Escola sem partido – Por Léo Rosa de Andrade

13/07/2016

Grupos conservadores de direita requerem neutralidade política na sala de aula. Isso decorre da suposição de que temos algumas ideias puras, não tocadas por ideologias, e outras ideias que teriam sido contaminadas por pensamentos distorcidos.

Esses cuidadores da imparcialidade conjeturam que professores mal-intencionados se fazem instrumentos de dominação da consciência de crianças, apresentando-lhes uma realidade mascarada, desvirtuando-lhes a interpretação certa do mundo.

Talvez não saibam, mas ao suporem isso, estão de pleno acordo com o cânone da esquerda. O fundo do seu discurso coincide com o pensamento de Karl Marx, apenas que, no caso, há uma inversão de posições.

Todo marxista está convencido de que a ideologia da classe dominante aliena, agindo insidiosamente, produzindo na classe dominada uma visão equivocada dos fatos. No caso da sala de aula é o antimarxista que denuncia manipulação.

Ora, não existe imparcialidade na cabeça de absolutamente ninguém. Todos os que vivemos em sociedade e somos alcançados por modos de pensar restamos uma produção ideológica. Inexiste vácuo ideológico ou ideia imaculada.

Os conservadorismos dogmáticos – infelizmente o conservadorismo de esquerda comete o mesmo erro – consideram que outras formas de pensar que não a sua são uma deformidade, um engano, algo a ser reparado.

A esquerda dogmática está segura de que qualquer entendimento que não seja o que professam é ideológico. Essa ideologia não seria uma escolha do indivíduo, mas determinada a ele pelo do modo de produção capitalista. 

A direita dogmática descrê em determinismo histórico; suspeita de conspiração. Professores comunistas estariam, através do que nomeiam marxismo cultural, “fazendo a cabeça” das crianças, incutindo-lhes pensamentos inadequados.

Direitistas dogmáticos acreditam que sua concepção de mundo, sua verdade, é natural, ou advinda da tradição, ou de uma divindade criadora. Não pensam em outra hipótese para a vida em sociedade que não seja a que está posta.

Esquerdistas dogmáticos creem no materialismo dialético; o determinismo histórico levaria o mundo ao desfecho previsto “cientificamente” por Marx. À vanguarda revolucionária caberia o comando da travessia.

Penso que a vida é mais complexa do que ambas essas formatações. E uma das coisas boas da complexidade da existência é que os injunções históricas, lutas individuais, acertos e desacertos da História etc abriram o leque de ideias circulantes.

Fiquemos no Brasil: todo ensino era religioso, depois, com a criação das escolas públicas, o ensino era laico, mas o professor era religioso. Prevalecia, digamos assim, a ideologia do cristianismo cultural.

As professoras chamadas normalistas certificavam-se no segundo grau. Só recentemente as escolas receberam universitária\os para lecionar. Bem, universidade amplia horizontes intelectuais, diversificas as hipóteses explicativas.

Esses variados modos de pensar, de explicações e compreensões de mundo, de ideologias, vão chegar, felizmente, nas salas de aula. As crianças brasileiras, até que enfim, deixaram de receber conhecimento monobáfico.

Então: ideologia em sala de aula? Havia uma. Hoje há variadas. Que efeito isso pode provocar? Eu diria que uma mudança ética excepcional. Diante dos fatos que nos cercam, intelectualmente, três posições são as que mais se ensinam.

Uma, de tradição semita\judaico\estoica\cristã, diz que o mundo é o que deus quer. Disso decorrem as orações, pedidos por interveniência divina etc. É como se os males e bens das nossas circunstâncias não fossem responsabilidades nossas.

A essa vertente acoplou-se outra: a afirmação de que todos temos as mesmas chances de obter sucesso, se fizermos as coisas certas. O sujeito nasce e cresce à margem da sociedade, mas é responsabilizado pela sua marginalização.

Sobrou que o mundo é bom por desígnio divino e o indivíduo miserável é culpado pelas circunstâncias produtoras de sua miséria. A conjugação nefasta dessas duas ideias preenche o imaginário dos países subdesenvolvidos.

As salas de aula, pouco ainda, já acolhem professora\es que aprenderam e ensinam outra coisa: a realidade social é produção humana, boa ou má. Ela\es instruem seus alunos a não se alienarem das situações que os envolvem.

Essa\es mestres têm feito ver à meninada que o Brasil é um país injusto não porque aos pobres é garantido o céu, mas porque aqui sempre poucos apropriaram-se do que deveria ser de muitos. Finalmente falamos alguma verdade sobre nós.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Sala de aula // Foto de: Instituto Ayrton Senna // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/institutoayrtonsenna/13316005693

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura