Drogas, por que legalizar? A interferência do Direito Penal na questão das drogas. Parte 2 – Teorias Penais (Minimalismo Penal)

09/07/2016

Por Rodrigo Darela de Souza - 09/07/2016

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2 Breve consideração sobre Minimalismo Penal

Os adeptos dessa concepção creem que o direito penal serve somente para proteger os bens jurídicos mais importantes (homicídio, estupro, latrocínio, por exemplo), necessários e vitais ao convívio em sociedade, aqueles bens que, pela sua importância, não conseguem ser protegidos por outros ramos do direito.

Situa-se essa teoria num meio termo entre abolicionismo e teorias como movimento “lei e ordem”. Assim sendo, o Direito Penal deve atuar somente sobre bens jurídicos que, de nenhum modo, outros ramos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo, por exemplo) consigam proteger de modo eficaz.

Existem vários tipos de minimalismos, sendo o deste trabalho aquele que propõe a contração da atuação penal apenas para proteger bens jurídicos mais relevantes. Porém, existem outros, por exemplo, o defendido por Zaffaroni (apud QUEIROZ 2005, p.101) em que afirma que “o direito penal mínimo é uma proposta que deve ser apoiada por todos que deslegitimam o sistema penal, porém não como meta insuperável, mas como passo ou trânsito ao abolicionismo”.

Dessa forma, ao contrário do que hoje vemos ocorrer no Congresso, deveríamos ter uma deflação do direito penal, e não uma Inflação, como ocorre. Todos os dias novas leis penais são criadas, penas são majoradas e, de acordo com o direito penal mínimo, deveria haver justamente o oposto, pois, não é a ameaça de pena que inibe a criminalidade, mas a certeza de punição.

Conforme Beccaria (apud GRECO 2011, p.16) “A certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança da impunidade”.

Percebemos claramente as varas criminais abarrotadas de processos que levam quase décadas para serem julgados, e a deflação legislativa penal contribuiria a um processo mais célere, respeitando o devido processo legal e todas as garantias constitucionais, e ao mesmo tempo contribuiria para um desafogamento do sistema penitenciário, que hoje em quase todos locais está com a lotação máxima extrapolada.

Crimes contra a honra e contravenções penais, só para citar como exemplos, deveriam de imediato ser abolidos do âmbito penal, pois, de acordo com o princípio da subsidiariedade (subespécie de intervenção mínima), outros ramos do direito podem muito bem proteger este bem jurídico, como o direito civil.

Aliás, em casos de crimes contra a honra pode haver a retratação do agente em âmbito processual, acarretando extinção da punibilidade (art.107,VI CP), o que torna a ação penal apenas um desgaste processual inócuo, podendo desde logo resolver tal litígio em âmbito civil.

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

(BRASIL, 1940, grifo nosso).

Importante salientar que isso não impede, dentro da perspectiva minimalista, que se amplie em alguns casos a intervenção penal, desde que absolutamente necessária à proteção de interesses sociais fundamentais.

E vários são os dispositivos que merecem análise para serem descriminalizados, e tais conflitos passarem a serem resolvidos em outros ramos do direito, de modo que o direito penal protegeria assim bens jurídicos de maior relevo, não resolvidos por outros ramos do nosso direito.

O raciocínio do direito penal mínimo implica a adoção de vários princípios que o legislador deve ater-se no momento da criação e revogação de leis penais e aos aplicadores da lei penal, para que se produza uma correta interpretação.

Importante sempre lembrar que, no conflito entre princípios e regras, ambos espécie de normas, há a prevalência dos princípios, de modo que demonstra-se sua importância jurídica.

Essa é uma inovação do direito constitucional moderno, que supera o positivismo jurídico e, após a Segunda Guerra Mundial, vemos então um novo movimento constitucionalista: o pós-positivismo, onde princípios ascendem à condição de norma, que se torna gênero que tem como espécies os princípios e as regras (lei em sentido estrito). No conflito aparente de normas, haverá prevalência do princípio sobre a regra.

Segundo Marmelstein (2014, p.11):

essa nova concepção, ao contrário do que possa parecer, não abre mão do direito positivo. A norma continua sendo o principal objeto de estudo do jurista. No entanto, a norma, para o operador do direito, deixa de ser “neutra”, passando a conter forte ideologia, de modo que princípios como a dignidade humana, da igualdade, solidariedade, autonomia da vontade, liberdade de expressão, livre desenvolvimento da personalidade, legalidade, democracia, seriam tão vinculantes quanto qualquer outra norma jurídica. A observância desses princípios não seria meramente facultativa, mas tão obrigatória quanto a observância das regras/leis. E o mais importante: as regras/leis somente seriam válidas se estivessem de acordo com as diretrizes traçadas nos princípios, reforçando uma ideia atualmente aceita de que os princípios possuem uma função de fundamentação e de legitimação do ordenamento jurídico. (Grifo nosso).

