O sobrestamento dos recursos e o TST: uma crítica à necessidade do trânsito em julgado

15/04/2018

Coluna: Advocacia Pública em Debate / Coordenadores: José Henrique Mouta Araújo e Weber Luiz de Oliveira

Em recentes decisões, o TST vem determinando a manutenção do sobrestamento de recursos extraordinários no regime da repercussão geral,[1] mesmo após o julgamento e a publicação do respectivo acórdão, exigindo-se o prévio trânsito em julgado do processo.

Na situação específica, a questão debatida envolve os pressupostos para o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. O leading case foi o recurso extraordinário 760.931. No referido julgamento, foi fixada a tese 246, segundo a qual “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”.

Dessa decisão, foram opostos embargos de declaração. Constam, no recurso extraordinário, pedidos de efeito suspensivo aos recursos de embargos de declaração opostos, no entanto inexiste qualquer decisão do STF deferindo-o ou não. Ou seja, há pedido de concessão de manutenção do sobrestamento, mas esse sequer foi analisado pelo STF.

A decisão do TST, com base na oposição dos embargos de declaração opostos ao recurso extraordinário, foi a de esperar o trânsito em julgado da decisão do STF sobre a matéria para o fim do sobrestamento. Os fundamentos normativos para a decisão foram os arts. 1.021, § 2º, 1.030, inciso III, do CPC, 328 e 328-A do RISTF. Como se verá, os textos normativos apontam para conclusão oposta.[2]

Trata-se, no caso, de uma decisão contra legem.

É necessário que se compreenda adequadamente o regime do sobrestamento dos recursos extraordinários no caso de reconhecimento da repercussão geral, mais especificamente os momentos de início e fim desse sobrestamento.

Nos termos do art. 1.035, §5º, “Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”. Portanto o que determina o momento de início do sobrestamento é a decisão de reconhecimento da repercussão geral do recurso extraordinário pelo STF.

Em relação ao momento em que o sobrestamento deve ser finalizado, não há menção específica ao caso do recurso extraordinário com repercussão geral, mas que não seja repetitivo. Infere-se, portanto, que é necessária a utilização da analogia, buscando situações semelhantes em que haja a indicação do momento em que deve ser finalizado o sobrestamento para suprir a omissão do regime do recurso extraordinário com repercussão geral, mas sem caráter repetitivo.

Esse tratamento de forma detida ocorre no regime do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

O primeiro texto normativo a fazer menção ao tema é o art. 1.030, III, do CPC. De acordo com o texto normativo, após o recebimento do recurso extraordinário, o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido deverá sobrestar o recurso que verse sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda “não decidida” pelo STF. 

O art. 1.039, caput, do CPC, reforça o momento de finalização do sobrestamento ao afirmar que “Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada”. É importante fazer igualmente referência o art. 1.040, I, II e III, do CPC, os quais detalham quais as providências que devem ser tomadas uma vez “publicado o acórdão paradigma”, que envolvem a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.

É perceptível a linguagem utilizada pelo texto normativo: “controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal” (art. 1.030, III), “Decididos os recursos afetados” (art. 1.039, caput) e “Publicado o acórdão paradigma” (art. 1.040, caput). Todos os termos utilizados pela legislação permitem concluir que o sobrestamento deve ser realizado tão apenas até a publicação do acórdão paradigma, como deixa evidente o art. 1.040, caput, do CPC. Inexiste qualquer previsão de que o sobrestamento seja mantido até o trânsito em julgado do recurso extraordinário afetado.

Além do CPC, deve ainda ser feita referência ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, que, embora não tenha sido atualizado com o CPC/2015, também pode servir como referência para o tema. De acordo com o art. 328-A, caput e §2º:

Art. 328-A. Nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal decida os que tenham sido selecionados nos termos do § 1º daquele artigo.

(...)

  • Julgado o mérito do recurso extraordinário em sentido contrário ao dos acórdãos recorridos, o Tribunal de origem remeterá ao Supremo Tribunal Federal os agravos em que não se retratar

Todos os textos normativos (do CPC ou do Regimento Interno do STF) apontam para que o momento final do sobrestamento no regime do recurso extraordinário repetitivo seja a publicação do acórdão paradigma.

