O stalking e a legislação penal brasileira

11/12/2015

Coluna Espaço do Estudante

Sabe-se que as políticas de segurança não são suficientes para abarcar todas as práticas criminosas que se disseminam em tempos modernos, bem como, a audácia e perspicácia daqueles que engendram no mundo do crime. Contemporaneamente percebe-se que houve um crescente número de vítimas que sofreram violências que vão além do âmbito patrimonial, perpassando por agressões físicas e psicológicas que podem resultar em abalos irreparáveis.

As relações modernas trouxeram novas classificações no âmbito afetivo, e é nítido que o ser humano ainda caminha muito devagar nas questões amorosas e não rara às vezes, não sabe lidar com a ruptura ou desprezo advindo deste rompimento, resultando em atos que se tornam repetitivos e importunos a vítima, causando perturbação, medo, intranquilidade e outros transtornos.

A opinião pública não tem se atentando muito sobre o stalking, haja vista que preferem se ocupar com crimes que consideram serem mais graves e merecedores de maior atenção. Este crime é um fenômeno antigo, tendo tido certa relevância apenas há alguns anos pela sociedade.

O crime de stalking, fenômeno antigo, de origem inglesa, que não tem ainda uma tradução adequada para o idioma português, apesar da tradução literal da palavra significar, caçada (no contexto de caça é quando o predador persegue a presa de forma continua), empreita ou perseguição. Os stalkers são “perseguidores” que possuem um comportamento obsessivo direcionado a outra pessoa, e procuram agir sempre de modo intencional e de acordo com um curso de conduta, seguir, obter informações e controlar a vida da outra pessoa, de modo que lhe cause medo ou um dano psicológico.

Cometer stalking é instigar o medo, destruir vidas e criar incertezas podendo este comportamento muitas vezes envolve grave violência e até morte. Neste contexto podemos identificar que se trata de uma modalidade de violência que se constitui num verdadeiro cerco psicológico e social tendo a conduta sendo executada de forma reiterada por um agente contra sua vítima, servindo-se de diversos mecanismos desde simples olhares vingativos até agressões verbais que ofendem a honra do perseguidor.

Sempre se disse que “o homem um é animal social”, isto é, deseja insistentemente encontrar a companhia ideal para manter uma relação ao longo da vida.

O stalker é atormentado o tempo todo por pensamentos obsessivos o que geralmente lhe causam um sentimento de rejeição emocional,

Cesare Triberti define stalking em seu livro como sendo “uma relação patológica na qual uma pessoa coloca em prática um comportamento persistente, não aprovado nem aprovável pela vitima , onde constantemente se intromete na vida da vitima , coloca-a em um estado de sujeição devido ao comportamento insistente do mesmo, a ameaça, busca o controle, torna a própria existência insuportável, provocando um continuo estado de medo que compromete seriamente o equilíbrio físico e mental, chegando em muitos casos ao limite extremo do assassinato”.

E importante lembrar que o stalking não somente irá afetar a vitima de forma direta podendo ele atingir a vitima de forma indireta, como amigos, familiares, companheiro da vitima que pode ser um obstáculo para o stalker, bem como coagir a vitima a ceder os seus desígnios.

A doutrina moderna, ao abordar o assunto, coloca em evidência alguns aspectos essenciais para se entender o stalking e diferenciá-lo de outros tipos penais. Países estrangeiros passaram a considerar o stalking como crime.

A sanção e a construção do tipo penal variam de um lugar para o outro, de acordo com os princípios e modelos de jurisdição de cada local. Hoje em dia é um fenômeno mundial que se espalha de forma rápida pelo mundo.  Itália, Índia, Austrália, Canadá, China, Inglaterra, Japão, são apenas alguns exemplos de nações que já criminalizam o stalker em suas codificações.

É essencial entender que o stalking não ocorre apenas nos países que o tipificam diretamente, é um acontecimento global, reconhecido tanto pela psicologia quanto pelos operadores do Direito, que atinge uma considerável parcela da população mundial.

No Brasil, a legislação e a jurisprudência não são totalmente inertes sobre este tema. Há leis que abordam indiretamente o assunto, enquanto as jurisprudências começam a aparecer nas searas, tanto penal quanto civil.  A sociedade brasileira então passa a perceber que o stalking é extremamente danoso e precisa de uma atenção estatal.

O Brasil ainda não criminaliza diretamente o stalking, o que difere de várias outras nações. Os cinemas também já abordaram este tema em seus filmes de forma direta. Como passar dos anos viu se a necessidade em se observar mais este tema passando então os estudiosos da psicologia e da lei começaram então a buscar resposta ao problema.

Observa-se que até o presente momento a prática de stalking é tida como uma contravenção penal, denominada como perseguição insidiosa, elencada no art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41, que posteriormente, com o advindo da Lei Maria da Penha, houve a possibilidade de aplicação de medidas protetivas quando relacionada ao gênero feminino.

A Comissão de Reforma do Código Penal, acrescentando o novo tipo penal ao art. 147 do já existente Decreto-Lei nº 2.848/40 , traz a possibilidade da inserção do stalking no ordenamento juridico brasileiro dispondo no seguinte modo :

Ameaça Art. 147 — Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena de prisão de seis meses a dois anos.

Perseguição Obsessiva ou Insidiosa §1º. Perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena — Prisão, de dois a seis anos, e multa.

Sob o prisma jurídico, criminalizar as pretensas condutas de perseguir indiscriminadamente alguem de seu íntimo convívio ou que mantêm ou manteve relação afetiva/amorosa/odiosa na qual envolvem sentimentos cuja a resposta penal seja inviável, por si só já demonstra que a via judicial não esta apta para tal fenômeno. Uma vez que já se encontram em vigor codificações suficientes para normatizar estas condutas do cotidiano indesejado.


Notas e Referências:

AMOROSO. Danilo. O que são stalkers e por que são tão perigosos?. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/5411-o-que-sao-stalkers-e-por-que-sao-tao-perigosos-.htm>. Acesso em 07/12/2015.

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2015, 21ª ed.

BRASIL. Decreto-lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 07/12/2015.

______. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei de contravenções penais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em 07/12/2015.

______. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 20/08/2015.

DIAS. Tatiana de Mello. Só o lado ruim da internet. Blog do Estadão, 10 de julho de 2011. Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/so-o-lado-ruim-da-internet/>. Acesso em 07/12/2015

MACHADO. Fábio. Stalkers são famosos por fuçar a vida alheia na web. Folha, 31 de janeiro de 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/868428-stalkers-sao-especialistas-em-fucar-a-vida-alheia-na-web.shtml> Acesso em: 07/12/2015

RIBEIRO. Roseli. Perseguição constante deve virar crime, defende Damásio de Jesus. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/24072/ >. Acesso em 03/12/2015.

ROSA, Alexandre Morais da; JORGE, Heloisa Helena Quaresma Passos. Stalking e a criminalização do cotidiano: Hollywood é o sucesso! <http://heloisaquaresma.blogspot.com.br/2013/02/stalking-e-criminalizacao-do-cotidiano.html>. Acesso em 03/12/2015.

TRIBERTI , Cesare. O stalking (atos persecutórios – um crime feroz e hediondo : dos abusos ao homicidios) Impacto de disturbios comportamentais e vontade criminalmente responsável e a Lei Maria da Penha. (tradução de Ana bacelar).


Júlia Passos

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Júlia Quaresma Passos Jorge é estudante do 6º semestre de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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