Direito Penal Político e Direitos Humanos -  Impunidade e tratamento desigual aos delinquentes Vips do poder econômico. Consumismo globalizado gerador da criminalidade dos excluídos e oprimidos

27/02/2016

Coluna Espaço do Estudante

"O pior de todos os regimes econômicos é o da exceção instituída ao bel prazer da autoridade administrativa"...."É dos homens políticos mudar ; mudar é também dos filósofos, e também dos juristas, é de todos os espíritos humanos."...“O mais grave e o pior dos delinquentes é o servidor (autoridade) público quando ultrapassa o circulo (limite) da lei”.

Rui Barbosa

O sistema penal tem se preocupado apenas com três núcleos, a saber: o crime, criminoso e a pena; esquecendo-se da vítima, isto é, do principal protagonista do fato ilícito, deixando de lado a reparação dos danos causados pelo delito.

Impor pena é ato de poder e de comando, muitas vezes de abuso, de desrespeito e de maus-tratos contra a pessoa humana.

Afirma-se que o conhecimento penal não passa de um saber limitado, razão pela qual não chega ser ciência, propriamente dita, por restar comprovado os seus resultados práticos negativos através de seus mitos e ficções. Na verdade, o direito penal é uma disciplina de controle social dos excluídos e oprimidos.

O educador e filósofo Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do oprimido” (escrita no Chile, em 1968, quando se encontrava no exilio, e publicada no Brasil em 1974) mostra uma nova relação e comunicação entre professores e alunos; neste ensaio jurídico analogicamente falamos da necessidade de um diálogo franco sobre a ideologia penal, que ensine os estudantes e profissionais do direito trabalharem com a verdade ideológica da repressão estatal, sempre na defesa das garantias fundamentais constitucionais dos vulneráveis do sistema penal: os miseráveis.

Da mesma forma, Leonardo Boff promotor da “Teoria da Libertação” (década de 60 do século xx) refere-se sobre as injustas condições econômicas, sociais e políticas, para substituir o capitalismo; especialmente, apontamos como opção preferencial aos pobres, que são em regra os processados, condenados e aprisionados pelo sistema penal; também Lola Aniyar de Castro, em sua “Criminologia da Libertação” (1987).

A dita prevenção e repressão criminal é demagógica, surrealista e populista por afrontar os Direitos Humanos e atropelar um discurso real, acadêmico e científico, onde a estética e a aparência de suas funções, se sobrepõe ao respeito à dignidade da pessoa humana, a decência e a ética estatal.

Citamos Francisco C. Palazzo, quando se expressa contundentemente: “O Direito Penal é um instrumento privilegiado de política e utilidade social, tornando-se, por isso um tema político por excelência, como se dá no eterno conflito entre o indivíduo e a autoridade estatal” (in “Valores Constitucionais e Direito Penal”, ed. Fabris, 1980, Porto Alegre; trad. Gérson Pereira dos Santos, pg. 16).

Assim Howard Becker em sua obra “Studies in telha Sociology of Desviance” (N.Y. a Free Press Paperback, 1973), se refere que a imposição de leis se dá pelo poder politico- econômico, que impõe o ponto de vista e suas regras, cria e gerencia o sistema legal repressivo, controlando os meios de comunicação, para impor valores à classe baixa e média, em outras palavras, o delinquente é um “bode expiatório”.

Nesta linha de raciocínio “o direito penal não apenas limita a liberdade, como cria a liberdade” (Jescheck, ob cit), quando assegura as garantias fundamentais individuais, através das cláusulas pétreas autoaplicáveis e da prevalência dos princípios de Direitos Humanos, via cláusula de proteção, constante nos instrumentos internacionais.

Um modelo de justiça criminal verdadeiramente democrático se dá com a legalidade e a correta aplicação das normas em juízos e tribunais independentes, onde para acusação incumbe o ônus probandi; bem como garante a ampla defesa e o contraditório, sobretudo a presunção de inocência.

Administrar justiça com celeridade, transparência e imparcialidade é tarefa dos governos republicanos (em nome da “res” pública), seja pela forma ou sistema de governo, parlamentarismo ou presidencialismo, onde todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.

A Carta Magna reza que todos são iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza, princípio mor para construção de uma sociedade democrática, justa, livre e solidária.

Observar valores constitucionais-penais é missão do Estado Democrático e Social de Direito, que limita e reduz o seu poder punitivo - ius persequendi e ius puniendi -, para assegurar o devido processo penal legal isonomicamente entre todos os cidadãos, sem distinção entre extratos ou classes econômicas.

O poder político-econômico desiguala os cidadãos, em benefício de poucos contra muitos, induzindo o consumo desenfreado através da ganância dos trabalhadores assalariados, pois os indivíduos gastam o que não possuem para adquiri coisas e aparentar um estilo de vida “de poder pelo ter”, do “ter pelo ser”.

É a destruição dos valores sociais com a substituição da qualidade pela quantidade, na ânsia pelo sucesso, fazendo aumentar a criminalidade (furtos, roubos, assaltos, latrocínios), através de bens e dinheiro como meio para participar da vida consumista. Ressaltam L. Colleti e C. Napoleoni, em sua obra, como será “O futuro do capitalismo. Fracasso ou evolução”.

