fausto de Sanctis, desembargador federal:

“O foro por prerrogativa de função é um ponto de desequilíbrio no sistema de justiça brasileiro, pois permite que “um grupo de pessoas seja condenada por determinado fato em primeira instância”, enquanto “a contraparte beneficiada por esse fato pode ser absolvida lá”, no tribunal superior” (Giselle Souza, http://migre.me/rgY3a).

Ora, isso até pode acontecer, mas, igualmente, pode ocorrer o contrário: pessoas podem ser absolvidas em primeira instância enquanto a contraparte beneficiada pode sofrer condenação em instância superior. A afirmação, portanto, me parece uma tolice que ganha retumbância apenas porque proferida por voz de autoridade.

A condição de foro não é privilégio pessoal, mas estabelecimento de competência para julgar. É um instituto jurídico que protege certas funções públicas, nunca certas pessoas. A pessoa só tem prerrogativa de foro enquanto desempenha certa função, seja, é prerrogativa decorrente do exercício de certos cargos.

Imagine-se a presidência da República sendo processada e respondendo a ações em varas de primeira instância por todos os cantões desse enorme Brasil. Não governaria. Evidentemente, se outorgamos a alguém um mandato para nos governar a todos, temos que poupar esse mandatário enquanto no desempenho da função.

Todos somos legalmente iguais, mas certas funções públicas são únicas e são de interesse geral. Então, é do interesse geral emprestar prerrogativas a certas funções. O que se protege é mesmo a função e a coisa pública. A prerrogativa não acompanha a pessoa após o fim do exercício do cargo.

A coisa era privilégio ao tempo em que a igreja católica mandava mais no mundo. Os bispos tinham função judicante e privilégio por condição de membros do clero. Depois, os nobres trouxeram esses privilégios para si. A Independência Americana (1787) e a Revolução Francesa (1789) deram fim nisso:

“Perceberam a necessidade de cercar-se determinados cargos de certas qualidades que tornassem possível o seu desenvolvimento independente. Foi assim que apareceram as prerrogativas separadas dos privilégios: certos cargos precisavam de garantias que permitissem o seu bom exercício” (https://pt.wikipedia.or)”.

Volto ao Mensalão, processo sabido por todos. Ora, essa ação, se não tivesse sido julgada pelo Supremo, ainda estaria nos trâmites de um Judiciário lerdo e pomposo. As manobras procratinatórias e os recursos cabíveis dariam jeito nela. Seu destino mais provável seria a prescrição. Não teria sido feita justiça.

Confundimos o despreço por nossos políticos com a proteção da função política. Vivemos em situação de desconfiança geral: todos suspeitamos de todos. Queremos severidade punitiva, vingança. É um erro. Temos é que nos politizar para escolhermos melhor nossas figuras púbicas.


 

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