Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria

08/06/2018

Coluna Resenha Forense

Confira a análise no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=-Vj9Cx8OXQQ&lc=UgxhIpg-311nfGPXJV94AaABAg 

Quem foi Cesare Beccaria? O homem agora resenhado foi um iluminista. Sua principal obra, Dos delitos e das penas, tem o peso de ser uma verdadeira “bandeira do Iluminismo italiano e europeu”, já que representa “um dos maiores momentos da prosa científica do século XVIII e um dos mais altos momentos na história do avanço das idéias”[1].

Beccaria nasceu em Milão, no ano de 1738. Frequentou o Colégio dos Jesuítas de Paris. As obras Lettres Persanes de Montesquieu e De L’Espirit de Helvetius influenciaram sua formação. Um bom resumo biográfico de Beccaria é dado por José Cretella Jr. e por Agnes Cretella, responsáveis pela tradução que optamos por resenhar:

Tendo conhecido as agruras do cárcere, para onde foi enviado por injusta interferência paterna, logo ao sair se insurgiu Beccaria contra as injustiças dos processos penais em voga, discutindo com os amigos, entre os quais se destacam os irmãos Pietro e Alessandro Verri, os diversos problemas relacionados com a prisão, as torturas e a desproporção entre o delito e a pena. Nasceu, assim, o livro Del Delitti e delle Pene, escrito aos 26 anos de idade. Receoso de possíveis perseguições, imprimiu a obra, secretamente, em Livorno, e, mesmo assim, abrandando sua colocação crítica com expressões vagas e genéricas.

O livro Dos Delitos e das Penas é, de certo modo, a Filosofia francesa aplicada à legislação da época. Contra a tradição clássica, invoca a razão. Torna-se o arauto do protesto público contra julgamentos secretos, o juramento imposto ao acusado, a tortura, o confisco, a pena infamante, a delação, a desigualdade diante da sanção e atrocidade do suplício. Ao sustentar que “as mesmas penas devem ser aplicadas aos poderosos e aos mais humildes cidadãos, desde que hajam cometido os mesmos crimes”, Beccaria proclamou com desassombro, pela primeira vez, o princípio da igualdade perante a lei. Estabeleceu limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre o pecado e o crime. Condenou o pseudodireito de vingança, tomando por base o ius puniendi e a utilidade social. Considerou sem sentido a pena de morte e verberou com veemência a desproporcionalidade entre a pena e o delito, assim como a separação do Poder Judiciário do Poder Legislativo. O sucesso da obra foi imediato, principalmente entre os filósofos franceses. O abade Morellet traduziu para o francês o livro Dos Delitos e das Penas.

Diderot anotou-o, Voltaire colocou-o nas nuvens e comentou-o. D'Alembert, Buffon e Helvetius manifestaram desde logo admiração e entusiasmo pelo novo e audacioso autor. Em 1766, tendo ido a Paris, foi alvo das maiores demonstrações de apoio. Regressando, porém, a Milão, teve de suportar infamante campanha por parte dos inimigos, que se apegavam aos preconceitos para acusá-lo de heresia e de desobediência contra a Igreja e contra o Governo. A denúncia não teve maiores conseqüências, mas Beccaria, daí por diante, foi mais reservado, com medo de que novas perseguições o levassem à prisão.

Em 1768, o Governo da Áustria, sabendo que ele recusara as ofertas de Catarina II, da Rússia, que o convidara para lecionar em São Petersburgo, criou, especialmente para Beccaria, a Cátedra de Economia Política.

Cesare Beccaria morreu em Milão, em 1793, legando ao mundo o seu pequeno grande livro Dos Delitos e das Penas, obra notável, cujo remate, apresentado no teorema final, serve, ainda hoje, de assunto de meditação e análise por parte dos criminalistas.

O livro de Beccaria foi traduzido em todas as línguas cultas do mundo. No Brasil, há uma dezena de traduções, como, entre outras, a de Aristides Lobo, com prefácio de Evaristo de Morais, publicada pela Atena Editora, em São Paulo, há cerca de meio século, num total de XLII capítulos.

[...]

O estilo de Beccaria é barroco, prolixo, com inúmeras metáforas e pensamento nem sempre preciso, longe, por exemplo, do límpido e claro estilo de um Descartes, no Discurso do Método[2]

A obra: Dos delitos e das penas pode ser considerado livro curto. Nossa edição tem 139 páginas, aí inseridas notas de tradutores e outros elementos extratextuais. As páginas são distribuídas em 47 capítulos. Antes deles, Beccaria fez outros dois tópicos: “a quem ler”[3], seguido de uma “introdução”. Vamos examiná-los, um a um, resumidamente.

I. “Origem das penas”. Já no primeiro tópico, Beccaria já mostra sua nota contratualista: “leis são condições, sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de conservá-la. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma de todas essas porções de liberdades, sacrificadas ao bem de cada um, forma a soberania de uma nação e o Soberano é seu legítimo depositário e administrador. Não bastava, porém, formar esse repositório. Era mister defende-lo das usurpações privadas de cada homem [...]. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o despótico espírito de cada homem de submergir as leis da sociedade no antigo caos. Essas são as penas estabelecidas contra os infratores da lei”[4].
 
