Das possibilidade amorosas

07/10/2020

04/10/2020.

Para citação: ANDRADE, Léo Rosa de. Das possibilidades amorosa.  

 

Das possibilidade amorosas

Léo Rosa de Andrade

Doutor em Direito pela UFSC.

Psicólogo e Jornalista.

 

Garantem-me que meus episódios futuros estão traçados. Posso lê-los com a ajuda das variadas formas esotéricas que os iniciados dominam e com as quais vendem tanta esperança a incautos voluntários de avisada tentação.

Em países como o nosso, pouco estudado e com herança sincrética de distintas crenças, os que sabem desvendar o oculto me dirão conclusivamente o que será de mim, me contarão sobre o devir dos meus amores e das minhas dores.

Não haveria efeito se não houvesse fé no esperançado. Na minha esperança, eu sei que vai acontecer a predição, ou o desejado; a fonte do meu saber esperançoso é a fé (credo ut intelligam, Anselmo, santo para os católicos).

Os iniciados que aprenderam a compreender corações, habilitaram-se a falar a mim sobre mim mesmo. Só que não. O mundo, descurado que é, desobriga-se de cumprir os vaticínios dos operadores de crendice popular.

Essa coisa toda vem dos tempos em que se cria num universo ordenado no qual se encaixaria cada vida pessoal. Seria o Cosmos decodificável em que tudo aconteceria conforme estivesse inscrito na ordem das coisas.

Mas o mundo é caos. O Universo mesmo é caótico. Mais ainda o é a vida humana. Então, não, a ninguém é dado saber o amanhã. Não obstante, subscrevemos uma nota promissória de planos sobre nosso próprio futuro.

Queremos o controle da vida que advirá. Em parte, temos sucesso: o Universo, se não conspira a favor, também não conspira contra. Então, se conhecemos alguém que nos apaixone, podemos, sim, pensar em vida em comum.

Mas o desinteresse conspiratório do Universo me entrega ao acaso. Aliás, está dito, o Universo é, ele próprio acaso. Então meu projeto amoroso é fortuito no acontecimento, na permanência e na conclusão. A coisa é embaralhada.

“Quem eu quero não me quer \ Quem me quer mandei embora \ E por isso eu já nem sei \ O que será de mim agora \\ Por onde anda quem me quer \ Quem não me quer onde andará \ Que será de suas vidas \ Da minha vida o que será”.

O Bolero de Jorge Silva desabafa os desencantos, os desencontros, os desacertos. O compositor narra a maravilhosa álea que é a vida: ninguém me pertence; eu não pertenço a ninguém; todos pertencemos ao quem sabe.

Se hoje o mundo me dá alguém, amanhã me poderá levá-lo. Talvez me apresente a uma pessoa, ou apresente uma pessoa a mim. O imprevisto joga comigo. As coisas do querer são sérias, mas não são normatizáveis.

Tudo no mundo e com o mundo é um jogo tão circunspecto quanto aventuroso e desobrigado. A parte ajuizada é o possível de minha gerência: algum controle das escolhas. Se e quando escolhas coincidem, há um caso amoroso.

O caso amoroso são quatro “pessoas”: o mundo, a pessoa uma, a pessoa outra, o próprio caso amoroso. O caso amoroso tem vida própria e exigências. Na mentalidade comum, a alma do caso amoroso são os valores e ritos sociais.

Se uma das partes não atende as expectativas dos costumes, a coisa tende a não funcionar. A alma do caso amoroso se imiscui no pensamento das partes. Todo caso amoroso trivial presta sôfrego tributo aos costumes.

As pessoas uma e outra, todavia, estão sempre tentadas a trair os costumes, ou seja, o caso amoroso. É que a pessoa uma não sabe toda a outra pessoa, e a outra pessoa não sabe toda a pessoa uma. Não somos totalmente sabíveis.

As partes de uma relação só se sabem no que têm em comum. Como na teoria do conjunto: só nos sabemos na (pequena) área de intersecção; o mais é coisa que uma parte não conhece da outra, ainda que não suporte não conhecer.

Então, temos: o mundo fazendo tentação; o caso amoroso botando regras; as pessoas uma e outra, por não se saberem, não se controlam; por não saberem seu par, não o controlam. E não caber normas para o não sabido angustia.

Há encontros, há desencontros. Relações amorosas vêm e vão. A possibilidade amorosa subsiste no limite do desejo. Desejantes de casos amorosos, perambulamos entre buscas e perdas. Como isso dói. Como isso é bom.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Large red heart sign on an empty billboard // Foto de: Horia Varlan // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/horiavarlan/4887025967

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura