Consunçâo ou condenação simultânea dos crimes de tráfico de drogas e posse de maquinário? – Por Jonathan Cardoso Régis e Eder Aleixo Bee

08/04/2017

No presente artigo veremos se as penas cominadas nos crime de tráfico de drogas e posse de maquinários para preparação de drogas, quando praticados no mesmo contexto fático, podem ser absorvidas pela mais grave, ou se é aplicável a condenação simultânea pelos dos tipos incriminadores.

A doutrina é divergente quanto ao tema, portanto abordarei as duas orientações pertinentes. A primeira afirma que o art. 34 da Lei n. 11.343/06, poderá ser absorvido pelo art. 33 da mesma lei. A segunda admite a possibilidade de condenação simultânea pelos dois tipos penais.

A absorção de um delito significa que um crime menor faz parte de um delito maior, deste modo, ele será julgado como parte do delito maior, e não como um crime em separado.Por outro lado, a condenação simultânea, entende-se a aplicação do cúmulo material, onde “somam-se as penas cominadas a cada um dos crimes. Tal sistema é adotado no concurso material (CP, art. 69)”[1].

Nesta ocasião veremos sobre o que tratam os artigos 33 e 34 da Lei n. 11.343/2006[2], popularmente conhecida como “Lei de drogas” ou Lei antidrogas”.

O art. 33 caput, da Lei n. 11.343/06, prevê que importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, resultará no crime de tráfico de drogas.

Classifica-se como:

Crime de conduta mista ou misto alternativo ou de conteúdo variado. As diversas ações típicas versam crimes de mera conduta ou instantâneos. Mas é crime permanente, nas modalidades guardar, ter em depósito, trazer consigo e expor à venda, ensejando a prisão em flagrante[3].

Já o art. 34 da referida lei, dos verbos fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, importarána figura dos laboratórios clandestinos.

Classifica-se como “crime permanente nas modalidades possuir e guardar. Crime de ação múltipla ou conteúdo variado e de mera conduta”[4].

Doravante, destacam-se os posicionamentos favoráveis a aplicação da absorção como sanção adequada aos que infringirem os artigos 33 e 34 da Lei n. 11.343/06, num mesmo contexto fático.

A propósito, registro a valiosa lição do Ministro Marco Aurélio Bellizze, como Relator no Recurso Especial n. 1.196.334 – PR (2010/0097420-8) sobre o tema:

Como visto, trata-se de tipos mistos alternativos, os quais descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois são consideradas várias formas de realização da figura típica. Referida opção legislativa tem por objetivo proteger o bem jurídico tutelado – saúde pública – da forma mais ampla possível. Dessarte, a prática de mais de uma conduta no mesmo contexto não configura concurso de crimes, por se cuidar de ato preparatório ou sequencial do dolo principal do agente[5].

Sob o mesmo julgado, o Ministro Marco Aurélio Bellizze concluiu pela aplicação da absorção do art. 34, pelo art. 33, desde que não caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes:

(...) a prática do art. 33, caput, da Lei de Drogas absorve o delito capitulado no art. 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a vulnerar o bem jurídico tutelado de forma distinta. Destarte, necessário aferir se as condutas retratadas nos autos são ou não autônomas no caso concreto, a fim de verificar a efetiva existência de dissídio[6].

Na concessão do Habeas Corpus 100.946/GO, o Ministro Dias Toffoli, diante da mesma controvérsia, apontou que:

Da minha óptica, contudo, as condutas imputadas ao paciente se destinavam precipuamente a um só crime-fim: o tráfico de entorpecentes, na modalidade de fabricação e posterior comercialização de merla (derivado da pasta base de cocaína), a conduzir ao raciocínio de que não possam ser cumulativamente impostas ao paciente sanções autônomas por ambas as infrações[7].

Sobre o art. 34 da Lei de Drogas, Vicente Greco Filho afirma que “a pena privativa de liberdade para o delito do artigo é menor, no mínimo e no máximo, que a pena do artigo anterior, de modo que, se a conduta do agente também violar uma das proibições ali previstas, o delito a ser considerado será aquele e não este[8]".

Igualmente, Renato Marcão afirma que “o tipo descrito no art. 34 da Lei de Drogas é de natureza subsidiária, razão pela qual deve ficar absorvido pelo crime de tráfico, ressalvadas situações excepcionais[9]”.

“Para o promotor Rogério Sanches (LFG) há apenas um crime, o tráfico de drogas previsto no art. 33 da lei, restando subsidiário o crime do art. 34 por ser o mesmo bem jurídico atingido, a saúde pública[10].”

