Honorários advocatícios dos advogados públicos: sistemática do novo Código de Processo Civil – Por Fábio Jun Capucho

21/05/2017

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Um dos aspectos que mais demandou o envolvimento dos advogados no curso da tramitação do novo Código de Processo Civil (CPC) foi, sem dúvida, a formulação de um novo regime para os honorários advocatícios de sucumbência, mormente em razão da polêmica que o tema despertou no parlamento e que tomou também espaços na imprensa.

Neste artigo procurar-se-á analisar brevemente as regras concernentes aos honorários de sucumbência no contexto das ações judiciais envolvendo a Fazenda Pública[2], mais precisamente a hipótese identificada no parágrafo 19, do art. 85, do CPC, que trata dos honorários devidos aos advogados públicos.

A nova disciplina legal resulta, claramente, de uma tentativa de valorizar a atividade advocatícia e, destarte, corresponde a antigo anseio dos advogados por um modelo condigno de fixação dos ônus sucumbenciais.

Acredita-se que não se deve iniciar qualquer estudo sobre o regime legal dos honorários advocatícios de sucumbência no CPC sem destacar um aspecto fundamental e comum a advogados de toda natureza, consistente na reafirmação da titularidade destes honorários pelos advogados[3].

Consectário desta titularidade ora reafirmada positivamente, é o reconhecimento da natureza autônoma do direito aos honorários sucumbenciais, isto é, independente do direito defendido com sucesso pelo advogado, o que lhe permite tramitar de maneira também independente, conforme a iniciativa de seu titular.

Outra consequência necessária, que felizmente o legislador não deixou de expressar[4], é a identificação dos honorários a uma prestação de natureza alimentar, portanto, um crédito privilegiado normativamente.

Não poderia deixar de ser desta forma, porquanto os honorários advocatícios sucumbenciais servem de contraprestação ao trabalho realizado pelo advogado em cada processo específico.

Tem-se em suma, que o novo CPC foi criterioso e cuidadoso ao tratar do direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, o que é extremamente relevante para o presente estudo, em especial no que se refere aos honorários devidos aos advogados públicos, já que se imporá analisar sua situação à luz do paradigma da autonomia do direito aos honorários sucumbenciais, dado que revoluciona, pensa-se, o tratamento da matéria.

A partir da edição do novo CPC, os honorários advocatícios sucumbenciais, são, inegavelmente um direito autônomo de todo e qualquer advogado (art. 85, caput).

Nesta ordem de ideias, releva destacar a unidade do conceito de advogado, profissional responsável pela orientação e defesa jurídicas das pessoas, naturais ou jurídicas, públicas ou privadas.

A alusão a advogados públicos e privados, por conseguinte, diz respeito a uma classificação baseada em elemento não essencial, que não atinge o núcleo das prerrogativas profissionais da advocacia, que inclui o direito a percepção de honorários advocatícios.

O critério classificatório adotado, afinal, consiste na existência de vínculo entre o advogado e pessoa jurídica de direito público, que se promove mediante a investidura em cargo público de provimento efetivo ou, excepcionalmente, em comissão, caso do Advogado-Geral da União (art. 131, §1o, da Constituição Federal de 1988)[5].

O que releva ter presente, no entanto, como assegurado no art. 3o, §1o, do Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94), é que aos advogados públicos se aplicam dois regimes, o da profissão e o do cargo.

No dizer de Carlos Ayres Britto, existe, no caso do advogado público, uma justaposição normativa entre os papéis de advogado e servidor público, acumulando-se os dois títulos[6].

Portanto, se insiste que na afirmação de que ao advogado cabe o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais (art. 85, caput), está contida a atribuição da titularidade da prestação a advogados privados e públicos.

Deste modo, cumpre discordar daqueles que defendem a incompatibilidade do sistema de subsídio que se aplica aos advogados públicos e a percepção de honorários sucumbenciais.

Tem-se em vista a clássica lição segundo a qual “a norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida[7].

O objetivo da implantação da figura do subsidio foi dar clareza e transparência à remuneração dos servidores públicos, notadamente daqueles agentes cuja posição representa o cume das estruturas funcionais de cada ente público.

Desta maneira, isto é, com a redução de todas as rubricas que tradicionalmente faziam parte da remuneração dos servidores públicos a uma parcela única, pretendia-se facilitar a tarefa do administrador público de controlar as despesas com pessoal, pressuposto para a manutenção da responsabilidade fiscal, conceito presente nos modelos de administração pública gerencial e que, à época da implantação desta figura, orientava a gestão pública federal, quem propôs a alteração constitucional correspondente.

