O direito à certidão e o dever

07/01/2016

Por Charles M. Machado - 07/01/2016

A relação do cidadão com o Estado é cercada de vícios e equívocos, construídos muitas das vezes, por uma relação atávica, em que o cidadão repete erros por simples desconhecimento e por completa força do hábito.

Quantas vezes o servidor lhe respondeu com uma negativa, a uma pergunta formulada ao atendente de uma repartição pública, com o simples argumento, de que está previsto na portaria, na instrução, no ofício entre tantos outros expedientes administrativos que quase são de natureza interna, feitos por circular. E se o cidadão pergunta: qual a Lei? Vai receber um sonoro, não sei, mas vou ver.

A experiência me ensinou, que procedimentos burocráticos sempre devem encontrar seu motivo na lei, caso contrário, é um agente administrativo, tomando o lugar do legislador.

O direito tributário, por ser um dos ramos mais recentes do Direito, acaba por assimilar alguns vícios ideológicos, que acabam por confundir o dever estatal com o favor estatal, ficando muito distante dos nossos princípios Constitucionais. O Direito de Certidão encontra-se consagrado no Art. 5º, XXXIV, b, da nossa atual Constituição Federal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) ............;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; ”

Para Nina Ranieri, certidões "são documentos oriundos de autoridade ou de agente do Poder Público, que nessa qualidade provam ou confirmam determinado ato ou fato. São provas documentais, sendo esta sua finalidade. Constituem garantia em favor de terceiro da veracidade do afirmado. As certidões podem ser administrativas ou forenses. Compreendem, em geral, a doutrina e a jurisprudência o conceito de certidão em sentido lato." Continua a citada jurista, consignando que "a moderna doutrina administrativa, em consonância com o desenvolvimento tecnológico, não distingue entre certidões, cópias ou fotocópias de documentos."

Logo, a Magna Carta estabelece duas hipóteses para fornecimento de certidões:

A) para defesa de direitos;

B) para esclarecimentos de situações pessoais. Deverá, portanto, ser declinada as razões do pedido (destinação dos documentos solicitados), para que possa ser acolhido pelo Poder Público (o que se destaca com a Garantia Constitucional do Direito de Peticionar)

Logo, se o pedido de Certidão deve ser feito por escrito, convém destacar algumas das características do Direito de Petição, pra efeitos de comparação:

Petição

  • Defesa de Direitos ou contra ilegalidade ou abuso do poder;
  • Interesse pessoal ou Coletivo;
  • Órgãos Públicos só agem mediante provocação do interessado

CERTIDÃO

  • Defesa de Direitos e Esclarecimento de situações;
  • Interesse individual;
  • Órgãos Públicos só agem mediante provocação do interessado

Dessa maneira, conclui-se que, o direito à obtenção de certidão dos Poderes Públicos, decorre do exercício do direito de petição, portanto, os órgãos públicos, somente agem mediante provocação do interessado, vertida em linguagem competente e materializada na petição em si mesmo considerada, decorrência do ato administrativo sempre de natureza vinculada.

Se o direito de petição cabe a qualquer pessoa, pode ser, pois, utilizado por pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos; por nacionais ou por estrangeiros. Mas não pode ser formulado pelas forças militares como tais, o que não impede de reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das polícias militares o direito individual de petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina. Pode ser dirigido a qualquer autoridade do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.

É importante frisar que, o direito de petição não pode ser destituído de eficácia, motivo pelo qual não pode a autoridade a quem é dirigido escusar pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida motivação.

Diz Pontes de Miranda: "o interesse é de qualquer pessoa que tenha processo em andamento na repartição pública, ou tenha interesse - alegado e provado - nesse andamento...”

Evidentemente que, o direito de petição e de obtenção de certidões não é absoluto, comportando hipóteses de indeferimento pelos órgãos públicos, visto que o juízo de admissibilidade do pedido levará em conta o assunto, e a autoridade a quem o mesmo é dirigido.

A lei nº. 9.051/95 dispõe especificamente sobre a expedição de certidões, para a defesa de direitos e esclarecimentos de situações, estabelecendo os seus limites. Este direito também se encontra resguardado nos termos da Lei nº. 8.159/91, que trata da política nacional de arquivos públicos e privados.

A Magna Carta garante a emissão gratuita de certidão somente quando o documento for para a defesa de direitos ou situações pessoais. “Assim, não sendo verificada a ocorrência das exceções impostas pelo artigo 5º, XXXIV, b, da Carta Constitucional, mostra-se adequada e legítima a cobrança da taxa para a expedição de certidão, na medida em que perfeitamente configurado o aspecto material da hipótese de incidência do tributo, qual seja, a prestação de serviço público específico e divisível.

A obtenção de certidões dos Poderes Públicos, subordina-se ao atendimento de pressupostos constitucionalmente elencados, por ser Direito subjetivo:

A) ser o requerente o interessado;

B) destinar-se ao atendimento das circunstâncias de defesa de direitos e esclarecimento de situações pessoais, com indicação das razões do requerimento, e;

C) não ter o documento natureza sigilosa (arcana praxis). Somente a ausência de um desses pressupostos, enseja o indeferimento do pedido.

É fundamental destacar, diante da negativa ilegal ao fornecimento de certidões, o remédio judicial idôneo para a repressão da ilegalidade é o mandado de segurança, e não o habeas data. Registrado o pedido de certidão, não sendo ele atendido por ilegalidade ou abuso de poder, o remédio cabível para a devida reparação será o mandado de segurança, remédio também previsto na magna carta:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

B) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”

No plano ideológico, deve-se também lembrar, que os institutos jurídicos do direito Privado, por serem milenares, acabam sendo bem mais evoluídos, de tal maneira que a relação entre o Cidadão e o Poder Público, adquire, muitas vezes traços de vassalismo, pois que a atuação administrativa vinculada do Estado, faz crer que em muitos dos seus atos, o poder público, se manifesta fazendo um favor e não cumprindo um dever por ato administrativo vinculado.

Um claro exemplo disso, foi a portaria conjunta da PGFN/SRF, de nº 1, de 18 de março de 2005, que regulamenta a expedição das certidões negativas de débito, especificadas pela Lei nº 11.051/2004, em seu artigo 13 autorizando a Administração Tributária, a expedir certidões positivas com efeitos de negativa de débito, para contribuintes que tenham pedido há mais de trinta dias.

Na época, a primeira repercussão de muitos meios de comunicação festejava tal medida como se a mesma fosse um avanço.

O que a referida norma fez, foi simplesmente dizer que após trinta dias do pedido o silêncio da Administração tributaria, até nova manifestação, deve ser entendido em beneficio do contribuinte.

Ora, festejar tal medida é acreditar que o Princípio da Eficiência, previsto no caput do artigo 37 da Magna Carta, é letra meramente decorativa, cousa que esse escriba se nega a crer, pois ao nosso ver, no Texto Constitucional não existe letra morta, existe sim, Lacunas do Direito, que o intérprete deve preencher, o que nem é o caso em tela.

O Direito à Certidão é uma garantia constitucional prevista no artigo 5º, XIV , b,, e o Nosso Código Tributário Nacional já fez norma geral, dando à administração Fazendária o prazo de dez dias para expedição da certidão, logo, interpretar o texto da lei crendo que a administração tem 30 dias para expedição da certidão é um equívoco dos grandes, pois estaríamos diante de uma falsa antinomia, derrubada por qualquer um dos três critérios que a regem, seja ele hierárquico, cronológico ou especial.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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