Medidas executivas atípicas: alguns limites para a concessão - Por Fernanda Pagotto Gomes Pitta

20/03/2018

Coordenador Gilberto Bruschi

 

Novo Código de Processo Civil mudou significativa a forma de se pensar o processo, com especial destaca para a efetividade do processo. Isso porque, formalidades processuais muitas das vezes mais atrapalham a marcha processual, ao invés de assegurar o devido processo legal, amplo contraditório, paridade de tratamento.

A propósito, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero concluem que hoje não pode o magistrado apenas dizer o direito, mas deve também satisfazer à pretensão da parte. Ou seja, a nova função da jurisdição é efetivar o direito. Vejamos: 

Contudo, dizer que a jurisdição objetiva apenas “declarar” os valores constitucionais normatizados não permite abarcar toda a complexidade da função jurisdicional. Isso porque, ainda que o juiz tenha como parâmetro as normas constitucionais, cabe-lhe, antes de tudo, dar tutela concreta ao direito material, para então buscar no sistema jurídico material. Tanto é verdade que lhe incumbe atribuir sentido aos textos jurídicos e ao caso, definindo as suas necessidades concretas, para então buscar no sistema jurídico a regulação da situação que lhe foi apresentada, ainda que tudo isso obviamente deva ser feito sempre a partir da Constituição. Nada disso pode ser caracterizado como simples “declaração”.

A importância da perspectiva de direito material fica ainda mais nítida quando se percebe que a função do juiz não é apenas a de editar a norma jurídica, mas sim a de tutelar concretamente o direito material, se necessário mediante meios de execução.

O direito fundamental à tutela jurisdicional, além de ter como corolário o direito ao meio executivo adequado, exige que os procedimentos e a técnica processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do direito material e compreendidos pelo juiz de acordo com o modo como essas necessidades se revelam no caso concreto. [1] 

Pois bem, com a ideia de efetividade do processo, para garantir a satisfação de fato da pretensão defendida possibilitou o Novo Código a determinação pelo magistrado de medidas executivas atípicas. Trata-se de poder-dever do juiz de determinar medidas executivas que assegurem o cumprimento efetivo da ordem judicial, que está assim disciplinada: 

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

Referida norma autoriza ao magistrado a determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial (qualquer ordem judicial), inclusive nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias.

Nitidamente foi o legislador o mais abrangente possível, tanto que expressamente prevê a aplicação dessas medidas para as ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

A novidade tem gerada grande polêmica na doutrina e jurisprudência, pois é extremamente abrangente e tem sido utilizada na prática forense de forma frequente e totalmente ilimitada.

Ao que parece, a primeira decisão sobre o tema, com repercussão jurídica, foi proferida nos autos do Processo 4001386-13.2013.8.26.0011, que tramita pela 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, capital paulista.

No caso, a magistrada, com fundamento no dispositivo em comento, determinou a suspensão da CNH – Carteira Nacional de Habilitação e apreensão do passaporte do executado, até o pagamento da dívida. Para a juíza, a lei processual autoriza qualquer medida atípica para forçar o cumprimento.

Entretanto, esse não é nosso posicionamento sobre o tema. Acreditamos que a norma deve ser interpretada (e limitada) dentro de um contexto sistemático.

Em primeiro lugar, o art. 139, do Código de Processo Civil está contextualizado no capítulo “Dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz”. O que demonstra, já no seu título, que o magistrado não tem apenas poderes, mas deveres e responsabilidades.

Sobre o tema, Teresa Arruda Albim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licartro Torres de Mello explicam que: 

A norma, evidentemente, se dirige à conduta do próprio juiz, mas não só a ela. Quanto ao juiz, exige equidistância das partes e de seus interesses expostos no processo. A imparcialidade, comportamento que exterioriza a equidistância, é conduta que se deve exigir do magistrado, em contrapartida às garantias que a Constituição Federal a ela confere expressamente e que tem o potencial de torna-lo imune a todo o tipo de influência que possa desviá-lo dessa linha de conduta: vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade.[2] 

Assim, a atuação do magistrado, na função de magistrado, com seus deveres e responsabilidades, é um primeiro fator limitador para se aplicar medidas executivas atípicas de forma genérica. Especialmente quando se trata de isonomia e imparcialidade. Não pode o magistrado aplicar medidas para ver cumpridas suas decisões de forma a criar uma desigualdade entre as partes e violar sua parcialidade.

Além disso, oportunamente cumpre pontuar que a concessão de qualquer medida executiva atípica de ofício, desprovida de requerimento da parte, por si só, já violaria a parcialidade do magistrado. Isso porque as hipóteses em que as decisões podem ser concedidas de ofício são excepcionais e devem constar expressamente em lei. O que não é o caso do art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil.

