Na sessão do último dia 24 de novembro, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, deu parcial provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº. 28172 para determinar ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome que aprecie, em até 30 dias, recurso administrativo contra decisão que cassou o certificado de entidade beneficente de assistente social do Serviço Social do Distrito Federal.
Neste julgamento ficou consignado no voto da relatora, Ministra Cármen Lúcia, que a garantia constitucional à duração razoável do processo também deve também ser assegurada no âmbito administrativo.
Importantíssimo este precedente!
Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia observou que o recurso está parado desde junho de 2011, destacando que se deve aplicar ao caso o art. 5º., LXXVIII, da Constituição Federal: “A razoável duração do processo vale judicial e administrativamente e, neste caso, realmente, tem razão a insurgência”, frisou a Ministra, “uma vez que, segundo os autos, o processo está parado há quatro anos no âmbito da administração, que pode analisar e eventualmente rever as condições para concessão do certificado.”
Aliás, por coincidência, no mesmo dia, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, ao discursar na abertura do 9º Encontro Nacional do Poder Judiciário, em Brasília, afirmou que “a Justiça precisa de criatividade para superar o excesso de litígios que a sociedade brasileira apresenta aos tribunais e assegurar o direito constitucional à razoável duração do processo“, lembrando os dez anos de vigência do direito fundamental estabelecido na Emenda Constitucional nº. 45/2004.
Ora, se para o Processo Administrativo não sancionatório garante-se um procedimento (obviamente que não estou confundindo processo com procedimento) sem dilações indevidas, com muito mais razão não se pode aceitar que tal ocorra em um Procedimento Administrativo Disciplinar que tem, como se sabe, natureza sancionatória, podendo, inclusive, acarretar a exoneração do serviço público e servir de base para uma denúncia do Ministério Público (como justa causa para a ação penal, nos termos do art. 395, III do Código de Processo Penal).
A propósito, o Ministro Teori Zavascki afirmou que o Processo Administrativo Disciplinar sempre envolve questões constitucionais devido ao sistema penal vigente no Brasil. Segundo ele, isso ocorre porque o controle da administração pública foi detalhadamente disciplinado pela Constituição Federal quando elencou os regimes de responsabilidade por improbidade administrativa, pela indevida aplicação de recursos públicos e pelo processo administrativo disciplinar: “Esses três regimes se complementam na tutela da gestão de recursos públicos, humanos e financeiros, ou de alguma forma patrocinadas pela administração pública, e exprimem um conteúdo sancionatório”. Esta declaração foi proferida durante sua palestra sobre os aspectos constitucionais do Procedimento Administrativo Disciplinar no II Curso de Direito e Processo Administrativo, realizado no dia 19 de junho de 2015.
Em sua apresentação, o Ministro ressaltou que as diferenças entre os três regimes definem o sujeito atingido, a gravidade das penalidades previstas e a autoridade competente para julgar as infrações, explicando, ainda, que a graduação da gravidade das reprimendas tem o seu ápice na suspensão de direitos políticos, na improbidade administrativa, e na demissão do servidor ou empregado público, no caso do processo administrativo disciplinar.
Segundo o Ministro, o poder sancionatório disciplinar é o único regime que permite que a própria administração aplique certas sanções graves. Para ele, essa escolha do legislador foi intencional para reforçar o poder e dever de autotutela da administração, “investindo-a dos necessários meios para superar os desajustes de seus próprios integrantes”.
O Ministro complementou que a decisão também buscou incrementar um senso próprio de responsabilidade no âmbito administrativo, de forma a consolidar uma cultura de controle interno, informalizar o processo de apuração desse tipo de responsabilidade e reduzir a sobrecarga de responsabilidade do Poder Judiciário. “Pela gravidade das sanções decorrentes do exercício do poder disciplinar, muito se tem debatido sobre a possibilidade de incorporação das garantias processuais penais para o processo administrativo disciplinar”, explicou. O Ministro apontou que o principal desafio nessa questão é definir quais garantias processuais penais e qual intensidade elas podem adquirir no campo do processo administrativo disciplinar. Segundo ele, atualmente, a constituição estende às apurações disciplinares apenas as garantias vigentes nos processos administrativos em geral. “O direito penal representa a frente mais combativa do sistema jurídico, pois pode acarretar a restrição da liberdade de ir e vir das pessoas. É justamente a gravidade das sanções advindas do direito penal que exige que a sua imposição seja articulada por um rigoroso processo penal, mediante o oferecimento de um maior número possível de garantias aos acusados”.