Os honorários sucumbenciais, contudo, configuram rendimentos do advogado, mas não representam dispêndio ou despesa pública e, por conseguinte, não interferem na manutenção da responsabilidade fiscal do ente público.

Negar sua percepção ao advogado público, portanto, não pode ser lógica ou juridicamente sustentado com base na noção de subsidio, tendo em vista sua finalidade e até mesmo seu objeto, já que não se está tratando de prestação inerente ao regime do cargo, mas ao da profissão de advogado, distinção a que se voltará oportunamente.

Seria incoerente, até mesmo, com o sistema constitucional de proteção à pessoa e valorização do trabalho, porquanto se trataria de negar uma prestação assegurada aos demais advogados e que visa retribuir o exercício de atividade profissional.

Plenamente justificada, por conseguinte, a solução encampada pelo legislador de atribuir também aos advogados públicos a titularidade do direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, o que se insiste, foi feito no caput do art. 85, do novo CPC.

Diante desta constatação, qual o sentido do §19, do art. 85, o qual prevê que: “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”? É o que se procurará examinar na sequência.

De pronto, faz-se mister firmar a premissa de que este parágrafo deve ser interpretado à luz do paradigma da autonomia do direito do advogado público aos honorários sucumbenciais, o que importa rever, para afastar, a ideia bastante difundida de que se está diante de benesse outorgada pela entidade de direito público à qual se vincula o profissional.

O advogado público, afinal, registrou-se logo acima, se encontra sujeito a dois regimes distintos, mas harmônicos: o da sua profissão e o do seu cargo.

E a sucumbência, que se apresenta como causa da exigibilidade dos honorários sucumbenciais, é uma questão de direito processual, resolvida legislativamente nos termos da competência constitucional.

Com efeito, o direito foi conferido pela autoridade competente e através do veículo adequado. Competente, pois dispõe o art. 22, I, da Constituição Federal, caber à União legislar, em caráter privativo, sobre direito processual. Adequado, porquanto não se poderia imaginar veículo melhor para uma norma processual do que um novo código de processo civil.

Deste modo, os honorários advocatícios sucumbenciais consistem, inegavelmente, em verba de natureza processual, vinculada a fato estritamente processual, que é a sucumbência.

Portanto, no exercício regular de sua competência, à União era lícito e legítimo que se promovesse a opção pela valorização dos advogados atribuindo-lhes o direito aos honorários sucumbenciais.

Fica claro, consequentemente, e não pode ser ignorado, que os honorários sucumbenciais não se inserem no regime do cargo, mas no da profissão de advogado.

Se o legislador competente a atribuiu aos advogados, não poderia o ente público, a título de estatuir o regime jurídico do cargo, promover outra destinação à verba honorária. Ou seja, ou bem se paga a verba em conformidade com o disposto na norma processual, ou não haverá legitimado a percebê-la.

Daí porque se acredita que, ao afirmar que os advogados públicos perceberão os honorários nos termos da lei, o que se diferiu foi tão somente a disciplina da forma de concretização do direito preconizado no caput do artigo.

Não pode haver dúvida de que a lei a que se refere o CPC no parágrafo em apreço deve limitar-se a concretizar o direito aos honorários sucumbenciais, dispondo exclusivamente sobre a sua arrecadação e distribuição.

Nem se diga que esta interpretação feriria a autonomia dos entes estaduais ou municipais. Deveras, pois não se está restringindo a competência de cada um desses para regular as atribuições, vantagens, prerrogativas ou deveres do cargo.

Cada ente ainda poderá, em especial, seguir fixando a política remuneratória do cargo. O que não poderá fazer será dispor dos honorários sucumbenciais, eis que se trata de rendimento associado ao regime da profissão do advogado público.

Ou seja, o ente público utilizará a percepção de honorários sucumbenciais pelo advogado público tão somente como um dado, mas poderá fazê-lo inclusive para a disciplina da política remuneratória própria do cargo, desde que essa utilização seja pautada pela boa-fé.

Aliás, não é excesso registrar que todo o desenrolar de eventos para efetivar a regra do art. 85, §19, do CPC, haverá de ser pautada pela boa-fé, de natureza objetiva.

Na linha de desenvolvimento do conceito realizado particularmente pela doutrina alemã, a boa-fé objetiva tem sido compreendida pela doutrina e jurisprudência brasileiras como elemento indispensável à proteção da confiança que, enquanto valor não apenas ético, mas também jurídico, deve permear todas as relações intersubjetivas[8].