Entre os séculos xii e xviii se deu a revolução mercantil com a expansão econômica da Europa por “novos mundos” (África, Índia e América), através de barcos a vela e a remo, aplicava-se a pena de trabalho forçado obrigando os condenados a remarem ininterruptamente, acorrentados e chicoteados para alcançar o “além-mar”, colonizar e escravizar povos e gentes.

Na sequência a pena de morte é convertida em pena privativa de liberdade, devido à escassez de mão-de-obra nos séculos XVII e XVIII. A sanção capital não foi abolida completamente, mas fez o número de execuções diminuírem, substituindo por deportações, degredo, banimento, penas de galés e o encarceramento perpétuo em estabelecimentos especiais. (ver RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y Estructura Social. Trad. al español Emilio Garcia Mendez. Bogotá: Temis, 1984. p. 20-21-80-81-82-83)

A origem do sistema penitenciário tem forte ligação com o modelo econômico político, isto é, como o mercado de trabalho. Para Michel Foucault (“Vigiar e Punir”, 1975) que desvenda o castigo pelos mitos do cárcere como forma de disciplina e de controle social, exercida pelos detentores do poder econômico.

Já Dario Melossi e Massimo Pavarini (“Carcel y Fábrica”, 1977) falam do objetivo principal do confinamento humano que visa obrigar as pessoas ociosas a trabalharem e regular o valor do salário pago a grande classe social. Aquele que não trabalha é tido como vagabundo, e estes são os ladrões vulneráveis do sistema penal-penitenciário de ontem e de hoje, quando ensinam as teorias criminológicas burguesas e o projeto hegemónico de poder (“Control y Dominación” 1980).

A prisão no sistema norte-americano inicia com o regime absoluto de segregação, confinamento, disciplina e ordem, por volta dos anos 1700 do século xx.

E a revolução industrial (de 1760 a 1840) com início na Inglaterra, fez surgir à economia capitalista através da industrialização de produtos.

A renomada criminóloga latino-americana profa. Lola Aniyar de Castro em sua obra “Criminologia da Reação Social” (ed. Forense, RJ, 1983) assevera que “todo crime tem um viés político”, seja de comando, poder ou de revolta com o sistema ideológico; e ainda, o “Código Penal é a radiografia do sistema (leia-se político) que mantém” (pg. 40).

Lola cita Marx dizendo que o criminoso produz o crime e, consequentemente, produz professores, livros, texto, leis e legisladores; o aparato policial; juízes penais; contribui para o desenvolvimento tecnológico aperfeiçoando indústrias e todos os meios defensivos e produtos contra falsificações; fechaduras e cofres fortes; retira do mercado de trabalho a população excedente, onde boa parte é lançada para o sistema prisional; aumenta a insegurança e faz emergir as tensões sociais com as práticas de ilícitas.

Também o eminente penalista internacional prof. Raúl Egênio Zaffaroni (“A Questão Criminal”, ed. Revan, RJ, 2013) ao se referir sobre as ideologias e utilidade do direito penal, no contexto do mercado de capitais, fala de uma fantasmagórica hipótese de greve geral dos delinquentes (isto é, sem cometimento de crimes), o sistema de repressão criminal estatal entraria em colapso, afetando as companhias de seguros, os bancos, a polícia, grande parte do Ministério Público e do Poder Judiciário vinculado a área criminal; o controle alfandegário seria desnecessário, os escritórios de advogados penalistas e contabilistas especializados em impostos ficariam sem clientes; e tudo se tornaria inútil. E conclui o mestre argentino, seria “uma verdadeira catástrofe” (pg. 112). E em outras oportunidades em seus célebres escritos acadêmicos (ver “Criminologia. Aproximación desde un margen” e “En Busca de las Penas Perdidas”, ed. Temis, Bogotá, 1988 e 1999). E em suas magnas aulas de pós-graduação mostra que se as prisões fossem abertas e não houvesse nenhum alarido por parte dos meios de comunicação (da mídia sensacionalista), tudo continuaria na maior normalidade, pois a cidadania não notaria nada de extraordinário, porque existem muito mais crimes a desvendar (impunes) e prisões a serem cumpridas do que o total da população encarcerada.

As próprias agências judiciais e policiais chegam a divulgar que suas ações de repressão se dão na forma de amostragem; portanto, se a polícia prende por amostragem, o Ministério Público na sequência processa (denuncia) por amostragem, e o Poder Judiciário sentencia (condena ou absolve) por amostragem, num percentual que não chega a 10% da criminalidade real, transformando os princípios da legalidade, da isonomia e da obrigatoriedade da (ação penal) repressão, em verdadeiras letras mortas.  Aumentando o descrédito da sociedade com a polícia e o sentimento de insegurança pública, ante a inercia da prevenção contra a delinquência.

