Diferencial de alíquota do ICMS é ilegal

24/01/2016

Por Charles M. Machado – 24/01/2016

O Direito é sempre provocado por novos fatos, e diante desses identificamos se os mesmos são ou não previstos em normas hipotéticas de Direito. Algumas discussões muitas vezes ficam adormecidas pela falta de provocação. Esse silêncio dos intérpretes, pode muitas vezes criar a falsa impressão de segurança jurídica, mais novos fatos fazem rever conceitos, e realizarmos novos estudos sobre velhos institutos.

Esse é o caso do Diferencial de Alíquota, exação que os Estados vem acentuando sua cobrança, após a edição da Emenda Constitucional 87/2015.

Diversos Estados celebraram Convênios e nesse momento exigem o recolhimento de diferencial de alíquota por parte de contribuintes. O que a Emenda fez foi introduzir no ordenamento jurídico uma nova regra sobre a competência impositiva dos Estados para que os mesmos possam fazer incidir, a cobrança do Diferencial de Alíquota, sobre novos fatos, nas operações realizadas entre Estados. Embora se trate de alteração na redação de apenas dois dispositivos do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal (incisos VII e VIII), a decisão tomada pelo legislador constitucional derivado modificou a essência, do mais importante imposto em arrecadação.

A Emenda Constitucional, que inicialmente tinha como foco reduzir a guerra fiscal acabou criando um clima de insegurança e construindo algumas ilegalidades.

É sempre bom lembrar que a lógica que sempre norteou o ICMS no Brasil, foi a regra de que o imposto é sempre devido ao estado de origem da mercadoria ("regra de ouro do ICMS"), com apenas uma exceção: o chamado diferencial de alíquota (DIFAL), que é devido ao estado de destino do bem. Entretanto, isto só ocorre em uma única e bem delimitada situação: quando o comprador-destinatário é contribuinte do imposto e, ao mesmo tempo, consumidor final dos bens adquiridos, nos termos da atual redação da Constituição Federal, artigo 155, § 2º, incisos VII e VIII (antes da EC 87/2015).

Até o advento do comércio eletrônico, a tendência de um consumidor não-contribuinte (pessoa física ou jurídica) era de adquirir a mercadoria desejada no próprio estado em que residia: bastava ir até uma loja próxima. Nestes casos, o ICMS sobre a operação era pago ao seu estado, já que é o estado de venda ("saída") da mercadoria. No caso das aquisições feitas em outro estado pelas empresas (contribuintes do imposto) localizadas nos estados "consumidores", poderia ocorrer uma de duas hipóteses: ou o estado (de destino) se beneficiava de parte do imposto, com o recolhimento do DIFAL a seu favor (se o adquirente o fizesse como consumidor final), ou se beneficiava ao arrecadar o ICMS devido na operação seguinte, quando a empresa vendesse a mercadoria para um terceiro, visto que o crédito era menor e por consequência a agregação de valor era maior, tendo como resultado um ICMS maior à recolher.

Com a internet, foi alterado essa relação, em especial quando os consumidores são não-contribuintes, domiciliados em outros estados, ou seja o consumidor final foi até um site, situado em outro Estado e realizou sua compra, sedno que quase sempre os CDs dessas empresas de comércio “on-line” fica nos maiores centros do Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), e que concederam ainda benefícios fiscais para manterem esses sites de e-comerce em seus estados.

Nesse caso o ICMS, é devido ao estado de origem do bem (São Paulo ou Rio de Janeiro, na maioria das vezes), logo não havendo que se falar, neste caso, em DIFAL, pelo menos na redação dos incisos VII e VIII do § 2º do art. 155 da CF/88 antes da EC nº 87/2015 (04). Na antiga regra, válida até dezembro de 2015, toda empresa comercial que vende para outro estado da federação deve ter duas preocupações básicas para determinar a regra de tributação da operação pelo ICMS: em primeiro lugar, saber se o seu cliente (destinatário) é ou não contribuinte do imposto. Se não for contribuinte do imposto (por exemplo, uma empresa prestadora de serviços sujeita apenas ao ISS ou uma pessoa física), a alíquota de ICMS aplicável é apenas e tão somente aquela prevista na legislação do estado de origem da mercadoria (ou seja, a chamada "alíquota interna" do estado em que localizada a empresa vendedora).

Anteriormente, se o destinatário da mercadoria (em outro estado) é não-contribuinte do imposto, incidirá na operação apenas a alíquota interna. Porém, se ele for contribuinte do ICMS, então a regra se altera: a alíquota incidente na operação será sempre a chamada interestadual (12%, como regra, e 7%, como exceção, além da alíquota de 4% para os casos específicos de mercadorias importadas).