Assim, uma forma de atender aos limites funcionais é justamente autorizando essa medida apenas em hipóteses excepcionais, quando esgotadas todas as outras tentativas tradicionais.

Nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. ADOÇÃO DE MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS FUNDADAS NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE MEDIDAS EXECUTIVAS TÍPICAS. CARÁTER SUBSIDIÁRIO DAQUELAS EM RELAÇÃO A ESTAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. As medidas executivas fundadas no art. 139, IV, do CPC/2015, em razão de sua atipicidade, devem ser adotadas excepcionalmente, de forma subsidiária àquelas típicas já previstas no ordenamento jurídico. É dizer, só devem ser utilizadas após esgotados todos os meios tradicionais de execução, de forma subsidiária. (TJ-SP - Agravo de Instrumento: AI 20175118420178260000 SP 2017511-84.2017.8.26.0000. Órgão Julgador 31ª Câmara de Direito Privado. Publicação 11/04/2017. Julgamento 11 de Abril de 2017. Relator Adilson de Araujo) (grifo e negrito nosso) 

Em segundo lugar, a aplicação de medidas executivas não pode extrapolar as partes do processo, mesmo que para fins de cumprimento de uma decisão judicial decorrente de pedido de informações. O que se aplica aos clássicos casos de bloqueio de serviço de WhatsApp, que já ocorreu diversas vezes em razão da empresa responsável, o Facebook, se recusar a disponibilizar a mensagens criptografadas.

Isso porque, ninguém além das partes pode ter sua esfera jurídica atingida por medidas executivas atípicas.

Em terceiro lugar, acreditamos que não é qualquer medida indutiva ou coercitiva que pode ser aplicada à qualquer caso (por mais que essa seja a redação do dispositivo legal).

É indispensável que a medida a ser aplicada guarde uma correlação com o objeto da demanda. Em outras palavras, a intensidade da medida deve corresponder à relevância do bem jurídico que se está tutelando.

Arruda Alvim, ao tratar do tema, reconhece que as medidas executivas devem voltar-se à adequada solução do litígio: “Trata-se de verdadeira cláusula geral executiva, que possibilita decisões de caráter mandamental voltadas à melhor solução do litígio, diante das peculiaridades de cada caso.”[3]

Ou seja, para o autor devem ser analisadas as peculiaridades de cada caso, até para evitar a desproporcionalidade da medida e o direito tutelado.

Com isso, entendemos que as medidas executivas atípicas são mecanismos que podem e devem ser utilizados pelo judiciário para o cumprimento das decisões, até mesmo para que o processo seja efetivo e realmente se preste ao que se propões. Entretanto, não devem ser interpretadas de forma liberal e abrangente.

 

Bibliografia: 

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017 

ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. 

ARENHART, Sérgio Cruz. A doutrina brasileira da multa coercitiva – três questões ainda polêmicas. In: Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 

CÂMARA, Alexandre Freitas. Novo CPC ampliou sobremaneira os poderes do juiz. Consultor jurídico. Disponível em < http://www.conjur.com.br/2016-jun-23/alexandre-freitas-camara-cpc-ampliou-poderes-juiz>. Acesso em 10 de maio de 2017. 

DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Vol 1. 19. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017. 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 

GAJARDONI, Fernando: A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponível em: http://jota.uol.com.br/a-revolucao-silenciosa-da-execução-por-quantia. Acesso em 13 de junho de 2017. 

FREIRE, Alexandre; RAMOS NETO,     Newton Pereira. Art. 139. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (orgs.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016 

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela Sancionatória e Tutela Preventiva. Temas de Direito Processual. 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1980. 

SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016 

SILVA, Ricardo Alexandre. Atipicidade dos meios executivos na efetivação das decisões que reconheçam o dever de pagar quantia certa no Novo CPC. In: MACÊDO, Lucas Bueril et. al. (Orgs.). Novo CPC. Doutrina Selecionada. Volume 5: Execução. Salvador: JusPodium, 2015, p. 443-447. 

STRECK, Lênio; NUNES, Dierle. Como interpretar o art. 139, IV, do CPC? Carta branca para o arbítrio? Disponível em <http://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio>. Acesso em 13 de junho de 2017. 

TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas atípicas e a execução por quantia certa. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 121, março de 2017, disponível em <http://www.justen.com.br/informativo>. Acesso em 12 de junho de 2017. 

TUCCI, José Rogério Cruz. Ampliação dos poderes do juiz no novo CPC e princípio da legalidade. Consultor jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2016-set-27/paradoxo-corte-ampliacao-poderes-juiz-cpc-principio-legalidade>. Acesso em 13 de junho de 2017.

 

[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria geral do processo civil, vol. 1. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 156-157.

[2] ALVIM, Teresa Arruda; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 299.

[3] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: teoria do processo e processo de conhecimento. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 359.

 

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