Hino à Bandeira: “Salve lindo pendão da esperança! \ Salve símbolo augusto da paz! \ Tua nobre presença à lembrança \ A grandeza da Pátria nos traz. \ Recebe o afeto que se encerra \ Em nosso peito juvenil, \ Querido símbolo da terra, \ Da amada terra do Brasil! \ Em teu seio formoso retratas \ Este céu de puríssimo azul, \ A verdura sem par destas matas, \ E o esplendor do Cruzeiro do Sul”.
Não são verdadeiras as alusões às cores, não obstante desde a escola primária aprendamos que o verde são nossas matas; o amarelo, nossas riquezas; o azul, nosso céu; o branco, a paz. Em verdade, o verde e o amarelo são, respectivamente, as cores da casa de Bragança, linhagem portuguesa de Pedro I, e as da casa de Habsburgo, dinastia austríaca a que pertencia a imperatriz Leopoldina.
São, pois, as cores do lábaro do Império, que contemplava ainda o azul, cor do círculo que continha as estrelas brancas representando as províncias. Nossa primeira flâmula imitava a dos Estados Unidos da América, republicano, porém o marechal Deodoro da Fonseca, nosso primeiro presidente, que proclamou a República, não obstante fosse monarquista, quis que o novo pendão aludisse ao anterior.
A República, só depois, deu-se conta de que o simbolismo da monarquia vigorava, passando, então, a reinterpretar as cores da bandeira. Porém, se compararmos os pavilhões de uma e outra forma de governo, veremos aberta reprodução, com pequenas modificações, como a exclusão da coroa e dos ramos de café e tabaco que estavam no imperial. A diferença está no lema positivista de Auguste Comte.
Na época, a ciência era um valor entre as elites mandatárias, partidárias do pensador francês que fundara uma religião laica, o positivismo, que propugnava “o Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim”. Embora o comtismo fosse referência intelectual que relevava cada expressão do seu lema, nossa divisa o traiu, deixando de fora o Amor, resumindo-o à Ordem e ao Progresso.
Dado, todavia, que prevalecia a ciência, foi chamado um cientista da astronomia para dispor as estrelas, que representam os estados da Federação, e a faixa branca que leva o escrito (somos a única bandeira nacional que tem texto em seu corpo). Elas estão lá conforme estava o céu do Rio de Janeiro às 8:30h de 15 de novembro de 1889, com acréscimos, tendo em vista a criação de novos estados.
A faixa branca tem origem sofisticada. Ela respeita o azimute, que é “o ângulo medido no plano horizontal entre o meridiano do lugar do observador e o plano vertical que contém o ponto observado” (Houaiss). Uma curiosidade: Hans Donner, designer que criou os símbolos da Rede Globo, reescreveu o dístico, incluindo o amor: Amor, Ordem e Progresso. Os defensores da tese argumentaram que faltava o Amor para atingir o Progresso.
Houve reação. “Patriotas” exaltados manifestaram-se contra e insinuaram que um estrangeiro – Donner é alemão crescido na Áustria e radicado no Brasil – não se deveria intrometer em símbolos nacionais, ignorando que a bandeira original, lá do Império, foi desenhada pelo pintor francês Jean Baptiste Debret. Há algum tempo colhiam-se assinaturas em projeto a ser enviado ao Congresso, pois a mudança carece de lei.
Bem, há uma ciência nomeada vexilologia, a qual estuda bandeiras, estandartes, insígnias e suas simbologias, usos, convenções etc. Como o tema, em razão do sequestro da bandeira nacional pelo bolsonarismo, está em relevância, estou eu, embora jamais tenha estudado a questão, nesse esforço de “vexilologizar” sobre o “pendão da esperança”. Por que ele foi apossado pela direita mais reacionária?
Isso vem da Ditadura de 1964. Os milicos eram ufanistas de ocasião: durante o período dos generais, os símbolos nacionais estavam em toda parte, sempre associados ao governo despótico. A bandeira nacional, pois, restou conexa aos atos de ostentação dos militares no poder. Todos os que lutávamos contra o despotismo, decorrentemente, nos afastávamos dos déspotas e dos emblemas que usavam.
Então, as campanhas pelas Diretas Já. Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Lula da Silva, todos na luta contra a Ditadura, que usava a bandeira do Brasil. As bandeiras dos partidos de oposição apresentavam o vermelho em suas cores. Vários outros partidos de esquerda, bem como organizações sociais que se faziam presentes (CUT, MST) usavam vermelho nos seus estandartes. Isso permaneceu.
A bandeira brasileira, que deveria ser de todos, com a queda dos militares, ficou de ninguém. Nesse tempo, veio Bolsonaro, que, pouco dado a partidos (passou por nove deles), jamais teve bandeira a apresentar. Então, a patriotada: sequestrou a flâmula nacional. E o fez com extrema competência, na medida em que a opôs à “bandeira comunista”, que, afinal, de fato, é historicamente vermelha.
Refrão: Recebe o afeto que se encerra \ Em nosso peito juvenil, \ Querido símbolo da terra, \ Da amada terra do Brasil! Bem, aconteceu que muitos de nós, por desgosto com a Ditadura, estivemos em desafeto com este símbolo da nação. De certa forma, houve descuido. Há-se de resgatá-lo em atos cívicos que não se resumam a dia de futebol. Não será contenda fácil, não sei se todo\as a cumprirão.
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