Lula a casa caiu?

05/03/2016

Por Charles M. Machado - 05/03/2016

Nem tudo que reluz é ouro e nem tudo que balança cai, esse ditado pode muitas vezes ser empregado para descrever situações fáticas do nosso cotidiano. O espetáculo mediático produzido desde as 3 horas da manhã pelo twitter e que ganhou as emissoras de TV logo nas primeiras horas do dia exige de nós estudiosos do Direito uma reflexão. É evidente, que aqui não há espaço para discussão, que não seja transparente na intenção, nem muito menos honesta no propósito, afinal os devaneios ficam para baixo dos lençóis ou para as noites de carnaval, quando o quadro que toma o Estado de Direito é muito sério.

Logo os valores que edificam nossa sociedade, estão previstos na nossa Constituição, por isso o Legislador Constituinte já nos termos do Artigo1°, Parágrafo único, apenas exerce o poder emanado do povo, mas pode fazê-lo diretamente como previsto na Magna Carta, o curioso é que em seu Preâmbulo os representantes do povo da Assembleia Constituinte que deu origem a Magna carta evocam a proteção de Deus, justamente ali na sua certidão de nascimento, afinal é isso que um Preâmbulo Constitucional, à sua Certidão de Nascimento.

Logo o Estado Brasileiro fez uma opção pela crença, diferente de muitas outras magnas Cartas, imaginem a Constituição da China pedindo a proteção de Buda?

Com isso temos um Estado que não é laico nem agnóstico, mas uma Nação de Fé.

A importância disso novamente é reproduzida no Título do Direitos e Garantias Fundamentais, onde se lê: “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:.....

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Por tudo isso é natural que na vida do brasileiro sejamos carregados de figuras de linguagem religiosa, ao ponto de ser comum ouvir “ sou ateu graças a Deus “.

Curiosamente mais do que figuras de linguagem a nossa prática democrática acaba sendo carregada desses valores sendo comum dividirmos tudo entre certo e errado, céu e inferno.

Logo a satanização de uma figura ou de um grupo, é quase sempre uma reprodução estoica da nossa formação cristã, onde de longe todos são santos ou ardem no inferno. A polarização em um mundo dual elimina os diferentes, tornando-nos muitas vezes indulgentes para com as diferenças, logo o sentimento de se fazer justiça, muitas vezes é acompanhado do conteúdo ideológico de fazer nossos oponentes arderem na fogueira do inferno.

A outra consequência dessa divisão ideológica é que a crítica aos mais próximos desaparece, independente dos escândalos vizinhos, afinal de tão próximo, ele pode me parecer igual, com isso privilégios de categorias transformam-se em conquistas, e desvios éticos tornam-se apenas um atavismo da vida pública.

A escolha plebiscitária pelo presidencialismo representa muito bem isso, pois sempre acreditamos em um salvador da pátria, uma figura sobrenatural, num complexo psicológico que sai da esfera da Ciência Política e vira caso para Psicologia.

Logo os valores éticos viram partidários e não pessoais, afinal quem segue o Diabo deve ser adulador de Satanás e que queime na fogueira das redes sociais.

Por isso no dia de ontem nos socorremos da norma, e ao analisar detidamente o Código de Processo Penal, observa-se que este, ao regulamentar a condução coercitiva, o faz de maneira expressa apenas em relação ao ofendido, testemunhas, e aos acusados no processo criminal, como podemos observar:

“Art. 201.  [...]

§ 1  Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.[...]

Art.218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.[...]

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.

É provável, que da maneira que a matéria se encontra regulamentada pelo referido diploma legal acabou por desencorajar o estudo da determinação de condução coercitiva pela autoridade policial no curso do inquérito em que pese esta ter sido plenamente recepcionada pelo artigo 5º LXI da Constituição Federal, uma vez que nem toda privação de liberdade é prisão, que importa necessariamente em encarceramento. Já a condução coercitiva, por si só, jamais importará no cárcere do indivíduo.

Neste particular, insta salientar, que a finalidade precípua da prisão é retirar o paciente do convívio social, para que este não continue transgredindo a ordem jurídica, e onde está esse animus do ex-presidente?

Logo a norma tem uma finalidade de segregação, que a prisão, ressalvados os casos de flagrante delito e crime ou transgressão militar, somente poderá ser decretada pelo juiz competente (art. 5º, LXI da CF), visto que sua aplicação é norma a ser utilizada em casos excepcionais, por isso revestida de uma série de requisitos que em nada se adequam à condução coercitiva, cuja finalidade apenas de fazer com que os sujeitos desta medida colaborem com, logo instala-se ai uma desnecessidade da media, afinal o ex-presidente já houvera prestado outros depoimentos na Polícia Federal, claro que para os interessados, sem esse escândalo midiático.