II. “Direito de punir”. Citando Montesquieu, diz Beccaria que a pena que não derivar da “absoluta necessidade” será “tirânica”[5]. No contrato social, nenhum homem teria entregue gratuitamente parte de sua própria liberdade: tal decorreu mesmo de uma “necessidade”. E “o agregado dessas mínimas porções [de liberdade cedida] é que forma o direito de punir”. O resto, diz Beccaria, “é abuso e não justiça, é fato, mas não direito[6].
 
III. “Consequências”. Beccaria aponta três consequências dessa ordem inicial de ideias: 1.ª) “só as leis podem determinas as penas fixadas para os crimes, e esta autoridade somente pode residir no legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. Nenhum magistrado (que é parte da sociedade) pode, com justiça, aplicar a pena a outro membro da mesma sociedade, pena essa superior ao limite fixado pelas leis, que é a pena justa acrescida de outra pena”[7]; 2.ª) “se cada membro em particular está ligado à sociedade, essa sociedade está igualmente ligada a todos os seus membros por um contrato que, por natureza, obriga as duas partes”, de maneira que “é, pois, necessário que um terceiro julgue a verdade do fato”. Disso decorre “a necessidade do magistrado, cujas sentenças sejam inapeláveis e consistam, tão só, em afirmações ou negações de fatos particulares”[8]; e 3.ª) “mesmo provada que a atrocidade da pena, não sendo imediatamente oposta ao bem comum e ao próprio fim de impedir os delitos, fosse apenas inútil, ela seria, ainda assim, contrária não só às virtudes benéficas, efeito de uma razão esclarecida, que prefere o comando de homens felizes ao de um rebanho de escravos, em meio aos quais circulasse, perpetuamente, uma tímida crueldade, contrária também à justiça e à natureza do próprio contrato social”[9].

I. “Interpretação das leis”. Beccaria traz uma quarta consequência (somado ao rol das três citadas no item III): “a autoridade de interpretar leis penais não pode ser atribuída nem mesmo aos juízes criminais, pela simples razão de que eles não são legisladores”[10]. Chama-se atenção, aqui, ao risco que há em “consultar o espírito da lei”, pois “este é um dique aberto à torrente de opiniões”[11]. Esse alerta do autor que agora resenhamos parece ter sido ignorado por Luís Roberto Barroso, que defendeu, abertamente, um “papel iluminista” do STF – esta corte teria de “obedecer ao sentimento social filtrado pela razão”[12]. Como se percebe, o iluminista Beccaria criticou, há séculos, justamente esse tipo de tese que vem sendo proposta pelo Min. Barroso.

II. “Obscuridade das leis”. Neste item, o autor resenhado avisa que grande é o mal “se as leis forem escritas em língua estranha ao povo”. Sem a escrita, diz, “a sociedade jamais teria forma fixa de governo”. “A experiência e a razão demonstraram-nos que a probabilidade e a certeza das tradições humanas diminuem à medida que estas se distanciam da fonte. Se não houver monumento estável do pacto social, como resistirão as leis à força inevitável do tempo e das paixões?”[13]. Aí se pode concatenar o nullum crimem nulla poena sine lege, já previsto na Magna Charta de 1215 (art. 39). Essa fórmula latina (nullum crimem nulla poena sine lege), tal qual prevista na Magna Charta, foi o “embrião da ideia de limitação do poder punitivo estatal, posteriormente desenvolvida por Locke (século XVIII), Montesquieu e Beccaria (século XVIII) e adotada pelas constituições das colônias americanas, notadamente a de Virgínia, de onde, retornando à Europa, influiu no novo regime implantado pela Revolução Francesa, sendo o princípio da legalidade incluído taxativamente na célebre Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A partir daí o princípio da legalidade passa a ser adotado pelas diversas legislações penais”[14]. Aliás, entre nós, o princípio da legalidade ingressou logo na Constituição Imperial de 1824 (art. 179, inciso II) e, também, no Código Criminal de 1830[15]. Sobre o assunto, disse Hans Welzel:

Invocando a Magna Carta Libertatum, foi proclamada na Constituição norte-americana de 1774 e na Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. Encontrou grande expressão no Código Penal de 1787, do imperador germânico e co-regente José II, e no Preussiches Allgemeine Landrecht [Código Geral prussiano] de 1794. A fórmula latina provém de Anselm von Fuerbach (em sua Lehrbuch de 1801). No século XIX foi incluída no direito penal de quase todos os estados civilizados. Certa exceção faz o direito penal dinamarquês (também o novo C. P. dinamarquês, de 1930) no sentido de que – como o sustentou Binding H. Mayer, Handbuch, págs. 17 e ss., – admite uma punição análoga. Uma posição especial ocupa no direito penal inglês, porque se baseia somente em parte no direito escrito – o statue law – e, em outra parte, sobre a tradição jurídica do juiz – a common law –, que, porém, condiciona fortemente o magistrado ao precedente de juízos anteriores[16].

E Luiz Regis Prado:

[...] não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e suas respectivas consequências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). [...]. Os axiomas garantistas decorrentes da legalidade penal são assim relacionados: nulla poena sine crimine; nullum crimen sine lege; nulla lex (poenalis) sine necessitate; nulla necessitas sine uniuria; nulla iniuria sine actione; nulla actio sine culpa; nulla culpa sine iudicio; nllum iudicium sine accusatione; nulla accusatio sine probatione e nulla probatio sine defensione[17].