Por fim, o palestrante afirmou que as garantias que despertam mais controvérsia no debate de ampliação das garantias constitucionais aos acusados na instância administrativa disciplinar são o princípio da tipicidade, da culpabilidade, da individualização da pena e da presunção da inocência. [1]
Como afirma José Rogério Cruz e Tucci, “a intolerável duração do processo constitui um enorme obstáculo para que ele cumpra, de forma efetiva, os seus compromissos institucionais. Essa questão, aliás, tem sido examinada pela vertente interdisciplinar, por juristas e sociólogos de vários quadrantes.” [2]
No Direito Comparado, encontramos a Ley de Procedimiento Administrativo nº. 21.686, na Argentina, que na alínea “f” do art. 1º., garante ao interessado o direito ao devido processo “adjetivo” dentro do prazo que a administração fixe em cada caso, atendendo à complexidade do assunto, razão pela qual, Bartolomé Fiorini afirma que no processo administrativo “tambiém puede aplicar em forma directa normas constitucionales.” [3]
Não é a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal adota o entendimento, absolutamente acertado, segundo o qual é necessário que se observe o devido processo legal no âmbito do Processo Administrativo. Nada mais consentâneo com os princípios constitucionais.
Neste sentido o Ministro Luiz Fux, deferiu a ordem no Mandado de Segurança nº. 27070, destacando que o Supremo Tribunal Federal consolidou a premissa de que a anulação dos atos administrativos, cuja formalização haja repercutido no âmbito dos interesses individuais, deve ser precedida de ampla defesa. Segundo o Ministro, a garantia constitucional do direito à ampla defesa exige que seja dada ao acusado – ou a qualquer pessoa cujo patrimônio jurídico e moral possa ser afetado por uma decisão administrativa – a possibilidade de apresentação de defesa prévia: “A ampla defesa, só tem sentido em sua plenitude se for produzida previamente à decisão, para que possa ser conhecida e efetivamente considerada pela autoridade competente para decidir.”
Anote-se, outrossim, que a própria Lei nº. 9.784/99, que regula o processo administrativo da Administração Pública Federal, prevê, em seu art. 26, a intimação pessoal dos interessados no processo administrativo, em obediência aos postulados do contraditório e da ampla defesa.
Ademais, tem-se, a Súmula Vinculante nº. 03, segundo a qual “nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.”
Portanto, ter o seu processo terminado em um prazo razoável, é direito do funcionário público submetido a um Procedimento Administrativo Disciplinar, considerando, com Daniel Pastor, que “plazo razonable es la expresión más signiticativa que utiliza la dogmática de los derechos fundamentales para regular la prerrogativa del imputado a que su proceso termine tan pronto como sea posible.” [4]
Para finalizar, vejamos esta “confissão” de Santo Agostinho: “Cos`è dunque il tempo? Se nessuno m`interroga, lo so; se volessi spiegarlo a chi m´interroga, non lo so. Questo però posso dire con fiducia di sapere: senza nulla che pasi non esisterebbe un tempo passato; senza nulla che venga non esisterebbe un tempo futuro; senza nulla che esista non esisterebbe un tempo presente.” [5]
Notas e Referências:
[1] Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-20/processo-administrativo-gera-debate-garantias-zavascki, acessado em 20 de junho de 2015, 13h18.
[2] Tempo e Processo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 89.
[3] Procedimento Administrativo y Recurso Jerárquico, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, p. 21.
[4] El Prazo Razonable em el Proceso del Estado de Derecho, Buenos Aires: AD-HOC, p. 47.
[5] Le Confessioni, L. XI, 14-17, citado em nota de rodapé na obra Il tempo nel Diritto Penale Sostantivo e Processuale, de Mauro Leone, Napole: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1974, p. 7.
Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
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