Desta maneira, quando o Código de Processo Penal, ao regulamentar a condução coercitiva, se valeu da expressão autoridade, este, em regra, pretendeu autorizar sua determinação tanto pela autoridade policial quanto pela judicial, ressalvando-se apenas o art. 260 do CPP, logo portanto faltam as premissas para radicalidade da medida.

Não nos resta nenhuma dúvida que é preciso refundar o Estado de Direito Democrático, sobre os pilares da ética e não apenas da conveniência, seja ela partidária, funcional ou ideológica, a conveniência quase sempre esconde os nossos pecados menores, para eles sempre existirá o perdão pago com a penitência de novas eleições.

Nesse processo muita gente parece esquecer que o processo eletivo para Presidente é feito conjuntamente com Governadores, Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritais, e por meio das coligações são eleitos estando ou não na base de governo.

Logo, para cada um deles existe uma parcela de culpa nesse latifúndio, tá certo que nesse momento da fogueira uns viram santos e outros bruxas e seguidores do belzebu.

Dito isso é sempre mais fácil promover a satanização de um ou de poucos é uma maneira de nos eximirmos de uma discussão mais profunda, pagando nossos pecados com a penitência da perda de privilégios.

Privilégios e vantagens pessoais são muitas vezes um pecado menor, mais o inferno se faz com a soma de todos nossos pecados. Sejam eles uma nomeação em cargo comissionado, um olhar menos atento do fiscal, ou uma gratificação que torna a minha função privilegiada frente aos demais, imaginando que os filhos de Deus fossem distintos aos olhos dele, e logo pudessem ser agraciados como se dádiva fosse.

Por certo é que o inferno é aqui mesmo na terra, construído com a soma de nossos privilégios, é obvio que é muita mais fácil eleger um culpado.

Enquanto não mergulhamos nas soluções legais e institucionais, que aprofundam os valores da ética, estaremos sempre tendo a certeza indubitável de eleger um culpado.

Evidentemente, a literalidade ficcional do texto, se faz necessária para balizar os parâmetros do absurdo, a qual a histeria compulsiva social ganha as ruas como se fossemos nesse teatro apenas espectadores dispostos a vaiar e a aplaudir.

Lembro que a reunião dos homens é quase sempre a eleição das nossas diferenças, assim a construção da sociedade se dá pela edificação de nossas igualdades e diferenças, sendo o cimento harmonizador desse conjunto heterogêneo, o Direito.

Logo o Direito só existe porque somos diferentes, afinal se fossemos tacitamente iguais ele perderia sua razão de ser, ele existe para reafirmar as nossas diferenças valorativas e ideológicas, e assim o intérprete da norma exerce sua prática sopesando os Princípios Constitucionais e por não ser uma ciência exata carrega nas significações do signo normativo uma série de valores que lhe permite chegar a significados dos mais distintos.

Começa ai o primeiro dos problemas, onde manda quem pode e obedece que tem juízo, afinal o texto normativo sempre será a expressão primeira do grupo ideológico dominante.

As ideologias exercem sua dominação pela expressão legal, independentemente de estarmos ou não em uma democracia.

A eleição e o exercício do poder pelas mãos do povo é e sempre será peça de ficção, um exercício demasiado de vontade do querer e não do ser, afinal existe sempre algo nos próximos parágrafos. Se é pelo Direito que se erguem as bases princípio-lógicas do País, e o primeiro pacto legal que seus membros celebram é a Constituição Federal; nela depositamos nossos ideários de vida e de visão de mundo.

Creditar a série de produções normativas que mudam ao sabor do vento apenas à Chefe do Executivo Federal, é de uma ingenuidade atroz, afinal o mandatário nos termos do Artigo1°, Parágrafo único, apenas exerce o poder emanado do povo, mas pode fazê-lo diretamente como previsto na Magna Carta.

É preciso refundar o Estado de Direito Democrático, sobre os pilares da ética e não apenas da conveniência, seja ela partidária, funcional ou ideológica.

O processo eletivo para Presidente é feito conjuntamente com Governadores, Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Distritais, e por meio das coligações são eleitos estando ou não na base de governo.

Logo, para cada um deles existe uma parcela de culpa nesse latifúndio.

O fato é, que o Estado de Direito presente já oferta as ferramentas da mudança, mas muitos de nós teimam em acreditar que o mundo muda sem que nós mudemos.

Atropelar o Estado de Direito em nome da justiça, é o mesmo que construir uma ditadura com a pretensão de que estamos com a razão e somos procuradores dos anseios populares, afinal todos os ditadores sempre agem em nome do povoe para o povo, ao menos nos seus discursos.

Sem isso derruba-se o edifício do Direito construído nas últimas décadas à duras penas, e sem ele só podemos dizer a nosso ex-presidente, Lula, a casa caiu!


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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