Embora não haja previsão do fim do sobrestamento para o recurso extraordinário que segue o regime da repercussão geral, mas havendo em situação semelhante, voltada aos recursos repetitivos, em que há igualmente o sobrestamento, devem ser aplicados por analogia os textos normativos que versam sobre o seu momento de cancelamento nos recursos repetitivos. E esse momento é o da publicação do acórdão paradigma e não o trânsito em julgado do recurso.

Conclusão semelhante também é adotada pelos tribunais superiores, os quais defendem a desnecessidade do trânsito em julgado para que haja a aplicação do precedente. Em diversos julgados, afirma o STF que “A existência de precedente firmado pelo Tribunal Pleno da Corte autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre a mesma matéria, independentemente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma”.[3] Em outro caso a conclusão foi semelhante e o recorrente requeria o sobrestamento do feito até o trânsito em julgado de um recurso extraordinário que estava pendente do julgamento de embargos de declaração – situação análoga à do RE 760.931.[4] O mesmo raciocínio também é acolhido pelo STJ, segundo o qual, é “desnecessário  aguardar  o  trânsito  em julgado para a aplicação do paradigma  firmado  em  sede de Recurso Repetitivo ou de Repercussão Geral”.[5] Note que o STJ chega a apontar a desnecessidade até de publicação do acórdão para a aplicação da orientação de recurso repetitivo, ao menos no regime do art. 543-B do CPC/1973.[6]

Em resumo, legislação e jurisprudência apontam que o momento final do sobrestamento não é o trânsito em julgado de decisão.

Isso não significa que haja impedimento legal a que o STF venha a conceder efeito suspensivo nos embargos de declaração opostos ao RE 760.931 e reconheça plausibilidade na argumentação e determine a manutenção do sobrestamento até o seu julgamento. Não parece haver impedimento a que o STF venha a fazê-lo. Pode o tribunal reconhecer que há alguma omissão significativa no acórdão com a possibilidade de alteração da tese, e, como forma de tutelar a segurança jurídica, seja adequada a manutenção do sobrestamento para a definição adequada do precedente.

No entanto, o que se pode inferir da regulação do sobrestamento pelo CPC e pelo RISTF e ainda o posicionamento do STF e do STJ, é que, inexistindo decisão do STF sobre a permanência da situação de sobrestamento, a partir da publicação do acórdão paradigma os recursos tenham o devido seguimento. Isso significa, mais uma vez, que a decisão do TST é contra legem e, inclusive, os fundamentos normativos por ela apontados apontam para situação diametralmente oposta à seguida, qual seja, o de cancelamento do sobrestamento tendo em vista que a decisão do STF sobre o tema já foi devidamente publicada.

 

Notas e Referências:

[1] V. por exemplo, os processos n. 0156800-94.2009.5.06.0019, n. 0001425-22.2012.5.06.0011, n. 0004800-35.2010.5.06.0000 e n. 0001387-04.2012.5.06.0013.

[2] O art. 1.021, §2º, do CPC, em princípio é irrelevante para a conclusão, eis que trata tão apenas do processamento do agravo interno.

[3] STF, 2ª T., RE 1.035.126 AgR-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 29/09/2017, DJe 20/10/2017; STF, 1ª T., ARE 930.647-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 11/4/2016; STF, 1ª T., ARE 940.027-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 14/4/2016.

[4] STF, 1ª T., ARE 909.527 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10/05/2016, DJe 30/05/2016.

[5] STJ, 6ª T., EDcl no RE nos EDcl no AgRg no REsp 1070732/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 27/02/2018, DJe 08/03/2018; STJ, 1ª T., AgRg nos EDcl no AREsp 706.557/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 13/10/2015; STJ, Corte Especial, AgInt no RE nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.291.004/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 21/02/2018, DJe 28/02/2018.

[6] STJ, 1ª T., EDcl no AgInt no AREsp 826.491/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 27/02/2018, DJe 09/03/2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de: CAPTAIN ROGER FENTON

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