Dado curioso: no direito inglês, a maioria dos delitos está definida em lei escrita (statutory law), mas alguns crimes – “particularmente as formas do homicídio (murder and manslaughter), ainda não têm definição em lei escrita e permanecem como common law offences”. Citando Smith and Hogan, mostram Alexandre Araripe Marinho e André Guilherme Tavares de Freitas que, lá, “a existência de tais crimes é justificada pelas peculiaridades do referido sistema e, segundo a visão do Direito Inglês, não ofenderia o princípio da legalidade”[18].

I. “Proporção entre os delitos e as penas”. Tão importante quanto assegurar que não se cometam delitos é a necessidade de que haja proporcionalidade em relação ao mal causado à sociedade. “Deve haver, pois, proporção entre os delitos e as penas”[19]. O argumento de Beccaria foi bastante lógico: “se pena igual for cominada a dois delitos que desigualmente ofendem a sociedade, os homens não encontrarão nenhum obstáculo mais forte para cometer o delito maior, se disso resultar maior vantagem”[20]. Atualmente, costuma-se afirmar que a proporcionalidade vem do direito alemão. Na Itália, fala-se de razoabilidade; nos EUA, fala-se em princípio da convivência das liberdades públicas.

Sobre o assunto, diz Cezar Roberto Bitencourt:

Em matéria penal, mais especificamente, segundo Hassemer, a existência de proporcionalidade deve ser determinada mediante “um juízo de ponderação entre a carga ‘coativa’ da pena e o fim perseguido pela cominação penal”. Com efeito, pelo princípio da proporcionalidade, na relação entre crime e pena deve existir um equilíbrio — abstrato (legislador) e concreto (judicial) — entre a gravidade do injusto penal e a pena aplicada. Ainda segundo a doutrina de Hassemer, o princípio da proporcionalidade não é outra coisa senão “uma concordância material entre ação e reação, causa e consequência jurídico-penal, constituindo parte do postulado de Justiça: ninguém pode ser incomodado ou lesionado em seus direitos com medidas jurídicas desproporcionais.

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se confundem, embora estejam intimamente ligados [...]: o princípio da proporcionalidade tem origem germânica, enquanto a razoabilidade resulta da construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, Razoável é aquilo que tem aptidão para atingir os objetivos a que se propõe, sem, contudo, representar excesso algum[21]

A lição de Miguel Reale Júnior é a seguinte: 

A intervenção penal em um Estado Democrático deve estar revestida de proporcionalidade, em uma relação de correspondência de grau entre o mal causado pelo crime e o mal que se causa por via da pena.

O legislador, mormente no âmbito penal, não é nem pode ser onipotente, pois as incriminações que cria e as penas que comina devem guardar relação obrigatória com a defesa de interesses relevantes. Os fatos incriminados devem, pois, efetivamente ameaçar, colocar em risco ou lesar esses interesses relevantes.

Isso porque a ação do legislador penal está sujeita ao princípio constitucional da proporcionalidade, também dito princípio da razoabilidade e ao princípio da ofensividade. Estes princípios, verdadeiras pautas de conduta, dizem respeito não só à atuação do Executivo na sua atividade administrativa limitadora da liberdade dos administrados, referindo-se, também, à elaboração legislativa como corolário da concretização dos direitos fundamentais. Nesta perspectiva, atuam como mandados de proibição de excessos vinculativos ao legislador e ao intérprete/aplicador da lei[22]

VII. “Erros na medida das penas”. A “medida do delito é o dano causado à nação”: erraram aqueles que “pensavam que a verdadeira do medido era a intenção de quem o comete”[23].

VIII. “Divisão dos delitos”. Certos crimes “destroem imediatamente a sociedade ou quem a representa, outros defendem a segurança do cidadão na vida privada, nos bens, na honra; outros são ações contrárias àquilo que, por lei, cada um é obrigado a fazer ou não fazer, em vista do bem geral”. Os delitos que destroem “imediatamente a sociedade ou quem a representa” seriam os “delitos máximos”, que são “mais danosos”, tanto que “chamados de lesa-majestade”. Os delitos “privados”, embora também tenham o condão de ofender a sociedade, não procuram “a destruição imediata dessa mesma sociedade”. Os “atentados contra a segurança e a liberdade dos cidadãos” encerram “um dos maiores crimes e, nessa classe, incluem-se não apenas as assassinatos e os furtos do plebeus, mas também os dos grandes e dos magistrados, cuja influência age a maior distância e com maior vigor, destruindo, nos súditos, as idéias de justiça e de dever, substituindo-as pela do direito do mais forte, perigoso não só para quem o exerce como também para quem o suporta”[24].

I. “Da honra”. Beccaria chama de “honra”, na verdade, o que a paixão humana pode colocar em primeiro lugar em momentos calorosos: “a opinião”. Entre esta e as leis civis (“zelosas guardiãs”), “há marcante contradição”[25]. É a honra “um dos princípios fundamentais daquelas monarquias que são um despotismo atenuado e, nelas, correspondem às revoluções nos estados despóticos, momentânea volta ao estado da natureza e uma recordação do padrão da antiga igualdade”[26].

II. “Dos duelos”. Os “duelos privados” decorreram da “anarquia das leis”[27].

III. “Da tranquilidade pública”. Seriam uma “terceira espécie” de delitos aqueles “perturbam a tranquilidade pública e o sossego do cidadão, como algazarras e espalhafatos, nas vias públicas destinadas ao comércio e à passagem dos cidadãos”. Para prevenção da “perigosa intensidade das paixões populares”, Beccaria receita o seguinte: “noite iluminada às expensas públicas”, “guardas distribuídos pelos diferentes bairros da cidade”, “discursos da religião, reservados ao silêncio e à sacra tranquilidade dos templos protegidos pela autoridade pública”, “aranzéis destinados a apoiar os interesses privados e públicos nas assembleias da nação, nos parlamentos ou onde reside a majestade do soberano”[28].