Sobre a prevalência dos princípios, ainda, aduz Gomes (2015, p.8):

Qual o valor jurídico dos princípios? Os princípios não são apenas um conjunto de valores ou de prescrições éticas ou programáticas. São normas jurídicas de caráter cogente. De outro lado, a eficácia prática dos princípios irradia-se não só ao momento legislativo de elaboração da norma penal (quando o legislador cria a lei penal), senão também ao aplicativo e interpretativo (nem o intérprete nem o juiz podem ignorá-los), bem como no momento executivo (no momento da elaboração de políticas preventivas assim como quando se vai concretizar o comando sancionador contido na sentença condenatória, ou seja, no momento da execução da pena). (Grifo nosso).

Dentre os princípios constitucionais penais indispensáveis a este raciocínio, destacam-se: a dignidade da pessoa humana, intervenção mínima, lesividade, adequação social, insignificância, individualização da pena, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade. Fazendo uma breve abordagem sobre tais princípios, segundo Greco (2011, p.30-35):

a) Dignidade da Pessoa Humana: Este princípio fundamenta os direitos e garantias fundamentais insculpidas em nossa constituição. Serve de base a todo ordenamento jurídico e deve ocupar o centro das atenções do Estado, pois não há Estado Democrático de Direito sem haver, ainda que implicitamente, o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana. Está positivado no art.1º,III, da CF.

b) Intervenção Mínima: Este princípio é considerado o coração do direito penal mínimo, e sua missão é orientar o legislador quando da criação ou revogação dos tipos penais. Segundo Greco, todo raciocínio correspondente ao princípio da intervenção mínima girará em torno da proteção dos bens jurídicos mais importantes existentes na sociedade, bem como a natureza subsidiária do Direito Penal”.

c) Adequação Social: orienta o legislador tanto na criação quanto na revogação de tipos penais. Condutas que no passado eram consideradas socialmente inadequadas, se hoje já forem aceitas pela sociedade, farão com que o legislador afaste a criminalização.

d) Lesividade: este princípio é o terceiro passo para a criação de tipos penais. Por mais importante que seja o bem, que a conduta seja inadequada socialmente, somente poderá haver criminalização de comportamentos se a conduta do agente ultrapassar sua esfera individual, atingindo bens de terceiros.

e) Insignificância: a aplicação deste princípio conduz à atipicidade material do fato praticado. Se chegarmos à conclusão, mediante análise dos princípios anteriores, de que o patrimônio, por exemplo, é um bem importante a ponto de ser protegido pelo Direito Penal, devemos perguntar no caso concreto se o bem subtraído goza desse status.

f) Individualização da pena: previsto no art. 5º, XLVI da CF/88:

art. 5º, XLVI: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

c) multa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

(BRASIL, 1988, grifo nosso).

Através desse princípio, cada bem jurídico tutelado possui uma importância singular, que merece proteção na medida de sua importância, individualizando, portanto, a pena, que pode ocorrer tanto na fase de cominação, quanto de aplicação e até mesmo na execução.

g) Proporcionalidade: a pena deverá ser proporcional ao mal praticado. Está intimamente ligada à individualização da pena. Já dizia Beccaria (1996, p.39), “para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pela lei”.

h) Responsabilidade Pessoal: também conhecido como princípio da pessoalidade ou intranscendência da pena, conforme art. 5º, XLV da CF/88: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. (BRASIL, 1988).

i) Limitação das Penas: encontra fundamentação também na Constituição em seu art. 5º, XLVII: não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. (BRASIL,1988). Tais proibições encontram fluidez também no princípio da dignidade da pessoa humana.

j) Culpabilidade: a ação do agente tem que ser passível de censura, agindo com dolo ou culpa.

k) Legalidade: fundamentação constitucional no art 5º, XXXIX e art. 1º do Código Penal: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Este princípio também deve ser observado tanto na aferição formal (subsunção), quanto material, ou seja, deve o intérprete avaliar a legalidade formal e também a legalidade material, observando se o conteúdo da lei penal não contraria dispositivos principiológicos da Constituição. (BRASIL, 1988).

Portanto, num Estado verdadeiramente Democrático de Direito, não se admite que, em nome de uma “suposta Justiça”, se violem direitos fundamentais e princípios. É equivocado pensar, como alguns pensam, que defender um direito penal constitucional, respeitando direitos e garantias fundamentais, é pactuar com a impunidade.

