Entrevista com Bruna Kern Graziuso, autora do livro " Úteros e Fronteiras: Gestação de Substituição no Brasil e Estados Unidos: estudos comparados"

15/08/2018

1 - Dra. Bruna, qual a proposta do livro "Úteros e Fronteiras: Gestação de Substituição no Brasil e Estados Unidos: estudos comparados"?
O livro intenta quebrar mitos sobre maternidade social, biológica e genética, ao mesmo tempo em que apresenta um estudo comparado da gestação de substituição no Brasil e Estados Unidos, contando com a participação de brasileiros que utilizaram estes serviços nos Estados Unidos. Por fim, apresenta uma análise interdisciplinar global da prática, nas áreas de Direito Internacional Privado e Bioética. 
 
2 - Quais as motivações para publicar uma obra sobre este tema?
A gestação de substituição (popularmente conhecida como "barriga de aluguel") é tema de pouquíssima discussão no país, o que gera diversas interpretações equivocadas da prática. Muitas pessoas acreditam que gestar bebê para terceiros é crime no país, o que não é verdade. Sequer temos uma lei a respeito. O que temos como forma de regulamentação é a Resolução 2.168/2017, do Conselho Federal de Medicina, que restringe a prática para mulheres impossibilitadas de gestar, casais homossexuais e pessoas solteiras, bem como determina que a doadora temporária de útero tenha relação de parentesco em até quarto grau com algum dos pais intencionais (exceções são passíveis de autorização do Conselho Regional de Medicina do Estado onde os pais intencionais residem), além de não poder ter esta qualquer caráter lucrativo ou comercial. Ocorre que muitos pais intencionais não possuem mulheres na família dispostas a serem doadoras temporárias de útero, ou simplesmente não gostariam de ter uma relação tão próxima com a mulher que gestará seu filho. Assim, me interessava muito por analisar a prática de gestação de substituição transnacional, na qual pais intencionais - de países com regulamentação restritiva ou proibitiva - buscam estes serviços em país estrangeiro, com regulamentação permissiva. Analisei todas as legislações permissivas nos Estados Unidos, existentes oficialmente em 13 estados do país. A participação de brasileiros que utilizaram estes serviços transnacionais foi fundamental para compreender as razões que levam as pessoas a buscarem uma doadora temporária de útero no exterior, as implicações da regulamentação brasileira na vida destas pessoas e se haviam dificuldades no registro civil das crianças.   
 
3 - De que maneira a temática que você aborda contribui com a área jurídica e social?
Temos poucas análises efetivas em direito comparado no país. Não me restringi apenas na análise da regulamentação atual da gestação de substituição nos países estudados, mas realizei uma análise histórica dos direitos reprodutivos em ambos desde o período da escravidão. Compreender como chegamos nas regulamentações atuais é imprescindível para buscarmos uma regulamentação melhor no futuro. Ainda, o fenômeno que é a prática transnacional não pode ser ignorado pela comunidade jurídica internacional, razão pela qual apresentei, além de um enquadramento legal da prática, também um possível enquadramento ético, visando sempre a proteção da doadora temporária de útero, que muitas vezes é parte mais vulnerável entre os atores envolvidos. 
 
4 - Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?
Foi observada a importância simbólica da gestação como afirmação da maternidade, ligando muito ainda a maternidade ao ato de dar à luz. Assim, muitas pessoas não conseguem compreender que a doadora temporária de útero não é mãe da criança que gesta, que não está "vendendo seu filho", como muitos acreditam. A pesquisa empírica com brasileiros demonstrou um desconforto com as restrições impostas a doadora temporária de útero na regulamentação brasileira, muitos destacando a impossibilidade de remuneração destas frente a todo trabalho gestacional que prestam. A escolha pelos serviços de gestação de substituição nos Estados Unidos envolvem diversos fatores, mas o principal está nas facilidades burocráticas: os nomes dos pais intencionais já pode sair automaticamente na declaração de nascimento vivo do bebê, documento anterior a certidão oficial de nascimento. A aceitação pelos consulados brasileiros destas certidões de nascimento estrangeiras também é bastante elogiada, pois facilita a emissão de passaporte da criança e consequente retorno ao Brasil. Também trago algumas reflexões sobre direitos reprodutivos, desigualdade de gênero e controle do Estado sobre os corpos femininos, principalmente no que diz respeito à reprodução. 
 
5 - Fale sobre os planos para futuras publicações.
Pretendo dar seguimento na pesquisa da temática de gestação de substituição, agora focando mais nos aspectos sociológicos da prestação de serviços gestacionais das doadoras temporárias de útero. Em suma, pretendo enquadrar a gestação de substituição como trabalho reprodutivo. 
 
6 - Se desejar, fale um pouco mais sobre o Título?
"úteros e fronteiras" remete as transposições fronteiriças realizadas por pessoas com dificuldades reprodutivas na busca da tão desejada parentalidade. Ao mesmo tempo, não são "úteros sem fronteiras": os custos elevados da prática em país estrangeiro comprovam não apenas fronteiras de classe, mas também fronteiras de gênero e raça. Seguindo a mesma analogia, podemos pensar nas fronteiras que barram a remuneração financeira das doadoras temporárias de útero em diversos países, em contrapartida com a remuneração financeira de médicos, clínicas e demais intermediários envolvidos na prática. No final, as fronteiras são sempre muito mais duras para as mulheres. 
 
 
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