Pedindo passagem entre o velho e novo

24/07/2016

Por Rômulo Luis Veloso de Carvalho - 24/07/2016

As sucessivas emendas ao texto constitucional que transformaram integralmente a feição da Defensoria Pública exigem por consequência mudanças nas práticas do dia a dia profissional de seus membros e na forma de planejamento institucional das atividades. Algumas instituições estaduais avançaram mais nessa tarefa, outras menos, mas o fato é que não existe discricionariedade diante das novas responsabilidades determinadas pelo constituinte, todas precisam se adaptar. É como na frase que entrou pra história do cinema com Stan Lee: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.

Não se discute mais o fato de que a representação judicial individual é apenas mais uma das relevantes funções dos membros da Defensoria Pública. De toda forma, o desafio institucional mais premente é incorporar verdadeiramente nas práticas profissionais e administrativas da instituição as novidades que as mudanças, especialmente na última década, trouxeram para normativa da classe. A compreensão da alteração do perfil e amplitude da transformação é problema complexo. E dessa maneira precisa ser trabalhado, só não pode ser ignorado. Toda novidade, toda invenção, é em si um ato de ruptura, revolucionário e transformador por essência. Modifica a rotina e tira do imobilismo.

Considerando os desafios retratados é que importa saudar que, em 1/7/2016, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais realizou a primeira reunião geral no desenvolvimento do projeto de estabelecimento de suas câmaras de estudos, criadas dentro da estrutura administrativa interna no âmbito da coordenadoria de desenvolvimento institucional. A iniciativa que adota o modelo já instituído em alguns estados merece ser louvada e representa importante avanço rumo a uma instituição moderna que se organiza para criar mecanismos de cumprir melhor a sua missão constitucionalmente determinada.

São crescentes as demandas por uma qualificação e organização da atuação institucional. Movimento que se justifica pois como verdadeira expressão do regime democrático deve a Defensoria, à luz da busca pela eficiência, se empenhar em desenvolver caminhos de melhor assistir os necessitados, com organização, qualificação e atuação mais estratégica (o que não significa negligenciar teses por resistências de aceitação dos outros órgãos componentes do sistema de justiça).

Divididas por áreas de conhecimento jurídico caberá a cada uma das câmaras: produzir boletins informativos periódicos, discutir e estabelecer teses institucionais, promover e incentivar intercâmbio permanente entre a classe, desnudar os desafios regionais, só pra mencionar algumas das atribuições do ambicioso projeto. Para realização das tarefas os membros das câmaras gozarão de mandato próprio, apoio administrativo e produzirão relatórios de produtividade.

Apesar do anseio da classe pelo refino da prestação do serviço ser geral, medidas efetivas como essa que possam contribuir precisam ser abraçadas assim de forma institucional, não mais frutos só dos voluntarismos individuais, nobres, mas incapazes de transformar a feição da instituição. É chegada a hora da instituição tomar as medidas para que cada vez mais a presença do Defensor Público em qualquer atividade simbolize a própria Defensoria Pública e menos as ideias do membro, o que só se alcançará com a paulatina aceitação de sua nova identidade.

O projeto não pretende robotizar a atuação ou limitar o aspecto inventivo tão fascinante na arte de defensorar, é bom registrar. Mais do que operar compilação técnica para os membros da classe ou ofertar mapeamento jurisprudencial, os objetivos do projeto desenvolvido passam por identificar os principais gargalos da atuação e propor inovações na forma de atuação dos mais variados campos de realização da atividade fim.

A Defensoria Pública é indiscutivelmente a maior porta de entrada dos indivíduos necessitados, verdadeiro elo entre sociedade e justiça, instituição que recebe diariamente o contato com os mais sensíveis dramas nacionais e precisa para melhor atender a demanda apurar sua forma atuação.

A pavimentação da estrada por uma atuação mais ordenada e efetiva é de múltiplas variáveis. O projeto não se arvora como panaceia para curar todas as feridas na atuação institucional, mas vem a somar positivamente como mais um movimento que compõe outras frentes na ocupação dos novos espaços determinados como: a estruturação para acompanhar a crescente coletivização das demandas (atuação em núcleos), aparelhamento para atuação institucional nos tribunais estaduais, o urgente estabelecimento de equipe junto aos tribunais de Brasília (diante da crescente força dos precedentes), busca de assento permanente nos grandes fóruns de debates legislativos e sociais, além de todas as outras atividades que vêm moldando a constitucionalmente repaginada instituição.

A saudada movimentação institucional na criação de câmaras de estudos mineira com ambiciosas funções pretende assim contribuir na missão de evitar que a essencialidade e fundamentalidade da Defensoria, cravadas no texto do artigo 134 da CRFB/88, com o tempo se tornem um mito, “enunciado do impossível” nas palavras de Lacan[1]. As missões que o constituinte destinou a Defensoria, outorgando-lhe poderes e garantias pra tal, trazem as responsabilidades da contínua busca por tirar a constituição do texto e verdadeiramente efetivá-la.


Notas e Referências:

[1] Lacan, Jaques. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise; trad. Ari Roitman. Rio de Janeiro: Jorge Zagar, 1992, p. 132.


Rômulo Luis Veloso de Carvalho. Rômulo Luis Veloso de Carvalho é Defensor Público do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado no Curso de Especialização em Direito para Carreira da Magistratura na EMERJ, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. . .
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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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