O julgamento do século (ou só mais um?) - Por Fernanda Mambrini Rudolfo

28/01/2018

Preciso começar este texto deixando bem claro que sou de esquerda, não bati panela, não saí com camisa amarela homenageando a CBF nem segui patos de borracha. Mas o que escrevo não tem a ver com isso.

Não tem a ver com a adoração a um boneco inflável cujo nome aparentemente foi conferido pelos mesmos profissionais que nomeiam os mascotes da Copa do Mundo ou até as operações da Polícia Federal (Pixuleco?!). Não tem a ver com a falta de respeito com que se tratou a então Presidenta da República, que era, além de tudo, uma mulher e uma senhora, com o bordão “tchau, querida”. Não tem a ver com o silêncio das panelas mesmo diante da corrupção que se vislumbra, dos aumentos da gasolina, do gás, das passagens de ônibus. Bem, tirando a gasolina, acho que eu deveria ter dado exemplos melhores, posto que serviços como o transporte público só afetam aqueles que vêm se manifestando contrariamente ao aumento do seu preço e têm – curiosamente – seu comportamento reprovado pelo pessoal das panelas. Deveria ter falado da ausência de críticas à cobrança por malas despachadas em voos sem que os preços das passagens tenham sido efetivamente reduzidos... Enfim, não tem a ver com nada disso (embora o assunto seja de interesse geral e relevância incessante). O que quero falar hoje tem relação com condenação sem provas.

Independente do que cada um pense a respeito do julgamento do ex-Presidente Lula (e novamente devo deixar muito claro que entendo ter se tratado de um julgamento político, que relegou o processo penal constitucional a um segundo – ou inexistente – plano), é fato que veio à tona a temática referente à condenação sem provas. E muitas vezes ouvi/li dizer que a condenação de Lula carente de provas seria um perigoso precedente, permitindo que outras condenações semelhantes acontecessem. Ocorre que essa afirmação é falsa. Isso, porque “precedente” significa o que vem antes, o que antecede. E as condenações sem provas começaram no Brasil mais ou menos na época em que aportaram as primeiras caravelas. Quem acompanha as fases investigativa e judicial de imputação de um crime a alguém sabe quão violadores de direitos são os procedimentos. O que mais se vislumbra são indiciamentos e encarceramentos meramente especulativos ou mesmo decorrentes de pressão popular ou midiática, assim como condenações que se pautam exclusivamente em “convicções” pessoais, em detrimento de provas (absolutamente ao contrário do que preveem a lei, a Constituição, os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário).

Se a sanha punitivista atinge pessoas financeiramente favorecidas (embora se saiba que esse caso conta com peculiaridades, uma vez que o acusado é um nordestino, de origem pobre, e politicamente inconveniente a um determinado poderoso grupo de pessoas), assistidas por advogados caros e famosos, imaginem o que não acontece com os anônimos! Com os pobres, os fracos em uma sociedade essencialmente opressora.

Portanto, a confirmação da condenação de Lula é lamentável e tem um caráter único pelo peso político que lhe é inerente, mas não é um precedente no que concerne à ausência de provas. Nesse aspecto, é só mais um caso. A porteira já se abriu há muito tempo.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Courtroom One Gavel // Foto de: Joe Gratz // Sem alterações

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