O HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL MILITAR INSTAURADO NO ÂMBITO DAS FORÇAS ARMADAS: como definir a competência?

24/10/2018

 

Inicialmente, destaca-se que o tema sobre o qual se irá discorrer é inusitado, de escassa doutrina e jurisprudência, além de pouco conhecido no âmbito dos advogados, principalmente os que não labutam diariamente na justiça castrense. O texto se originou de um caso concreto, de um habeas corpus erroneamente impetrado perante a 1ª Vara Federal de Cachoeira do Sul-RS, no mês de setembro de 2018.

            Para tanto, este breve artigo abordará a competência para processamento e julgamento do remédio constitucional para trancamento de Inquérito Policial Militar (IPM) conduzido no âmbito das Forças Armadas, diante das diferentes circunstâncias de instauração presentes no CPPM.

            Ainda que pareça óbvio aos familiarizados ao direito militar, é necessário destacar que o IPM se destina à apuração de crime militar e não de transgressão militar, sendo esta apurada por processo administrativo disciplinar. Assim, mesmo que eu entenda que eventual questionamento de PAD devesse ocorrer por mandado de segurança (ação residual, diante da vedação expressa do cabimento de habeas corpus às punições disciplinares militares, prevista no art. 142, § 2º, da CF/88), a jurisprudência do STF admite a impetração do HC para o controle de juridicidade (HC 70.648, RHC88.543 e RE 338.840), o qual deverá ser impetrado originariamente no Superior Tribunal de Justiça, se instaurado ou determinado por Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica (art. 105, inciso I, alínea “c”, da CF/88) ou na Justiça Federal se instaurado ou determinado por qualquer outra autoridade militar competente (art. 109, inciso VII, da CF/88).

            Por sua vez, quando se tratar de IPM, para apuração de crime militar, a competência dependerá da forma de instauração do inquérito. Isso porque o art. 10 do CPPM prevê que o IPM é iniciado mediante portaria: a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator; b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior; c) em virtude de requisição do Ministério Público; d) por decisão do Superior Tribunal Militar; e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar; e f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.

            No caso das hipóteses das letras “a”, “b”, “e” e “f”, a competência é da Justiça Militar da União, uma vez que se está diante de investigação de eventual prática de crime militar, previsto no Código Penal Militar, sujeito à jurisdição especial castrense, conforme os termos do art. 124 da CF/88.

            Isso porque, nestas hipóteses, a autoridade federal está no estrito desempenho de sua competência policial judiciária militar. Assim, os atos, ainda que administrativos, no exercício dessa atividade policial judiciária específica, são considerados atos administrativos especiais, aplicando-se por consequência o controle jurisdicional especial (justiça militar) e não o geral (justiça comum federal).

            Tamanha a importância dada ao habeas corpus em sede de Justiça Militar da União (JMU) que, independente do paciente ou da autoridade militar coatora (excetuado o Comandante da Força Singular), a competência para processamento e julgamento é do Superior Tribunal Militar (STM), retirando-a dos juízes-auditores de 1ª instância, conforme o previsto no art. 469 do CPPM e no art. 6º, inciso I, alínea “c” da Lei nº 8.457/92, que regula o funcionamento da JMU.

            Verifica-se, claramente, que a análise do habeas corpus nestas hipóteses não se encontra dentre as atribuições da Justiça Federal, descritas no art. 109, incisos IV e VII, da CF/88, a quem compete processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, além dos habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição. Não há dúvidas, portanto, de que o ato coator policial militar está sujeito à jurisdição castrense.

            Por outro lado, na hipótese de IPM instaurado por requisição do Ministério Público Militar, a competência é do Tribunal Regional Federal que possuir jurisdição territorial sobre a autoridade coatora (Membro do Ministério Público Militar), mesmo que eu entenda que não há guarida para esta competência no art. 108, inciso I, alíneas “a” e “d” da CF/88, as quais possibilitam que os TRFs processem e julguem, originariamente: 1) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral e 2) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal.

            Isso porque o Supremo Tribunal Federal já assentou a competência dos TRFs em detrimento da competência do STM (RE 141.209, RHC 64.385 e RMS 27.872), entendendo que o Ministério Público Militar integra o Ministério Público da União, nos termos do art. 128, inciso I, “c”, da CF/88, sendo que compete ao TRF processar e julgar os membros do MPU (art. 108, I, a, CF), mesmo que figurando como autoridade coatora.

            Por sua vez, se o IPM for determinado por decisão do Superior Tribunal Militar, a competência para processar e julgar o habeas corpus é do próprio STM, aplicando-se a competência constitucional residual e o previsto no art. 6º, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8457/92.

            Em sede conclusiva, há de se dizer que, por ser o habeas corpus para trancamento de Inquérito Policial Militar medida excepcional, raramente presente no cotidiano da advocacia, o presente artigo, em poucas palavras, objetivou explorar a competência e processamento do remédio para todas as hipóteses de instauração, dando subsídios para a construção do conhecimento jurídico castrense.

 

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