O papel da ouvidoria pública como instrumento de participação cidadã

22/04/2017

Por Roberta Lídice – 22/04/2017

O sistema de Ouvidorias foi criado há mais de 200 anos na Suécia. Ouvidores eram conhecidos também como Ombudsman ou, em português, Defensor do Povo. Neste texto, será abordado um estudo da implementação e da aplicação da ouvidoria em nosso país.

Em 1809, também na Suécia, registra-se a implementação constitucional do Ombudsman Sueco, cuja missão era verificar a observação das leis pelos tribunais, com o poder de processar aqueles que cometessem ilegalidades ou negligência no cumprimento de seus deveres.

Já no Brasil, desde a época da Colonização Portuguesa, os Governos Gerais possuíam em suas estruturas Ouvidores, indicados pelo Rei de Portugal e que, naquela época, detinham poderes de lavrar e promulgar leis, estabelecer Câmara de Vereadores, atuar como Comissários de Justiça e ouvir reclamações e reivindicações da população sobre improbidades e desmandos por parte dos servidores do governo.

Em território nacional, foram implantadas diversas Ouvidorias, nos setores privados e públicos. Como exemplo, cito:

Ombudsman de Imprensa do Jornal Folha de São Paulo: com a missão de apontar as falhas no periódico, visando melhorias nos processos e serviços de informação, resguardando a qualidade e imparcialidade da notícia.

A Ouvidoria, na sua compreensão atual - que não se confunde com aquela antiga figura do Ouvidor no Brasil Colonial, uma espécie de juiz ou auxiliar direto dos donatários das capitanias hereditárias -, estabelece-se como um canal de manifestação do cidadão, configurando-se, assim, como um mecanismo de exercício da cidadania e meio estratégico de apoio à gestão das organizações, seja na melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, seja para atender às crescentes necessidades de transparência, arejamento e revisão de processos impostos às organizações pela nova ordem social globalizada. Senão veja-se:

Em 1995: A primeira Ouvidoria Pública no Brasil foi instalada na cidade de Curitiba;

Em 1989: O Jornal Folha de São Paulo, de forma pioneira, instituiu a sua figura do Ombudsman;

Em 1993: Na iniciativa privada, também se destacou o Grupo Pão de Açúcar, o qual lançou seu Ombudsman;

Em 2004: A TV Cultura tornou-se a primeira emissora de TV pública do país a estabelecer um Ombudsman;

Área Pública Estadual Paulista:

Em 1992: Implantação da Ouvidoria do PROCON;

Em 1993: Implantação da Ouvidoria do IPEM;

Em 1995: Implantação da Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública, por meio de um decreto do então governador Mário Covas;

Em 1996: Implantação de um piloto de Ouvidoria na Secretaria da Saúde.

Ouvidoria no Brasil

A emenda aprovada, durante a elaboração da Constituição Brasileira de 1988, descentralizou a Ouvidoria. A partir dela, qualquer poder executivo pode, por lei ou decreto, estabelecer a sua Ouvidoria. Se fosse instituída apenas como Ouvidoria Geral, como se pretendeu, ela se reportaria ao parlamento, ficando presa, longe do cidadão e politicamente não cumpriria o seu papel. Da forma como ficou estabelecido, o Ouvidor torna-se representante direto do cidadão. Funciona ao contrário das origens, quando o ouvidor controlava os súditos em prol do rei. Hoje ele defende o cidadão e a pressão exercida sobre o ouvidor, identifica o bom ou mau serviço do setor Público ou Privado.

Cumpre salientar que este é um dos objetivos básicos de nossa Constituição de 1988, onde se prevê a norma para proteger o cidadão perante o Estado – Norma Garantista. A partir deste momento, o processo de criação de Ouvidorias começou a ser difundido em todo país.

OUVIDORIA EM SÃO PAULO

Com a Lei Estadual 10.924, de 20 de abril de 1999, de defesa do usuário do serviço público, e o decreto 44.074, 1º de julho de 1999, que regulamenta a composição e define as competências das Ouvidorias de Serviços Públicos, o Estado de São Paulo estabeleceu que todas as organizações ligadas ao Estado tenham as suas Ouvidorias, formando uma rede.

A lei determina que todos os Órgãos Públicos do Estado nomeiem seus Ouvidores e que as empresas de economia mista e as concessionárias subordinem-se à mesma lei. No Governo do Estado de São Paulo, a Ouvidoria mais antiga é a da Polícia, criada em janeiro de 1995, por meio de um decreto do então governador Mario Covas.

No total, só na área pública, o Estado de São Paulo agrega, segundo informações oficiais do Governo Estadual, cerca de 165 ouvidorias, sendo 26 entre as concessionárias de serviços públicos. Recentemente foi lançado decreto reforçando a lei, que determina a apresentação de relatórios a cada seis meses.

No Setor Privado, observamos que as empresas percebem a necessidade de avançarem além dos serviços básicos de atendimento ao consumidor e agregam a Ouvidoria/Ombudsman, a fim de melhorarem os produtos e serviços oferecidos aos clientes, garantindo a fidelização e boa imagem no mercado. 

OUVIDORIA PARA A CONSOLIDAÇÃO DA CULTURA DE TRANSPARÊNCIA

A Ouvidoria é fundamental para empresas e instituições públicas ou privadas, no que tange a busca pela excelência no atendimento e serviços prestados ao cidadão/consumidor e dentre suas relevantes funções, tem como meta essencial a implementação de melhorias, uma vez que recebe as reclamações, sendo a última instância na esfera administrativa para solução de conflitos.