XII. “Finalidades da pena”. “O fim das penas”, diz Beccaria, “não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido”. A finalidade da sanção penal é “apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo”. Isso, porém, tem de ser feito de maneira a causar uma impressão “mais eficaz e duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu”[29].

XIII. “Das testemunhas”. Uma boa legislação deve “determinar exatamente a credibilidade das testemunhas e das provas do crime”. Para Beccaria, a credibilidade sobre a palavra da testemunha “deve diminuir na proporção do ódio ou da amizade, ou das estreitas relações existentes entre a testemunha e o réu”. Defende-se, ainda, que “é necessária mais de uma testemunha, porque enquanto uma afirma e a outra nega, nada haverá de certo, e prevalecerá o direito que cada um tem de ser considerado inocente. A credibilidade de uma testemunha torna-se tão sensivelmente menor quanto mais cresce a atrocidade do delito ou a inverossimilhança das circunstâncias, como, por exemplo, a magia e as ações gratuitamente cruéis”[30]. Em nota de rodapé, Beccaria critica duramente um axioma que vigorou no sistema punitivo europeu: In atrocissimis leviores conjecturae sufficiunt, et licet judici jura transgredi (tradução dele mesmo: “Nos delitos mais atrozes, isto é, menos prováveis, as mais ligeiras circunstâncias bastam, e o juiz pode colocar-se acima das leis”. Para ele, essa máxima era ditada “pela mais cruel imbecilidade”, “um dos revoltantes princípios” em que a Europa estava submetida “quase sem o saber”[31].

XIV. “Indícios e formas de julgamento”. Uma prova perfeita é aquela que exclui a possibilidade de alguém não ser culpado; uma prova imperfeita não tem essa aptidão de excluir a possibilidade de alguém não ser culpado. Basta uma prova perfeita para a condenação; de provas imperfeitas “bastam tantas quantas sejam necessárias para constituir a prova perfeita, ou seja, que, se com cada uma destas, em particular, é possível que alguém não seja réu, diante de sua soma, no mesmo caso, é impossível que não o seja”[32].

I. “Acusações secretas”. Citando Montesquieu, Beccaria defende que “as acusações públicas são mais conformes à república, onde o bem público deveria constituir a primeira paixão dos cidadãos”[33].

XVI. “Da tortura”. A tortura do réu para instruir o processo é uma crueldade “consagrada pelo uso” em muitas nações. Se só se pode considerar alguém culpado depois da sentença, Beccaria questiona: “qual é, pois, o direito, senão o da força, que dá ao juiz o poder de aplicar pena ao cidadão, enquanto existe dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? Não é novo este dilema: ou o delito é certo ou é incerto. Se é certo, não lhe convém outra pena se não a estabelecida pelas leis, e inúteis são os tormentos, pois é inútil a confissão do réu. Se é incerto, não se deveria atormentar o inocente, pois é inocente, segundo a lei, o homem cujos delitos não são provados”[34]. Para Beccaria, o interrogatório do réu é vocacionado “para conhecer a verdade, mas se esta verdade dificilmente se revela pela atitude, pelo gesto, pela fisionomia de um homem tranquilo, muito menos apareceria no homem no qual as convicções da dor alteram todos os sinais através dos quais a maioria dos homens deixa, algumas vezes, contra a vontade, transparecer a verdade. Toda ação violenta confunde e suprime as mínimas diferenças dos objetos por meio dos quais se distingue o verdadeiro do falso”[35]. Além disso, a tortura teria uma desvantagem prática: 

Estranha consequência que, necessariamente, decorre do uso da tortura, é que o inocente é posto em pior condição que o culpado. Realmente, se ambos são submetidos ao suplício, o primeiro tem tudo contra si, uma vez que ou confessa o delito e é condenado, ou é declarado inocente, mas sofreu pena resistindo à tortura com firmeza, deverá ser absolvido como inocente, trocando a pena maior pela menor. O inocente, portanto, só tem a perder e o culpado só a ganhar[36]

XVII. “Do fisco”. Em determinada época, “quase todas as penas eram pecuniárias”, de maneira que os crimes “eram o patrimônio do príncipe”. No fim das contas, quem devia defender a segurança pública tinha, na verdade, interesse em vê-la lesada, e “o objeto da pena era, pois, o litígio entre o fisco (o cobrador dessas penas) e o réu. Tratava-se de negócio civil, contencioso, mais privado do que público, que dava ao fisco direitos outros dos conferidos pela defesa pública e aos réus outras culpas, além daquelas em que havia incorrido pela necessidade do exemplo. O juiz era, então, advogado do fisco, mais do que imparcial investigador da verdade; agente do erário fiscal mais que protetor e ministro das leis”[37].

XVIII. “Dos juramentos”. Há uma hipocrisia nos “juramentos [de cariz religioso] que se exigem do réu”, como se ele “pudesse jurar sinceramente, quando contribui para a própria destruição”[38].

XIX. “Rapidez da pena”. A lição é direta: “quanto mais rápida for a pena mais próxima do crime cometido, tanto mais será ela justa e tanto mais útil”[39]. Nesse sentido, “a prontidão da pena é mais útil porque, quanto mais curta é a distância do tempo que se passa entre o delito e a pena, tanto mais forte e mais durável é, no espírito humano, a associação dessas duas idéias, delito e pena, de tal modo que, insensivelmente, se considera uma como causa e outra como consequência, necessária e fatal”[40].