Para que ocorra a condenação simultânea, o delito do art. 34 deverá constituir figura autônoma fática. Agora, se a conduta do agente, a droga preparada para comercialização e os instrumentos forem aprendidos no mesmo local e no mesmo contexto, só haverá um crime, o tráfico de drogas.

Subsequente, apontarei o posicionamento que trata os arts. 33 e 34 da Lei nº 11.343/06, como figuras autônomas.

“Se forem encontrados no mesmo contexto fático as drogas e os objetos para prepará-las, haverá dois crimes em concurso material somando-se as penas, esta é a posição de Guilherme Nucci, Juiz de Direito[11].”

Neste sentido, destaca-se a doutrina de Guilherme de Souza Nucci[12], in verbis:

Figura autônoma e delito equiparado a hediondo: não se trata de tipo subsidiário ao art. 33 (antigo art. 12 da Lei 6.368/76), de modo que, aplicado este, desapareceria o crime do art. 34 (antigo art. 13 da Lei 6.368/76). São figuras distintas e, igualmente, importantes. Se o agente, por exemplo, importar maconha e fabricar, no Brasil, cocaína, deve responder por dois delitos. Não há nenhum fundamento, em nosso entendimento, nem sequer de política criminal, para haver a absorção do delito do art. 34 pelo crime previsto no art. 33. O crime do art. 34 não está contido no art. 33, de forma que se afasta a subsidiariedade. Por outro lado, os dois são igualmente relevantes, razão pela qual também não deve haver, como já mencionado, a absorção. Cuida-se de autêntico concurso material de crimes.

Consoante a doutrina supracitada, a nova lei de drogas prevê expressamente a responsabilidade penal de condutas que, normalmente, seriam apenas atos preparatórios para o crime de tráfico.

Nesta seara, destaca-se o voto do relatado Ministro Gilson Dipp no julgamento do Habeas Corpus n. 179.744 – SP (2010/0131528-4[13]):

A respeito do pleito de absorção dos art. 33, 1º, inciso I e art. 34 pelo art. 33, caput, todos da Lei nº 11.343/06, nota-se que se trata de delitos distintos, não necessariamente contidos no crime de tráfico ilícito de entorpecentes como simples fase para sua realização. As condutas típicas se referem, um, à preparação e produção, o outro, ao maquinário utilizado para a produção e transformação de drogas. É evidente a autonomia dos delitos, cuja prática não se restringe a meios absortos nos atos típicos do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

Notadamente trata-se de um posicionamento minoritário por parte da doutrina. Para tanto, a jurisprudência vem se assentando contrariamente a este posicionamento, dando ênfase a absorção dos delitos em estudo, salvo exceções, como se conclui.

Portanto, o crime do artigo 34 da lei de drogas deve ser considerado como tipo penal subsidiário do crime mais grave, art. 33 da referida lei, que é o tráfico ilícito de drogas.

Deste modo, o primeiro tipo penal exerce função de controle penal como medida de prevenção de combate ao tráfico de drogas.

Assim a prática do artigo 33 da Lei de Drogas absorve o delito do artigo 34 da mesma lei, desde que não fique caracterizada a existência de contextos autônomos e coexistentes, aptos a violar o bem jurídico tutelado de forma distinta.


Notas e Referências:

[1] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v.1, parte geral: (arts. 1º a 120). 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 458. ebook.

[2] BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 30 jan 2016.

[3] FREITAS, Jayme Walmer de. Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 34, nov 2006. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1366>. Acesso em abr 2017.

[4] FREITAS, Jayme Walmer de. Aspectos penal e processual penal da novíssima lei antitóxicos.

[5] STJ - REsp: 1196334 PR 2010/0097420-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 19/09/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2013)

[6] STJ - REsp: 1196334 PR 2010/0097420-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 19/09/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2013)

[7] STF - HC: 100946 GO, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 25/10/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-039 DIVULG 24-02-2012 PUBLIC 27-02-2012

[8] GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 208.

[9] MARCÃO, Renato. Tóxicos: Lei n.11.343, de 23 de agosto de 2006: nova lei de drogas. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253.

[10] GONÇALVES, Marcelo Santin. Comentários à Lei de Drogas - Lei 11 343/06. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 14 abr. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31729&seo=1>. Acesso em: 27 fev. 2017.

[11] GONÇALVES, Marcelo Santin. Comentários à Lei de Drogas - Lei 11 343/06.

[12] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed.. São Paulo: RT, 2007, p. 332-333.

[13] STJ - HC: 179744 SP 2010/0131528-4, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 12/04/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2011.


 

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