Por Mateus P. Gomes – 24/03/2016
Lembro-me de minha mãe, em minha tenra idade, dizendo: “Menino! Não te meta a ouvir a conversa alheia, pois é coisa feia”. Segui o conselho de minha mãe, até em tempos hodiernos, onde não só os ouvidos, mas os olhos estão sempre atentos à vida alheia, busco não me intrometer nem saber além do que me compete. Mas confesso que “me meti a ouvir a conversa alheia”, na atual conjuntura política toda hora é uma bomba que estoura, então botei meus ouvidos atentos a escutar a conversa que se passava ao meu lado, onde se discutia política, após ouvir uma frase um tanto quanto peculiar.
Eis que, enquanto olhava ao nada e divagava sobre coisas aleatórias, ouço a frase que me tirou do eixo sideral em que me encontrava. “Todo constitucionalista é utópico!” dizia um rapaz a uma professora de Constitucional que sentia aversão e ojeriza ao atual cenário político e na mesma engrenagem o jurídico. Tal frase me deixou perplexo, de imediato pensei “Porra! Num país onde defender a constituição é utopia, o que será visto como algo tangível e possível?!”
De um estado de perplexidade fui a um estado de reflexão, qual o sentido se pode dar à Utopia, de logo pensei em sua origem, Thomas Moore, por achar o termo um pouco caduco fui para algo mais atual e lembrei-me de certa feita ouvir de Mário Sergio Cortella que a utopia é a chegada, é o lugar no qual almejamos chegar através das veredas às quais caminhamos que ter utopia não é loucura e insensatez, mas, sim, ter um norte, ter um ponto ao qual se deseja chegar; poderia, assim, talvez, os Constitucionalistas serem utópicos.
Pensei minha conclusão ser muito vaga e voltei ao Thomas Moore, lembrei-me de um texto do Darcy Ribeiro que dizia que a utopia de Moore era baseada nos índios brasileiros. Onde o espírito primitivo, de viver em comunidade, sem os vilipêndios que são frutos da vaidade e ganância dos homens, causara no pensamento europeu, à época, um verdadeiro choque, dizendo estes se tratar de utopia, ou na tradução etimológica do termo: lugar nenhum, lugar inexistente. Pensei “Bingo!” os Constitucionalistas – brasileiros! - são utópicos. Mas ainda havia algo que me encucava.
Pensei em Moore, de novo, mais precisamente, em sua utopia; em utopia a propriedade é coisa comum, “os habitantes de utopia aplicam o princípio da posse comum. Para abolir a ideia de posse individual e absoluta [...]”[1], utopia “tinha um povo que ultrapassava todos os outros em população”[2]; nesse lugar para preservar a humanidade inerente à qualquer pessoa até o serviço de matar animais era reservado a poucos[3]; o trabalho não era a exploração do homem pelo próprio homem, “seis horas de trabalho produzem abundantemente para todas as necessidades e comodidades da vida, e ainda um supérfluo bem superior à exigências o consumo”[4], esse era o tempo suficiente para trabalhar e prover para as necessidades de todos e não havia trabalho para suprir extravagâncias de uns, em detrimento do sofrimento de outros; em utopia a potencialização da capacidade de pensar é sagrada, superior a necessidade do trabalho, visavam “cultivar livremente o espírito, desenvolvendo suas faculdades intelectuais pelo estudo das ciências e das letras”[5]. Diante a utopia de Moore dei graças pelos constitucionalistas serem utópicos.
Necessitamos de constitucionalistas utópicos, que vejam essa terra brasileira como lugar nenhum, para que, assim, possa construir um novo lugar, arquitetar o nosso topos, isso Darcy já falava. Tivemos oportunidade de criar o nosso lugar, ao nosso modo, tivemos oportunidades para isso, “o valor da exportação brasileira no século XVII foi maior que o da exportação inglesa no mesmo período”[6]; houve tempos do ouro, onde Minas abarrotou cofres do mundo todo; tivemos o café, em 1913, onde o Brasil desfrutou, por longo tempo, de seu mercado; tivemos tempos de alta da borracha e do cacau junto com alto fornecimento de matéria-prima brasileira[7]. Tivemos chance de construir o novo, de fazer diferente, não fosse a visão sempre egoística de uma determinada classe dominante, teríamos hoje um Brasil diferente, um país feito pelo seu povo e para seu povo. Agora brado aos quatro ventos que os constitucionalistas sejam utópicos, pois a constituição é o maior símbolo de um Estado forte, vívido e frutífero, e quando esse símbolo traz o peso de uma visão de futuro e nesse futuro está um Brasil feito, construído e planejado pelo seu povo e não pelos olhares alheios e gananciosos, significa que os constitucionalistas utópicos têm em si o peso do topos que a nação brasuca merece.
Notas e Referências:
[1] MOORE, Thomas. Utopia. Fonte Digital: Ebooks Brasil, 2005. p. 83
[2] Ibidem, p. 75
[3] Ibidem, p. 102
[4] Ibidem, p. 92
[5] Ibidem, p. 97
[6] RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio/ Ensaios insólitos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 4
[7] Ibidem, p. 4
. . Mateus P. Gomes é graduando de Direito da Faculdade Católica do Tocantins e membro do CA de Direito. . .
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