I. “Violências”. Certos delitos afrontam a pessoa; outros afrontam bens. “Os primeiros devem infalivelmente ser punidos com penas corporais”, pois do contrário o rico poderia “pôr a prêmio os atentados contra o fraco e o pobre”[41].

XXI. “Penas aplicadas aos nobres”. Para Beccaria, “devemos admitir que os homens que renunciaram ao despotismo natural, tenham dito: que o mais engenhoso tenha maiores honras e que sua fama resplandeça em seus sucessores; e quem é mais feliz ou mais honrado tenha maiores aspirações, mas não tema, menos que os outros, violar os acordos com os quais se elevou acima dos outros[42].

XXII. “Furtos”. Ao delito de furto (= subtração de algo sem violência) deveria se apenar, tão-somente, a pena pecuniária. “Quem procura enriquecer à custa alheia deve ser privado dos próprios bens, mas como habitualmente esse é o delito da miséria e do desespero, o delito daquela parte infeliz de homens a quem o direito de propriedade [...] não deixou senão uma existência de privações; mas como as penas pecuniárias aumentam o número dos réus mais do que o número dos delitos, pois que, ao tirar o pão dos criminosos, acabam tirando-o dos inocentes, a pena mais oportuna será então a única forma de escravidão que se pode chamar justa, ou seja, a escravidão temporária dos trabalhos e da pessoa a serviço da sociedade comum, para ressarci-la, com a própria e total dependência, do injusto despotismo exercido sobre o pacto social”[43].

XXIII. “Infâmia”. Beccaria defende que o que hoje entendemos como “delitos contra a honra” teriam de ser punidos com a infâmia. “Infâmia é o sinal da pública desaprovação que priva o réu do aplauso coletivo, da confiança da pátria e daquela quase fraternidade que a sociedade inspira”[44].

XXIV. “Os ociosos”. Um tipo de ócio, o “ócio político”, seria digno de tutela penal. Já o “ócio das riquezas acumuladas pela atividade” não passaria da atitude daquele que “goza dos frutos dos vícios ou das virtudes dos antepassados, e que, em troca de prazeres atuais, garante pão e existência à pobreza trabalhadora, a qual trava, em época de paz, tácita guerra, velada, da atividade com a opulência, em vez de incerta e sanguinolenta guerra com a força”[45].

XXV. “Banimento e confisco”. Para Beccaria, “a perda dos bens é pena maior que a do banimento”. De maneira que – observadas as proporções do delito – em alguns casos “haja a perda de todos ou de parte dos bens, e outros casos em que não”[46]. No contexto em que fala, o autor agora resenhado combate a ideia de exclusão do agente da sociedade, censurando expressamente o “confisco dos bens”, que “coloca a prêmio a cabeça dos fracos e faz recair sobre o inocente a pena do culpado, deixando-o na desesperada necessidade de cometer delitos”[47].

XXVI. “Do espírito de família”. O autor combate a contraposição do que chamou de “leis de família” e de “leis fundamentais da república”. As “funestas e autorizadas injustiças foram aprovadas mesmo pelos homens mais esclarecidos e praticadas pelas repúblicas mais livres, por terem considerado a sociedade mais como união de famílias do que como união de homens. Imaginemos cem mil pessoas, isto é, vinte mil famílias de cinco pessoas cada uma, incluindo o chefe que a representa. Se a associação for de famílias, haverá vinte mil pessoas livres e oitenta mil escravos. Se a associação for de pessoas, haverá cem mil cidadãos e nenhum escravo”[48].

XXVII. “Brandura das penas”. Talvez este capítulo concentre a maior preocupação de Beccaria, que diz: “um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas sua infalibilidade e, como consequência, a vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável que, para ser uma virtude útil, deve ser acompanhada de uma legislação branda”[49].

XXVIII. “Da pena de morte”. A pena de morte não é um direito, mas “a guerra da nação contra o cidadão, que ela julga útil ou necessário matar”[50]. A força simbológica da pena de morte, curiosamente, seria menor que a própria privação de liberdade, temporalmente mais presente para a sociedade: “não é o terrível, mas passageiro, espetáculo da morte de um criminoso, mas sim o longo e sofrido exemplo de um homem, privado da liberdade, e que, convertido em animal recompensa com a fadiga a sociedade que ofendeu, é que constitui o freio mais forte contra os delitos”[51].

XXIX. “Da prisão”. O cárcere parece ser um “mal necessário”. Enquanto subsistir, “o homem acusado de delito, encarcerado e depois absolvido, não deveria trazer consigo nenhuma nota de infâmia”[52].

XXX. “Processos e prescrições”. Com materialidade e com indícios do delito, é necessário “conceder ao réu tempo e meios convenientes para justificar-se, mas tempo bastante breve, que não prejudique a rapidez da pena”, rapidez essa que “é um dos principais freios dos delitos”. Delitos mais graves precisam de tempo de instrução menor, com aumento do prazo prescricional; delitos menos graves pressupõem prazo de prescrição menor[53].

