Coordenador: Marcos Catalan
Em Livermore, California (EUA), em um pequeno prédio do corpo de bombeiros existe uma lâmpada muito especial. Ela foi fabricada no ano de 1901 e continua funcionando até os dias de hoje (por 116 anos)[i]. Estima-se que uma lâmpada de LED, com toda a alta tecnologia disponível de 2018, pode durar cerca de 10 anos. Como isso é possível?
Quando a lâmpada tradicional foi inventada no final do séc. XIX, a duração anunciada era de cerca de 2.500 horas. Nas décadas seguintes, a invenção popularizou-se, o mercado consumidor expandiu-se e a produção aumentou. Logo surgiram grandes empresas. A lâmpada centenária de Livermore era produzida em uma pequena fábrica em Ohio, EUA. O empreendimento tornou-se um fracasso comercial, visto que os clientes compravam uma única vez o produto, gerando poucos lucros. A técnica de sua produção acabou por esquecida e os concorrentes foram bem sucedidos. Assim, formou-se na década de 1920 um cartel de empresas com objetivo de controlar os rumos do mercado de lâmpadas. Uma das primeiras medidas foi desenvolverem pesquisas científicas para a redução da vida útil das lâmpadas, de modo a potencializar seus lucros. Em poucos anos o padrão foi estabelecido em 1.000 horas, bem abaixo das 2.500 horas iniciais.
Em 1932, no auge da grande depressão, o empresário Bernard London lançou uma ideia para reaquecer a economia norte-americana. Para ele, era necessário criar um impulso para a produção e para o consumo. Pensou em criar a “obsolescência programada”. Os produtos fabricados teriam uma espécie de prazo de validade, de modo que o consumidor seria obrigado a consumi-los regularmente. Isso aumentaria a produtividade e, consequentemente, a geração de empregos. Vencida a depressão, logo a obsolescência programada tornar-se-ia a tônica do capitalismo e da sociedade do consumo.
Diversas técnicas são associadas à obsolescência programada. A primeira delas é a mudança frequente de design, muitas vezes de fundo meramente estético e sem qualquer funcionalidade, servindo apenas para ressaltar o caráter de “novidade”.
Na sociedade do consumo, as relações humanas são mediadas por objetos. Ao parecer antiquado ou fora de seu tempo corre-se o risco de ser excluído socialmente pelo seu anacronismo. Seguindo esta lógica, todos os anos as montadoras de automóveis lançam seus novos modelos, uma pequena mudança no farol dianteiro ou traseiro é comemorada pelos aficionados e torna motivo para a mesma empresa cobrar cerca de 20% a mais pelo seu produto, desafiando qualquer bom senso.
Outra técnica, diz respeito a diminuir a vida útil do produto com objetivo de que um novo seja adquirido em pouco tempo, tal qual o caso das lâmpadas. Nesse contexto, é comum o uso de algum material de má qualidade que se desgasta com o uso ou com o tempo, inutilizando-o. Em relação aos produtos eletrônicos, especialmente aqueles conectados a internet, como computadores e celulares, uma prática recorrente é o uso de atualizações periódicas de software que possuem a função de deixar o funcionamento do produto mais lento.
Assim, a geladeira antiga, da época dos avós, que era dada de presente de casamento e durava uma vida toda, não existe mais, tornou-se economicamente desinteressante. É mais prático o descarte e uma nova aquisição do que o conserto, visto que o preço das peças costuma ser propositalmente inflacionado. Baudrillard[ii] diria que vivemos o “tempo dos objetos”, no qual os homens vêem os objetos nascerem e morrerem, enquanto que nas décadas ou séculos passados, eram os objetos que sobreviviam às gerações.
A constante necessidade de aquisição de produtos novos gera o consumo desenfreado, que pode fazer surgir um novo problema: o superindividamento. O que resta dos produtos antigos é uma montanha de lixo que se acumula de forma assustadora e ameaça o meio ambiente. Não resta dúvida de que a obsolescência programada e o consumo movimentam a economia. Entretanto, qual é o preço disso? E estamos dispostos a pagar?
[i] Documentário disponível em https://www.youtube.com/watch?v=o0k7UhDpOAo. Acesso em 27 jan. 2018.
[ii] BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Portugal: Edições 70, 2011.
Imagem Ilustrativa do Post: USP cria centro para reciclar lixo eletrônico // Foto de:365 Dias que Acalmaram o Mundo // Sem alterações
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