Coordenador: Gilberto Bruschi
O CPC/2015 foi discutido com a perspectiva de acelerar o tempo de duração dos processos e passou a vigorar nesse ano carregado de uma mensagem de esperança. Esperança depositada no sistema processual, que se pretende seja mais célere e jamais um obstáculo ao pleno exercício dos direitos.
Nesse caminho da tão almejada efetividade do sistema judicial, uma das apostas residiu na alteração do sistema recursal, em diversos de seus aspectos.
Uma das mais relevantes inovações do CPC/15 consta de seus arts. 1.032 e 1.033, que permitem certa aplicação do princípio da fungibilidade no âmbito dos recursos excepcionais – hipótese até então rejeitada pela doutrina e jurisprudência que se formaram na vigência do CPC/73.
O art. 1.032 estabelece que o relator, no âmbito do STJ, entendendo que o recurso especial sob sua análise discute, na realidade, uma questão constitucional, abrirá prazo de 15 dias para que o recorrente demonstre, no caso, a existência de repercussão geral (requisito de admissibilidade exclusivo do recurso extraordinário) e se manifeste sobre a questão constitucional.
Uma vez cumprida essa requisição, os autos serão remetidos para o STF para análise desse recurso extraordinário anômalo. Poderá o STF, entretanto, no exercício de seu juízo de admissibilidade (inderrogável e irrecorrível, é claro), devolver o processo ao STJ, para que volte a ser examinado como recurso especial.
No sistema processual do CPC/73, na hipótese de recurso especial que eventualmente tratasse de questão constitucional, a jurisprudência prevalecente determinava a não admissão do recurso.
O sistema recursal atual passou a comportar essa hipótese de aproveitamento do recurso especial como recurso extraordinário, em nítida aplicação do princípio da fungibilidade, certamente mais compatível com o primado do acesso à justiça e da prioridade do julgamento de mérito.
Do mesmo modo, o art. 1.033 estabelece possibilidade similar para o recurso extraordinário: se o STF entender que a questão tratada no apelo extremo é ofensa meramente reflexa à Constituição, ao invés de não admitir o recurso, como ocorria no sistema processual anterior, tem por dever remeter esse processo ao STJ, para que seja julgado como se fosse recurso especial.
Em ambos os casos aqui tratados, não se faz necessário novo juízo de admissibilidade dos recursos que são convertidos; basta o mero encaminhamento ao outro Tribunal Superior.
O enunciado 564 do FPPC – Fórum Permanente dos Processualistas Civis, apregoa que os arts. 1.032 e 1.033 devem ser aplicados também aos recursos interpostos antes da vigência do CPC/15, mas ainda pendentes de análise de admissibilidade e julgamento. Concordamos com essa interpretação, sobretudo à luz do art. 1.046, do CPC, que expressamente dispõe que “ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes”.
De acordo com os Enunciados 565 e 566 do FPPC, a conversão de um recurso excepcional em outro, nos termos dos arts. 1.032 e 1.033, exige que a parte adversa seja intimada para complementação de suas contrarrazões. Igualmente concordamos com essa hermenêutica, pois o princípio constitucional do devido processo legal impõe a necessidade de efetivo contraditório e ampla defesa.
A fungibilidade entre os recursos excepcionais (recurso especial e recurso extraordinário) se insere no contexto geral de outra grande inovação trazida pelo CPC/2015, que reside na possibilidade geral de sanabilidade dos recursos (art. 932, p. único).
Conforme esse dispositivo, antes de considerar o recurso como sendo inadmissível, o relator concederá prazo de 5 dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível.
Essa medida é salutar e valoriza a primazia do mérito nos julgamentos pelos tribunais. Além disso, vincula-se a diversas disposições do CPC/15, como aquela trazida pelo art. 139, IX, (dever geral do magistrado de saneamento do processo) ou a regra do art. 938, § 1º (saneamento de vício processual do recurso antes de julgado pelo colegiado).
Também fornece respaldo à fungibilidade entre o recurso especial e o recurso extraordinário a previsão do art. 1.029, § 3º, do CPC/2015, que permite aos Tribunais Superiores relevar, nesses recursos, vícios processuais que não sejam considerados graves – algo também inexistente na jurisprudência relativa ao CPC/73.
A prerrogativa constante nos arts. 1.032 e 1.033 do CPC/15, ainda não conhecida de todos, é inovação das mais relevantes, pois permite afastar a indesejável jurisprudência defensiva até então instalada nos assentamentos dos Tribunais Superiores, possibilitando o exercício da jurisdição constitucional e da uniformização da legislação federal.
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