E, em que pese inicial resistência à sua incorporação no contexto das normas de direito administrativo, como esclarece Diogo de Figueiredo Moreira Neto, as diversas transformações pelas quais vem passando este ramo jurídico, notadamente no que diz respeito aos vetustos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, acabaram por levar à sua adoção também para disciplinar as relações entre os cidadãos e os entes de direito público[9].

Nesta ordem de ideias, a primeira consequência do art. 85, §19, sem dúvida, consiste na obrigatoriedade de legislar ao respeito da distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos. Afinal, é até obvio que não poderá qualquer dos entes públicos (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) negar a destinação dos honorários aos advogados públicos.

E é igualmente certo que tampouco poderão criar obstáculos que esvaziem ou mitiguem a garantia aos honorários sucumbenciais fixada pelo CPC. Adiar a edição de lei, restringindo indevidamente a percepção dos honorários devidos consubstanciaria, por conseguinte, evidente atendado à boa-fé objetiva.

A última questão que se deseja abordar neste resumo diz respeito aos limites do rateio individualmente considerado. Quer-se, com isto, tratar da problemática acerca da sujeição dos honorários sucumbenciais ao teto remuneratório previsto constitucionalmente para os servidores públicos (art. 37, XI, da Constituição Federal).

De pronto se esclarece que a conclusão é pela não sujeição. Nesse sentido, é preciso lembrar que a estipulação de um teto surgiu não com o objetivo de limitar arbitrariamente o acesso dos servidores públicos aos bens da vida ou à contrapartida adequada ao seu trabalho.

Tratava-se de mais uma ferramenta organizacional do estado, no espírito da reforma administrativa promovida pela gestão federal à época, de cujo rol de realizações se destaca a Emenda Constitucional 19/98, e as alterações promovidas nos artigos 37, 39 e 169, da Constituição Federal.

No entanto, há de se recordar, primeiramente, que nem todas as parcelas percebidas por detentores de cargo se submetem ao teto. Essas parcelas possuiriam natureza as mais diversas, como o terço constitucional de férias ou o abono permanência, benefícios oriundos de plano privado de previdência, bolsas de estudo ou gratificação eleitoral[10].

Faz-se este registro para demonstrar que o regime do teto remuneratório contempla exceções, as quais devem ser compreendidas em consonância com o propósito ou finalidade da instituição do limite.

Ora, é imprescindível ter em mente que os honorários sucumbenciais, conquanto representem para o advogado rendimento, não constituem despesa pública, não interferindo com a responsabilidade fiscal do ente público. Logo, mais uma vez, não se pode sustentar lógica ou juridicamente a restrição ao direito dos advogados públicos com base na finalidade do instituto, desta feita, no do teto.

Em conclusão, tem-se que os honorários advocatícios de sucumbência são integralmente devidos também aos advogados públicos, que terão direito à sua percepção independentemente de teto constitucional, cabendo à norma editada pela unidade federativa à qual vinculados dispor apenas sobre a forma de sua distribuição.


Notas e Referências: 

[1] Este texto é um resumo do artigo Honorários advocatícios nas causas em que a fazenda pública for parte: sistemática do novo código de processo civil. In: Camargo, Luiz Henrique Volpe; Coelho, Marcus Vinicius Furtado (Org.). Honorários advocatícios. 1ª ed., Salvador: Juspodium, 2015, p. 385-414

[2] Conforme esclarece Leonardo José Carneiro da Cunha, o termo Fazenda Pública equivale a Estado, ou pessoa jurídica de direito público em juízo (A fazenda pública em juízo. 7a ed. Rev. Amp. e atual., São Paulo: Dialética, 2009, p. 15)

[3] Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

[4] art. 85, §14, do novo CPC

[5] Ou seja, a expressão advogado público exclui aqueles profissionais que advogam para a Administração Pública vinculados apenas contratualmente, portanto sem a necessária investidura administrativa

[6] BRITTO, Carlos Ayres. http://unafe.org.br/wp-content/plugins/downloads-manager/upload/Parecer%20Ayres%20Brito%20-%201º%20.8.2014.pdf, p. 10/11, acessado em 04.03.2015

[7] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 125

[8] WALD, Arnoldo. Principio da confiança. In: Dicionário de princípios jurídicos, Ricardo Lobo Torres [et ali] (org.), Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 178

[9] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 16a ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 96

[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28a ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Atlas, 2015, p. 785


 

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