Logo a premissa necessária para a incidência do DIFAL na vigência da nova emenda é que se trate de operação para consumidor final, seja ele contribuinte ou não do imposto. No caso do adquirente não-contribuinte ele sempre será consumidor final, como óbvio (é uma consequência da finalidade da compra e da natureza do adquirente). Entretanto, na hipótese de aquisição de mercadoria por contribuinte do imposto ele pode ou não utilizá-la como consumidor final. Não o faz, como sabido, se a adquire como insumo de produção ou para revenda, caso em que não haverá DIFAL com a EC 87/2015.

Ocorre porém, que a Constituição Federal não cria Tributos, ela por ser uma Carta Política, apenas divide competências impositivas, e como tal, são autorizações para que os Entes Políticos (Estados) no exercício de suas respectivas autonomias, façam a exigência do tributo, sempre através de Lei.

Logo a obrigação tributária, sempre nascerá de uma Lei Complementar Nacional, que define, como no caso do ICMS, a LC 87/96, onde não está previsto o diferencial de alíquota, na comercialização de produtos, a única exceção é para a prestação de serviços, onde incide o ICMS (Comunicação, Transportes).

Se isso não bastasse essas empresas, na maioria das vezes adquiriram produtos sujeitos a Substituição Tributária, Logo um novo recolhimento estaria ocorrendo sobre o mesmo fato gerador, o que a legislação veda.

Curioso foi o preciosismo empregado pelo Legislador Constituinte Derivado, no Texto da Emenda, quando diz "Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos no ano subsequente e após 90 (noventa) dias desta". Querendo deixar claro que está observando a regra da anterioridade conjugada, prevista no artigo 150, inciso III, alíneas "b" e "c" da Constituição Federal e aplicável ao ICMS.

O curioso é que os Estados, quando o assunto é o Diferencial da Alíquota, aplicam apenas uma parte da Constituição, evidentemente à que lhe interessa, e por decorrência passam por cima de um outro dispositivo Constitucional, que faz previsão a necessidade de lei Complementar para regulamentar a matéria, lei essa que é Nacional, logo se pretende cobrar o Diferencial de Alíquota, precisa Emendar a LC 87/96.

A Magna Carta assim prevê, a necessidade da Lei Complementar, consoante inciso XII, do parágrafo 2°, do artigo 155, verbis:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

.......

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

........

XII - cabe à lei complementar:

a) definir seus contribuintes;

b) dispor sobre substituição tributária;

c) disciplinar o regime de compensação do imposto;

d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;

e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a"

f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados

Logo, não basta a Emenda Constitucional prever a cobrança do Diferencial de Alíquota, é necessária que uma Lei Complementar o regule, e que após Convênio, o que já ocorreu, lei Estadual faça previsão a essa cobrança.

Até lá toda cobrança efetuada do Diferencial de alíquota das empresas é passível de ação que vise a restituição desses pagamentos havidos nos últimos cinco anos.

Lembro aqui as lições de José Afonso da Silva, na obras “ Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, Editora Revista dos Tribunais, 2ª. Edição, nas páginas 245 e 246, que classifica as normas constitucionais, do ponto de vista da eficácia de aplicabilidade como: normas de (I)eficácia plena e aplicabilidade imediata- “ situam-se predominantemente entre os elementos orgânicos da Constituição”; (II) eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição- “preveem meios normativos que limitem sua eficácia e aplicabilidade”; (III) de eficácia limitada ou reduzida – deixam ao legislador ordinário, a tarefa de complementar a regulação da matéria nela traçada em princípio ou esquema”.

Logo os dispositivos constitucionais que tratam do diferencial de alíquota, por força da previsão e necessidade de lei Complementar Nacional, se encontram entre as normas de eficácia limitada ou reduzida, uma vez que se encontram inseridas nas previsões constitucionais gerais acerca da previsão impositiva do ICMS, pelos Estados, e logo possuem outrso pré-requisitos para sua aplicabilidade.

A necessidade de arrecadar não permite passar por princípios edificados em nossa Magna Carta.

Com isso, concluímos pela ilegalidade da cobrança do Diferencial de Alíquota pelos Estados.

Para legalizar tal pretensão impositivo é necessário a edição de Lei Complementar Nacional, com a assinatura de Convênio Nacional e posterior publicação de norma Estadual que recepcione o convênio, nos termos da Constituição e da Lei Complementar 24/75 que regulamenta os Convênios.

Até lá o Contribuinte deve se socorrer do Judiciário, para buscar proteção a essa cobrança ilegal.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: no limits // Foto de: Peter Shanks // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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