XXXI. “Delitos de prova difícil”. “Há alguns delitos que são, ao mesmo tempo, frequentes na sociedade, e difíceis de serem provados, e, neles, a dificuldade da prova vale como a probabilidade da inocência, e sendo o dano da impunidade tanto menos apreciável quanto mais a frequência desses delitos depende de princípios diversos, do perigo da impunidade, a duração da instrução e o tempo da prescrição devem ser reduzidos igualmente”[54].

XXXII. “Suicídio”. Para Beccaria, suicídio “parece não poder admitir pena, pois ela só poderia incidir sobre inocentes, ou sobre o corpo frio e insensível”[55]. Lei que puna o suicídio seria inútil e injusta[56].

XXXIII. “Contrabando”. O delito de contrabando seria um verdadeiro crime, capaz de prejudicar “o soberano e a nação”[57]. Essa estirpe de ilícito merece uma sanção limitada “ao trabalho e ao serviço do próprio Fisco”, “mais adequados à natureza da pena”[58].

XXXIV. “Dos devedores”. Há diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal: “julgo importante distinguir”, diz Beccaria, “o falido doloso do falido inocente”. O primeiro deve ser “punido com a mesma pena cominada aos falsários de moedas”, mas o segundo, “aquele que, após rigoroso exame, prova diante do juiz que a malícia ou a desgraça alheia ou vicissitudes inevitáveis da humana prudência o despojaram dos bens” não merece igual destino[59].

XXXV. “Asilos”. Diz nosso iluminista que “a força da lei deve seguir o cidadão, como a sobra segue o corpo. A impunidade e o asilo diferem só em grau, e, como a impressão da pena consiste mais na segurança de encontra-la do que em sua força, os asilos mais convidam o homem ao delito do que as penas dele o afastam”. Assim, “multiplicar asilos é criar outras tantas pequenas soberanias, porque onde as leis não vigoram, novas leis, opostas às comuns, podem formar-se e, portanto, com espírito contrário ao do corpo inteiro da sociedade”[60].

XXXVI. “Da recompensa”. “À medida que crescem as luzes de uma nação, a boa fé e a confiança recíprocas tornam-se necessárias e cada vez mais tendem elas a confundir-se com a verdadeira política. Os artifícios, as cabalas, as estradas obscuras e indiretas são, no mais das vezes, previsíveis, e a sensibilidade de todos reduz a sensibilidade de cada um, em particular”[61].

XXXVII. “Tentativas, cúmplices e impunidade”. Beccaria faz sugestão de índole político-criminal: “não é porque as leis não castiguem a intenção, que o crime deixe de merecer pena, delito que comece com ação que revele o ânimo de cometê-lo, ainda que a pena seja menor do que a aplicável à própria prática do delito”[62]. Note-se que, pelo Código Penal agora vigente (Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940), a tentativa (CP, art. 14, inciso II) é punida: “salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. Como anota Alberto Silva Franco, a tentativa não passa de “um tipo objetivamente incompleto, tanto que o dolo que a informa é o mesmo dolo do crime consumado. De qualquer modo, para conceituar a tentativa, não basta o só desencadeamento do processo executivo de um fato, mas se exige também que se identifique a presença de uma vontade voltada na direção do resultado, que é a mesma do crime consumado”[63].

Outra nota político-criminal de Beccaria é a seguinte: “alguns tribunais oferecem a impunidade ao cúmplice de grave delito que delatasse os companheiros. Tal expediente tem inconvenientes e vantagens. Os inconvenientes são que a nação estaria autorizando a delação, detestável mesmo entre criminosos, porque são menos fatais a uma nação os delitos de coragem que os de vilania: porque o primeiro não é frequente, já que só espera uma força benéfica e motriz que o faça conspirar contra o bem público, enquanto que a segunda é mais comum e contagiosa, e sempre se concentra mais em si mesma. Além disso, o tribunal mostra a própria incerteza, a fraqueza da lei, que implora ajuda dos delitos relevantes, que, por terem efeitos evidentes e autores ocultos, atemorizam o povo”[64].

XXXVIII. “Interrogatórios sugestivos e depoimentos”. Beccaria critica a lei de seu tempo que, no processo, fomentam “os interrogatórios denominados sugestivos, isto é, aqueles que, segundo os doutos, indagam sobre a espécie, e não, como deveria, sobre o gênero, nas circunstâncias de um delito, a saber, os interrogatórios que, tendo imediata conexão com o delito, sugerem ao réu imediata resposta”[65]. Sobre essas questões, vale citar um trecho de interessante e profundo estudo de Eduardo José da Fonseca Costa sobre imparcialidade judicial (ainda que nenhuma relação exista entre sua tese e a obra de Beccaria), que nesta passagem invoca Chris Guthrie, Jeffrey K. Rachlinski e Andrew J. Wistrich: 

Hoje já se sabe que, às vezes, juízes profissionais ou jurados se levam por erros de representatividade na valoração das declarações das partes ou das suas testemunhas. Os estudos empíricos sugerem que, quando solicitadas a fazer um julgamento, as pessoas frequentemente raciocinam a partir de um caso representativo ou típico, tratando esse caso como se ele fosse inteiramente descritivo da gama total de casos possíveis. Ou seja, quando os sujeitos tecem juízos categóricos (p. ex., ponderar a probabilidade de que o acusado seja culpado), concluem que a evidência concreta analisada (p. ex., o comportamento do réu durante a audiência) representa a categoria (p. ex., culpabilidade ou inocência do réu). Se a amostra padece representativa ou similar à categoria (p. ex., o réu se mostra nervoso durante o interrogatório), o magistrado tende a julgar a probabilidade da categoria – a prova da culpabilidade – na mesma medida. Em contrapartida, quando a amostra não se parece com a categoria (p. ex., quando o réu se mostra calmo diante do juiz), produz-se o fenômeno inverso, ou seja, o julgador tende a ver nisso uma prova de inocência[66].