O papel do Ouvidor é escutar as críticas dos clientes - muitas vezes insatisfeitos com o próprio serviço de atendimento ao consumidor - e encaminhá-las aos departamentos responsáveis, realizando a interface, a fim de que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Com o objetivo de melhorar os serviços e a imagem da empresa, o Ouvidor deve estar preparado para resolver a demanda do cliente/consumidor. Com ele não pode acontecer o que ocorre nas centrais de atendimento, onde, diante de um impasse, abre-se um longo processo para resolver a questão.

Conforme afirma João Elias de Oliveira, ex-presidente da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO):

“O Ouvidor personaliza o atendimento e é cem por cento responsável em garantir que os problemas sejam resolvidos. Ele atua como um advogado do cliente dentro da empresa.”.

 A Ouvidoria recebe elogios, sugestões, críticas e reclamações, apurando as manifestações apresentadas e propondo melhorias nos processos, mitigando conflitos.

Dentre as responsabilidades e metas propostas ao Ouvidor, estão as ações, sendo estas: preventivas, corretivas e de pré-ouvidoria, focadas na diminuição de novas ocorrências, apontando e corrigindo possíveis falhas, propondo e implementando as melhorias necessárias.

Como exemplo, pode ser citado:

Desconto em tarifas bancárias. Cliente que possui desconto no pacote de tarifas em sua conta bancária, porém, devido a uma falha sistêmica, este não ocorre. A Ouvidoria dando ciência ao fato, após o cliente não ter conseguido resolver em primeira instância administrativa – SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor/Cliente), resolverá a questão da melhor forma, fazendo valer o desconto adquirido e corrigindo a falha existente junto às áreas gestoras, acompanhando o trâmite do processo do início ao fim, dando a resposta conclusiva ao reclamante com o pleito atendido.

No caso supramencionado, verifica-se que a falha foi detectada em uma conta bancária de um determinado cliente, porém a demanda recebida poderá beneficiar outros clientes que estão com o mesmo problema de cobrança indevida em suas contas, cuja reclamação não chegou à segunda instância administrativa. Com a implementação de melhoria para a correção da falha sistêmica, todas as contas bancárias que contemplam o desconto poderão ser corrigidas, solucionando a questão.

As pesquisas de mercado também são de suma importância, uma vez que o Ouvidor poderá propor inovações para a empresa ou instituição, a qual integre, agregando um novo método, serviço, funcionalidade, qualidade no atendimento prestado, entre outros aspectos positivos, com foco na melhoria dos processos e serviços ofertados ao cidadão/consumidor.

Nesse sentido, vale ressaltar que o Ouvidor deve estar atento a tudo que ocorre dentro e fora da empresa ou instituição a qual atue, com o devido cuidado de preservar a qualidade de serviços e produtos prestados ao cliente/consumidor, investigando e detectando as falhas existentes, apresentando as propostas de melhorias à Diretoria Administrativa, podendo corrigir e implementar novos procedimentos, que terão o condão de agregar valor, eficiência e celeridade aos processos.

Em suma, vale ressaltar que, é função da Ouvidoria assegurar ao cidadão/consumidor o exame de suas reivindicações, buscar melhoria na qualidade dos serviços prestados, bem como garantir-lhe o direito à informação, respeitando a defesa de seus interesses, disponibilizando um canal de atendimento em alto nível, visando detectar possíveis falhas em procedimentos, serviços e funcionalidades em geral.

É dever do Ouvidor prestar um atendimento de excelência, com foco em relacionamento, não como um sistema meramente operacional, e, sim, na busca pela qualidade e melhor estratégia de negócios, bem como para a preservação da imagem da instituição pública ou privada.

A Ouvidoria está embasada na responsabilidade e seriedade para sua eficácia, assegurando a confidencialidade e proibindo qualquer tipo de retaliação, atuando com a celeridade nos processos, senso crítico e autonomia para tomada de decisões, visando à aplicabilidade das medidas cabíveis, bem como atuar de forma efetiva para a solução do conflito e busca da informação requerida pelo cidadão. 

ÉTICA:

"A virtude moral é uma consequência do hábito. Nós nos tornamos os que fazemos repetidamente. Ou seja: nós nos tornamos justos ao praticarmos atos justos, controlados ao praticarmos atos de autocontrole, corajosos ao praticarmos atos de bravura." - Aristóteles

CONCLUSÃO

A Ouvidoria é um instrumento fundamental para a consolidação da cultura de transparência, garantindo a fidelização dos cidadãos, trazendo fortalecimento da imagem e distinção às Instituições Públicas, com o reconhecimento de suas ações pela transparência e responsabilidade social.


Roberta LídiceRoberta Lídice é Advogada atuante nas áreas do Direito Empresarial e Penal (Preventivo/Consultivo). Consultora em Business Intelligence, com MBA em Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental e Especialização em Direito Empresarial. Ouvidora na Associação Brasileira de Advogados – ABA São Paulo. Examinadora da Comissão de Exame de Ordem da OAB-SP. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Membro do Conselho Editorial – Edições Olejnik, Editora Jurídica Chilena. Autora do Livro “O Contrato de Adesão como Instrumento Regulatório nas Relações Consumeristas e Empresariais”. Autora/Colaboradora da Revista SÍNTESE – Publicações Jurídicas. Autora e coautora de obras e artigos jurídicos e sociais.


Imagem Ilustrativa do Post: I I I I I i I I I // Foto de: João Lavinha // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/joaolavinha/9473034895

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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