Esboço de um «modelo naturalista» para o Direito (Parte 20)

11/01/2019

 

Mientras el hombre individual es un rompecabezas irresoluble, colectivamente se convierte en una certeza matemática. No puedes, por ejemplo, adivinar lo que un hombre hará, pero puedes decir con precisión lo que un número medio puede hacer. Los individuos varían pero los porcentajes permanecen constantes. Sir Arthur Conan Doyle

Esta ideia proposta por Fiske – com exploração do significado empírico de que a arquitetura cognitiva de nossas mentes seja constitutivamente social – parece dar  resposta  a muitos dos interrogantes sobre a forma como a organização de domínio específico da mente humana afeta as relações sociais  e condiciona nossas intuições morais : o decidir entre o que é bom e o que não o é em relação aos próprios interesses e dos demais supõe o sentido do que é socialmente apropriado no entorno em que estabelecemos nossos vínculos sociais relacionais.

Como não é possível tratar de relação jurídica (isto é, as relações pessoais dos indivíduos humanos que o discurso jurídico identifica como tal) sem tomar como referência a relação social que a consubstancia e lhe subjaz, um simples exame das características dos quatro tipos de vínculos sociais relacionais propostos por Fiske permite descobrir poderosas e firmes vias de articulação jurídica dessas formas de vida social: modos adequados de combiná-las, de potenciar e cultivar seus melhores lados, e de mitigar ou jugular seus lados destrutivos e perigosos.

O substancial da aportação de Fiske não é, claro está, somente o de demonstrar como em culturas distintas se dão atividades humanas que podem facilmente enquadrar-se em algum destes quatro modelos. O importante é que este antropólogo defende que tal difusão módulo/domínio específico se dá porque está incorporada  de forma necessária  na mente humana, ou seja, de que,  em particular no que diz respeito ao contexto de nossa vida social, estamos cognitivamente dotados com ao menos quatro modos relativamente independentes para processar informação de tipo social relacional, cada um dos quatro provido de um peculiar filtro excludente de informação.

Outra importante contribuição do trabalho de Fiske consiste precisamente em admitir que, para manifestar-se, esses quatro modelos relacionais necessitam da aplicação de regras culturais específicas. Os modelos básicos para a construção das relações sociais são adotados, aplicados, modificados e incorporados à matriz de símbolos e significados que constituem particularidades da cultura humana. Ao incorporarem-se a uma cultura particular, os modelos tomam uma forma peculiar e manifestam aspectos idiossincrásicos. Como as culturas humanas exibem uma quantidade assombrosa de variantes e combinações destas relações elementares para organizar as funções sociais básicas, a experiência histórica indica a cada sociedade que modelos ou composições deles dão bons resultados em seu contexto, movendo-a a cambiar o desenho conforme variam as circunstâncias.

Não obstante, esses quatro modelos, apesar de sua variabilidade em suas manifestações culturais são, segundo Fiske, analiticamente discerníveis. Seu status de entidades culturais é uma característica e uma importante qualidade distintiva dos modelos. Assim, os quatro modelos de sociabilidade proporcionam os fundamentos para a constituição cultural de relações sociais e de status. Isto é, proporcionam o conjunto de marcos básico para a construção cultural do mundo social. Cada cultura os estende, elabora, combina e aplica de forma diferente para alumbrar o que chamamos famílias, alianças, sistemas matrimoniais, sistemas jurídicos, políticos e econômicos, e demais relações, redes e grupos sociais. 

Este é um descobrimento que, por sua natureza e riqueza empírica, deveria fazer refletir profundamente a qualquer um que pretenda fazer filosofia ou ciência jurídica. Isto pela simples razão de que se o direito não é algo meramente substancial, unicamente normativo ou simplesmente nominal, senão que acontece nas relações intersubjetivas em que os homens se reconhecem recíproca e legitimamente como pessoas, o fato de que nossa existência seja ontologicamente coexistencial se traduz em que o sentido do direito e o próprio processo de sua realização estão na convivência humana, cuja natureza repousa nas quatro formas de vida social arraigadas em nossa arquitetura cognitiva e que são exibidos por qualquer cultura humana.

O modelo proposto por Fiske permite explorar o problema da função do direito e o da relação entre o natural e o cultural desde uma perspectiva distinta, capaz de articular a diversidade das formas culturais com a unidade do gênero humano: uma natureza humana comum em que a mente humana não é um recipiente vazio à espera de ser completado por um número infinito e ilimitado de relações sociais tuteladas pelo direito, senão que está constituída por um conjunto muito rico e diverso de mecanismos específicos produto da evolução natural e que inclui capacidades cognitivas relacionais especificamente sociais. 

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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