Por isso, segue E. J. da Fonseca Costa, “a evidência de que o juiz instrutor se vê afetado pela heurística da representatividade tem levado legisladores de vários países a separar as funções instrutória e decisória, de maneira que o juiz que instrui uma causa não possa sentenciar sobre ela”[67].

Beccaria sugeriu que os penalistas de sua época doutrinavam que interrogatórios deveriam “envolver o fato como uma espiral, sem jamais alcançá-lo por via direta”. O objetivo desse método, diz, s o de “não sugerir ao réu réplica que o ponha a salvo da acusação, ou talvez porque parece contrário à própria natureza que o réu se acuse imediatamente por si só”[68].

XXXIX. “De um gênero particular de delitos”. [...].

I. “Falsas idéias de utilidade”. Uma crítica de Beccaria é feita ao que ele designou como uma “falsa ideia de utilidade” capaz de sacrificar “mil vantagens reais a um inconveniente imaginário ou de poucas consequências”. Sugere, e. g., estar no grupo dessas falsas ideias “a as leis que proíbem portar armas”, manobra legislativa equiparável a tirar “o fogo dos homens, porque queima, e a água, porque afoga, que só repara os males com a destruição”[69].

XLI. “Como prevenir os delitos”. É “melhor prevenir os crimes que puni-los”[70]. Mas como prevenir os delitos? Beccaria responde: 

Quereis prevenir os delitos? Fazei com que as leis sejam claras, simples e que toda a força da nação se condense em defendê-las e nenhuma parte da nação seja empregada em destruí-las. Fazei com que as leis favoreçam menos as classes dos homens do que os próprios homens. Fazei com que os homens as temam, e temam apenas a elas. O temor das leis é sadio, mas fatal e fecundo, em delitos, é o temor de homem para homem. Os homens escravos são mais voluptuosos, mais libertinos e mais cruéis do que os homens livres. Estes meditam sobre as ciências e sobre os interesses da nação, vêem os grandes objetos, e os imitam, mas aqueles, satisfeitos com o dia presente, procuram, no tumulto da libertinagem, uma distração para o aniquilamento em que se encontram. Afeitos à incerteza em tudo, o êxito dos seus crimes torna-se-lhes problemático; favorecendo a paixão que os determina. Se a incerteza das leis incide sobre uma nação indolente pelo clima, mantém e aumenta a indolência e a estupidez. Se incide sobre uma nação voluptuosa, mas ativa, ela desperdiça a atividade dessas leis em número infinito de pequenas cabalas e intrigas, que semeiam a desconfiança nos corações e fazem da traição e da dissimulação o alicerce da prudência. Se a incerteza das leis incide sobre uma nação corajosa e forte, a incerteza é suprimida, gerando, antes, muitas oscilações da liberdade para a escravidão e da escravidão para a liberdade[71]

XLII. “Das ciências”. Beccaria segue trazendo um “roteiro” de prevenção dos delitos. E escreve:

Quereis prevenir os delitos? ir os delitos? Fazei com que as luzes acompanhem a liberdade. Os males que nascem do conhecimento estão na razão inversa de sua difusão e os bens na razão direta. O audacioso impostor, que é sempre um homem invulgar, é adorado pela plebe ignara e vaiado pelo homem esclarecido. Os conhecimentos, facilitando as comparações entre os objetos e multiplicando os pontos de vista, contrapõem muitos sentimentos que se modificam entre si tanto mais facilmente quanto mais previsíveis são, nos outros, as mesmas vistas e as mesmas resistências. Em face das luzes' esparsas com profusão sobre a nação, cala-se a caluniosa ignorância e treme a autoridade, desarmada de razões, permanecendo imutável a vigorosa força das leis, pois não há homem esclarecido que não goste dos pactos públicos, claros e úteis da segurança comum, ao comparar a parcela da inútil liberdade que sacrificou com a soma de todas as liberdades sacrificadas pelos outros homens, os quais, sem leis, poderiam tornar-se conspiradores contra ele. Todo aquele que, dotado de alma sensível, lançando um olhar sobre um Código de leis bem feito e achando que nada perdeu a não ser a nefasta liberdade de prejudicar a outrem, será levado a bem-dizer o trono e quem ocupa[72].

XLIII. “Dos magistrados”. Mais um meio de prevenir delitos, diz Beccaria, “é o de interessar o Colegiado, executor das leis, mais pela observâncias delas do que pela corrupção”. Quando súditos acostumam-se a temerem mais juízes do que as próprias leis, aqueles “se aproveitarão mais desse temor do que a segurança própria e pública lucrará”[73].

XLIV. “Prêmios”. Mais uma forma de prevenir crimes “é o de recompensar a virtude”. É a “moeda da honra”, sempre, “inesgotável e frutífera nas mãos do sábio distribuidor”[74].