A produção e a globalização consumista continuam mantendo a funcionalidade do delito que sempre serviu ao sistema político-econômico do capital; posto que o poder estatal cria normas penais, estigmatiza e rotula cidadãos vulneráveis, isto é, aqueles sujeitos à punição e a prisão; deixando livres os chamados “criminosos do colarinho branco” (termo utilizado desde 1938), estes disfrutam do tráfico ilícito diretamente vinculado ao poder político.

O sistema penal se interessa em 99% com os crimes violentos ou “crimes de sangue”; já os delitos de fraudes fiscais, corrupção e desvios de verbas públicas passam despercebidos, impunes e estrategicamente no escanteio da repressão estatal, aumentando consideravelmente as “cifras negras” da delinquência obscura; ou seja, ela só diminui na medida em que aumenta a transparência, a publicidade e a visibilidade dos atos ilícitos (ob. cit pg. 67).

Disse Leauté “quando a polícia (leia-se também a justiça) lança as suas redes, não são os peixes pequenos que escapam, mas os maiores” (ob. cit pg. 68).

Lola ressalta, “a grande miséria da Criminologia é de ter sido somente uma Criminologia da miséria” (ob. cit pg. 75), porque o direito e o sistema penal só processam e prendem pessoas pertencentes ao baixo extrato social, dificilmente atuará contra os interesses da classe dominante, a mais abastada e minoria composta por poderosos políticos.

Durante a primeira metade da “guerra fria” as Nações Unidas intencionava elaborar um Pacto Internacional tratando das garantias judiciais fundamentais e do bem-estar econômico e social; devido às pressões e os conflitos entre os blocos dos países capitalistas e socialistas, o documento se dividiu em dois, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembleia Geral da ONU em 1966, e aderido pela Republica Federativa do Brasil após duas décadas e meia, em 1992.

No direito e na justiça penal democrática o principio da igualdade perante a lei e o tratamento ante os Tribunais se dá para os crimes comuns praticados pela classe economicamente subalterna, mas a impunidade requintada, vinculada aos cidadãos Vips, celebridades, autoridades públicas, grandes empresários e políticos, desfrutam do trafico ilícito com a cobertura de poder governamental.

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 2003 foi aderida pelo brasileiro em 2006, se preocupa internacionalmente com os crimes praticados por agentes do Estado, em conluio com os poderosos do sistema econômico e político, visando à prevenção, a criminalização dos atos de corrupção, a cooperação internacional e a recuperação de ativos.

Para se notar o enfoque social-positivista do direito penal capitalista, na atualidade, basta comparar as penas cominadas aos crimes cometidos pela classe baixa (latrocínio, roubos em geral), em relação aos ilícitos de desfalque financeiros e corrupção praticada pelos poderosos do colarinho branco, sendo que na hipótese de “retiro de cobertura política”, para estes, a pena permite regime aberto e até prisão domiciliar (invenção jurisprudencial); enquanto os vulneráveis do sistema são lançados e esquecidos nas prisões do tipo masmorras, em total desrespeito a dignidade da pessoa humana. (ver MAIA NETO, Cândido Furtado “Dos Delitos e das Penas no Brasil”, in Notais do Direito Penal, ed. Consulex, 2006, DF).

Alberto Binder em seu trabalho denominado "Estratégias para a Reforma da Justiça Penal", se manifesta sobre a inutilidade do sistema penal, afirmando que por ter um cunho eminentemente retributivo, a aplicação prática processual somente consegue redefinir o problema crime, e nunca resolver ou reparar os danos sofridos pela vítima, muito menos reintegrar o apenado a sociedade, onde a reincidência é gerada pelo próprio Estado ou pelo poder político.

O direito criminal não ressocializa - prevenção especial -, a pena cominada não intimida - prevenção geral - e o principal protagonista do conflito social (crime), que é a vítima, titular do bem jurídico supostamente “tutelado”, que sofreu prejuízos, nunca é indenizada na demanda do Estado-Acusação e Estado-Juiz. O sistema se preocupa, apenas, em dar uma resposta irreal à sociedade, ou seja, aplicar sanção sem objetivo, pura retribuição por repressão, o “mal por outro mal”.

O Estado necessita implementar uma boa política penal-vitimologica à luz dos instrumentos das Nações Unidas, dentre eles destacamos a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder (ONU /1985) e os Princípios Básicos para Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal (ONU / 2002) em prol da  Justiça Reconstrutiva ou Reparadora, visando à igualdade de tratamento para equilibrar os dois pratos da balança, um da vitima e outro do vitimário.


Cândido Furtado Maia NetoCândido Furtado Maia Neto é Procurador de Justiça – Ministério Público do Estado do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96).  Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Docente para Cursos Avançados de Direitos Humanos e Prática de Justiça Criminal no Estado Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Membro da Associação Nacional de Direitos Humanos (Andhep) e da Sociedade Europeia de Criminologia. Condecorado com Menção Honrosa na V edição do Prêmio Innovare (2008). Cidadão Benemérito do Paraná (Lei nº 15.721/2007). Autor de inúmeros trabalhos jurídicos publicados no Brasil e no exterior. www.direitoshumanos.pro.br


André Luís de Lima Maia. . André Luís de Lima Maia é Acadêmico do 5º ano do curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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