Marmelstein (2014, p.189), a respeito afirma que:

os direitos fundamentais não compactuam com a impunidade. Na verdade, esses direitos são instrumentos de proteção da dignidade humana e à limitação do poder. Logo, não podem servir justamente para acobertar as práticas criminosas que violem essa dignidade.

Vemos, assim, que a própria teoria dos direitos fundamentais não compactua com impunidade, de modo que é equivocado pensar dessa maneira. O que não se pode é jogar séculos de luta por concretização de direitos no “lixo”, em nome de uma suposta Justiça, que na verdade está escondida sob o desejo de “Vingança”.

O direito não pode jamais ser sinônimo de vingança num Estado verdadeiramente democrático. Estado não se vinga, apenas pune por fatos praticados e previstos como crimes, pois, conforme Queiróz (2005, p.111) “tão grave e importante quanto o controle da violência, é a violência do controle”.

Como afirma Queiróz (2005, p.112-113):

naturalmente, porém, que direito penal mínimo, que é o mesmo que se dizer direito penal da Constituição ou conforme a Constituição, não é em si uma solução, mas parte da solução, pois o decisivo para o controle racional da criminalidade, a par da eficientização ou democratização do controle social não-penal é privilegiar intervenções estruturais (etiológica) e não simplesmente individualizadas e localizadas (sintomatológicas), sobretudo com vistas a melhorar as condições de vida das populações marginalizadas, por meio de políticas sociais de integração social do homem. Um direito penal mínimo não é só, portanto, um programa de um direito penal mais justo e eficaz; é também, sobretudo, parte de um grande programa de justiça social e pacificação dos conflitos. Assim postas às coisas, terá o direito penal um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política social ainda é a melhor política criminal (Mezger). Porque, no fundo, e como se vem demonstrar, segurança e proteção têm pouco a ver com a proteção penal ou com o aumento de sua carga repressiva, isto é, o controle da criminalidade tem, em verdade, pouco a ver com o controle penal (polícia, juízes etc.).

Dentro da visão do direito penal mínimo, o direito penal tem como finalidade a proteção de bens jurídicos. Conforme Greco (2013, p.2):

a finalidade do direito penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou, nas palavras de Luiz Regis Prado, “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do direito penal radica na proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e a sociedade”. Nilo Batista aduz que “a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena”. A pena, portanto, é simplesmente instrumento de coerção de que se vale o direito penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. 

Dessa forma, podemos considerar como possível, o entendimento de que o direito penal mínimo encontra consoante reflexo na Constituição. Seus princípios podem ser considerados princípios constitucionais penais, pois, conforme Gomes (2015, p.11):

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o minimalista ou o abolicionista? Os princípios penais extraídos direta ou indiretamente de nossa Constituição Federal indicam a opção político-criminal (preponderante) pelo minimalismo penal (que vê o direito penal como conjunto de normas que limitam a liberdade assim como, ao mesmo tempo, o poder punitivo do Estado). Com isso fica refutado o abolicionismo penal (seja o moderado, seja o radical – Hulsman, Christie etc.; o abolicionismo radical afasta qualquer aplicação do direito penal, levando os conflitos para outras esferas de resolução, como a civil, administrativa etc.; o abolicionismo moderado propõe a abolição da pena de prisão, que seria mais nefasta que útil para o controle da delinquência). Mas entre a teoria e a prática há uma grande distância. Na prática se nota nitidamente uma tendência maximalista (uso máximo ou desproporcional do direito penal). Os princípios assim como os postulados político-criminais estão contemplados no texto constitucional e nos tratados de direitos humanos de forma expressa (princípio da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade etc.) ou implícita (exclusiva proteção de bens jurídicos, ofensividade do fato etc.) (Grifo nosso). 

Desse modo, poderemos adiante vislumbrar que uma política criminal de drogas que esteja de fato comprometida com a saúde pública, e, ainda, comprometida com o fim do narcotráfico e da “guerra às drogas”, encontrará fundamento de validade na teoria do direito penal mínimo, que, segundo alguns autores supramencionados, encontra consoante reflexo em nossa constituição. No próximo artigo, um breve histórico da proibição das drogas.


* Artigo elaborado a partir da monografia apresentada para obtenção do título de bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 06/2016.


Rodrigo Darela de Souza. . Rodrigo Darela de Souza é Graduado em História, Graduado em Direito, Especializado em Direito Penal e Processo Penal. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Combate à criminalidade e ao tráfico de drogas // Foto de: Fotos GOVBA // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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