XLV. “Educação”. Em primeiríssimo lugar no “ranking” de prevenção dos delitos é a educação[75].

XLVI. “Das graças”. [...]

XLVII. “Conclusão”. Beccaria conclui a obra com os seguintes dizeres:

Concluo com uma reflexão: que o grau das penas deva ser relativo ao estado da própria nação. Mais fortes e sensíveis devem ser as impressões sobre os ânimos endurecidos de um povo recém-saído do estado selvagem. É necessário o nua para abater o feroz leão que, com o tiro do fuzil, apenas se agita. À medida, porém, que os espíritos se abrandam no estado de sociedade, cresce a sensibilidade. e, crescendo esta, deverá diminuir a intensidade da pena, se se desejar manter constante a relação entre o objeto e a sensação.

De tudo quanto se viu até agora poderá extrair-se um teorema geral muito útil, mas pouco de acordo com o uso, legislador, por excelência, das nações, ou seja: para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei[76].

Notas e Referências

[1] BABINI, Maurizio. Cesare Beccaria: um iluminista italiano contra a tortura e a pena de morte. Revista Olho d’água, Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, v. 1, n. 1, p. 56, 2009.

[2] CRETELLA JR., José; CRETELLA, Agnes. Sobre Beccaria. In: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 9-11.

[3] Segundo nota dos tradutores, “este Prefácio, sob o nome de ‘Ao Leitor’, ou ‘A quem ler’, apresentado em forma de Aviso, não existia na primeira edição de 1764, tendo sido incluído, porém, nas edições posteriores, quando Cesare Beccaria, preocupado com as críticas veementes – e injustas – de Frei Angelo Fachinei e de outros da época, não quis responder sem se defender, antes, das acusações de revolta contra o príncipe e a religião, dirigidas ao livro recém-publicado” (CRETELLA JR., José; CRETELLA, Agnes. Nota de rodapé n.º 1 sob o capítulo “a quem ler”. In: BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 17).

[4] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 27.

[5] Idem, p. 28.

[6] Idem, p. 29.

[7] Idem, p. 30.

[8] Idem, p. 30-31.

[9] Idem, p. 31.

[10] Idem, p. 32.

[11] Idem, p. 33.

[12] CONJUR. Supremo deve obedecer sentimento social filtrado pela razão, diz Barroso. Consultor Jurídico, abr. 2018. Disponível em: https://goo.gl/hNCZq2. Acesso em 08 mai. 2018.

[13] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 35-36.

[14] MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 3.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 52 (nessa passagem, os autores citaram os Comentários ao Código Penal de Nelson Hungria).

[15] MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 3.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 52.

[16] WELZEL, Hans. Direito Penal. Trad. Afonso Celso Rezende. Campinas: Editora Romana, p. 62-63.

[17] PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal Brasileiro – volume 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 163.

[18] MARINHO, Alexandre Araripe; FREITAS, André Guilherme Tavares de. Manual de Direito Penal – -Parte Geral. 3.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 53.

[19] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 37.

[20] Idem, p. 39.

[21] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 21.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 68.

[22] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 29-30.

[23] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 40.

[24] Idem, p. 43-44.

[25] Idem, p. 45.

[26] Idem, p. 47.

[27] Idem, p. 48.

[28] Idem, p. 50.

[29] Idem, p. 52.

[30] Idem, p. 53-54.

[31] Idem, p. 53-54.

[32] Idem, p. 57.

[33] Idem, p. 60.

[34] Idem, p. 61.

[35] Idem, p. 64.

[36] Idem, p. 65.

[37] Idem, p. 67.

[38] Idem, p. 69.

[39] Idem, p. 71.

[40] Idem, p. 72.

[41] Idem, p. 73.

[42] Idem, p. 74-75.

[43] Idem, p. 76.

[44] Idem, p. 78.

[45] Idem, p. 80.

[46] Idem, p. 82.

[47] Idem, p. 83.

[48] Idem, p. 84-85.

[49] Idem, p. 87.

[50] Idem, p. 90.

[51] Idem, p. 91-92.

[52] Idem, p. 99.

[53] Idem, p. 101-102.

[54] Idem, p. 104-105.

[55] Idem, p. 108.

[56] Idem, p. 111.

[57] Idem, p. 112.

[58] Idem, p. 113.

[59] Idem, p. 114-115. Há uma nota muito interessante, a de n.º 33 na obra que resenhamos, de autoria do próprio Beccaria, assim redigida: “nas primeiras edições desta obra, eu mesmo cometi este erro. Ousei dizer que o falido de boa-fé deveria ser conservado como penhor da dívida contraída, reduzido ao estado de escravidão e obrigado a trabalhar por conta dos credores. Envergonho-me de ter escrito essas coisas cruéis. Acusaram-me de impiedade e de sedição, sem que eu fosse sedicioso, nem ímpio. Ataquei os direitos da humanidade, e ninguém se levantou contra mim ...” (p. 115).

[60] Idem, p. 117.

[61] Idem, p. 118-119.

[62] Idem, p. 120.

[63] FRANCO, Alberto Silva. Comentário ao art. 14. In: ______; STOCCO, Rui (coord.). Código Penal e sua interpretação – doutrina e jurisprudência. 8.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 133.

[64] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 120-121

[65] Idem, p. 122

[66] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. 187 f. Tese de doutorado — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2016, f. 102.

[67] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Levando a imparcialidade a sério: proposta de um modelo interseccional entre direito processual, economia e psicologia. 187 f. Tese de doutorado — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2016, f. 102-103.

[68] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 122.

[69] Idem, p. 126.

[70] Idem, p. 128.

[71] Idem, p. 129.

[72] Idem, p. 130.

[73] Idem, p. 133.

[74] Idem, p. 134.

[75] Idem, p. 135.

[76] Idem, p. 139.

 

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