Entrevista com Dr. George Salomão Leite, autor de "Morte e o Direito"

07/08/2018

1. Dr. George Salomão, qual a proposta do livro " Morte e o Direito"?

A "Morte e o Direito" tem por objeto analisar a existência e condições de exercício do que se denomina "direito fundamental a morte digna". A referência normativa para tanto é o sistema jurídico brasileiro. O livro apresenta um perfil distinto das demais obras existentes na doutrina brasileira, indo direto ao ponto ora objeto de discussão. A obra estabelece um diálogo entre a dogmática jurídica, a filosofia do direito, a filosofia, a moral e a ética. Logo, não nos preocupamos apenas em apresentar argumentos favoráveis e contrários a morte com dignidade, de modo que este é apenas um dos pontos analisados no livro. Como referencial teórico, podemos citar, no âmbito filosófico, Peter Singer, Ronald Dworkin, Manuel Atienza, Aristóteles, Platão, Plinio, dentre outros. A tópica jur&iac ute;dica foi a técnica escolhida para desenvolvimento do trabalho, de modo que demos enfase aos casos concretos na tentativa de buscar uma solução juridicamente adequada, é dizer, justa.

 
2. Quais as motivações para publicar uma obra sobre este tema?
A cada dia podemos ler nos jornais situações nas quais os pacientes desejam abdicar da sua vida em decorrência de uma enfermidade grave ou terminal. Quando isto ocorre, gera todo um conflito entre o paciente, possivelmente a sua família, a equipe médica e o Estado. O tratamento jurídico da decisão concernente ao processo de morrer é praticamente olvidado em diversos sistemas normativos. Não podemos aceitar a resposta simplista daqueles que afirmam que se o direito não disciplinou tal matéria, é porque seria irrelevante ou porque há outras de maior relevo no momento. O problema não reside ai, mas sim no fato em si, que gera discussões de natureza religiosa, ética, moral etc, de modo que várias "forças" sociais não querem por o tema em discussão. Questão similar ocorre com o aborto, que n o momento está sendo discutido no âmbito do STF. O aborto e o direito de morrer com dignidade talvez sejam os temas mais antigos e que continuam ainda a suscitar debates. Todavia, a classe política e jurídica "se recusa" a enfrentar o tema e discuti-lo em definitivo. A possibilidade de se exercer o direito de morrer com dignidade associa-se a outros temas relevantes, a exemplo do transplante de órgãos para salvaguarda de outras vidas humanas ou a utilização de cadáveres para pesquisas em universidades. Sobre este último ponto, aconteceu fato recente na Espanha: a paciente deseja exercer o se direito de morrer com dignidade mas o hospital não permitiu. Mais ainda: a paciente tinha doado o seu corpo pela via testamental ao Hospital Universitário, mas tal decisão foi também prescindida. Enfim, há uma zona de penumbra e incerteza jurídica atinente ao processo de terminalidade da vida humana, de modo que o livro tem esse propósito: discutir e apresentar soluções a tais problemas.
 
3. De que maneira a temática que você aborda contribui com a área jurídica?
De início, achamos oportuno afastar toda uma sorte de classificação proposta no âmbito doutrinário acerca do problema. É o que denominamos "festa das tanásias". Fala-se em eutanásia ativa direta, ativa indireta, passiva etc. De igual modo, temos ainda os conceitos de distanásia, ortotanásia e mistanásia. Ou seja, são muitos "rótulos" para uma única questão: o processo de morrer com dignidade. Esta diversidade conceitual acaba trazendo mais problemas do que soluções. Além disto, tende a obscurecer o debate, ao invés de jogar luzes a discussão. Conforme apontamos na resposta anterior, o nosso pensamento está norteado por situações concretas, de modo que foi com este propósito que realizamos entrevistas com pacientes graves ou terminais em 04 hospitais do mun icípio de João Pessoa. O que pensa e sente o paciente terminal? A estrutura hospitalar na qual ele se encontra interfere em seu processo decisório? Várias questões como estas foram enfrentadas no livro sempre buscando uma solução, digamos, democrática. Uma maioria social não pode impor a parcela da sociedade suas convicções morais atinentes a uma questão que diz respeito apenas ao indivíduo: sua morte. Neste ponto, deve residir a mais ampla liberdade conferida ao ser humano. A liberdade pode ser vista sob uma perspectiva genérica (de ir e vir), profissional, artística, de pensamento etc. Mas por que tolher a liberdade no instante final da vida humana? Qual a razão?
 
4. Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?

Acredito que a principal conclusão e de cunho democrático é permitir que cada qual possa ser livro para decidir o momento e a forma da sua morte. Aqueles que professam uma dada religião e que, por tais razões, preferem continuar sofrendo na enfermidade por reputar a vida uma dádiva divina, deve ter, evidentemente, sua vontade respeitada. No entanto, as outras pessoas que não compartilham de tais convicções e que desejam morrer em decorrência de uma enfermidade, sobretudo porque inexiste mais possibilidade de restabelecimento da sua saúde, devem poder fazer valer este direito, que é ínsito à liberdade e dignidade humana. Não podemos olvidar do princípio constitucional da solidariedade, que norteia também o direito fundamental a morte digna.
 
5. Fale sobre os planos para futuras publicações.

Há diversos projetos sendo concluídos. um deles consiste na releitura da obra "Introdução ao Estudo do Direito", de Tércio Sampaio Ferraz Jr. O livro está pronto e deverá ser publicado em setembro, por ocasião de um Congresso que estaremos fazendo em homenagem ao mesmo. Além deste, um outro trabalho está sendo iniciado: uma espécie de "Diálogos" com um médico e acadêmico Belga. A proposta é bem interessante.
 
6. Qual é a situação atual do Brasil na literatura jurídica?
Com o aumento do interesse nas pessoas em realizar mestrados e doutorados em direito, tal fato reflete substancialmente no processo de produção acadêmica, de modo que atualmente temos uma boa produção literária no campo jurídico. Evidentemente que há também trabalhos ruins, mas ao término de tudo os bons trabalhos é que acabam ficando.
 
7. Se desejar, fale um pouco mais sobre o Título?
O que gostaríamos de falar, ao menos até o momento, já está no livro. Acho que é chegada a hora do leitor se pronunciar; de analisar as idéias lá constantes, refletir e suscitar o debate.
 
 
 

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