As avaliações MORAIS da indicação de MORAES

11/02/2017

Por Alexandre Walmott Borges, Andrey Lucas Macedo Corrêa, Marco Aurélio Mendes e Moacir Henrique Júnior - 11/02/2017

O mês de fevereiro começou com a notícia da indicação de Alexandre de Moraes para o cargo de Ministro do STF. Como é do conhecimento notório, provável investidura na vaga do falecido Ministro Teori Zavascki, e o indicado ainda ocupando o cargo de Ministro da Justiça.

Com a indicação e divulgação pela imprensa, as considerações e críticas à possível investidura surgiram, e foram muitas com conteúdos e apreciações as mais diversas. Neste espaço aproveitamos para lançar algumas observações sobre as críticas da indicação e sugerirmos que talvez esteja faltando alguma crítica de indicação. Nos permitimos o teor direto das críticas para evitar qualquer maquiagem das mesmas. Ao que nos parece há o predomínio da crítica naquele sentido de julgar, ou condenar, e há a rarefeita crítica naquele sentido de julgar a capacidade e a competência para o exercício do cargo. Vamos aos detalhes e argumentos com uma tipologia das críticas. Com esta tipologia destacamos que há uma avaliação conservadora e pouco consistente sobre as exigências que podem ser cobradas do provável investido, e uma incompreensão sobre quais são os papéis de um Ministro do STF:

1. As atividades advocatícias. Circulam com frequência os argumentos de que o indicado advogou para organizações criminosas, ou para empresas suspeitas. Tais considerações são a própria negação da atividade advocatícia. Ao que consta, seja lá quem for o sujeito, a todos há o direito ao julgamento justo, inclusive com acompanhamento e assessoramento por advogados. Esta crítica é das mais difíceis de aceitar, pois embarca na recente onda de criminalização da própria advocacia. De uma hora para outra imergimos numa apreciação moral carregada de preconceitos sobre a função do advogado. E o dever funcional de tutelar o estado de direito? Advogados respeitáveis são (serão?) aqueles que patrocinam clientes limpos?

2. A filiação partidária. Ora, ora, repercussão da visão de desconfiança da política e de que é possível a indicação do imaginado juiz neutro. Filiado? Antes da investidura desfaça-se a filiação. O que pensar da tradição de outros tribunais ou cortes constitucionais que se sabe, são órgãos de julgamento político-constitucional. O que dizer do juiz Warren, governador californiano e republicano da veia?! Como dito ao início, este argumento é a própria reencarnação do juiz neutro construído pelos estereótipos mais antigos do direito, e do judiciário. Entender o juiz como neutro é o primeiro passo para entende-lo como superior, afinal, vivemos em um contexto social e institucional liberal, segundo o qual o neutro, o racional, tem mais valor frente ao partidário e ao emocional.

3. Agente de acomodação da lava-jato. E então centralizamos a discussão sobre o perfil de um juiz do STF na possível capacidade de influenciar uma ação penal!!! E que papel de musculatura hipertrofiada terá este Ministro, capaz de, com voto único, definir os rumos da tramitação desta ação penal. O estado da arte nada promissor da lava-jato de desmandos, arrogâncias, prisões de constrangimento e violações ao estado de direito já foi dado, com participação dos onze que lá estão e não será com este super juiz conspirador que se alterará o estado das coisas, por absoluta incapacidade de tal determinação num órgão colegiado. Interessante que esta apreciação comporta uma avaliação ao sabor de ardil 22: se julgar pela liberdade de acusados, ou correção de abusos, será um juiz de acomodação, de obstáculo à lava-jato; se julgar pela legitimidade, constitucionalidade e legalidade dos atos será um pau mandado das arbitrariedades, um acuado e amedrontado, um comando eliminador de petistas no STF. E, mais uma vez, por que discutimos uma ação penal entre tantas outras enormes tarefas do STF? Talvez isto explique a misteriosa e incompreensível lista de sugestões da associação de juízes, de indicação para o STF de juízes com competência ou afazeres de varas criminais, e da lava-jato, com absoluto desprezo às necessidades de uma corte ou tribunal constitucional. Voltamos a afirmar, a lava jato está longe de ser um instrumento de funcionamento normal das instituições, quiçá, do que muitos dizem justiça. É, antes, uma operação sem limites institucionais, com um poder que afronta todas as instituições, basta se perguntar qual seria a competência territorial do juiz de primeiro grau de Curitiba. A tese aqui é bem parecida com a questão da advocacia, temos que responder à pergunta: podemos quebrar a regra quando o réu não é nosso “amiguinho”? parte dos setores progressistas da nossa República entendem que sim, mas sempre nos perguntamos qual seria a opinião se a Lava-Jato, este verdadeiro leviatã, de repente se voltasse para aqueles que aplaudem os requintes fascistas de sua atuação. Voltamos a afirmar, o moralismo e o estado e exceção, que é bem mais do que uma disposição normativa, é um estado de coisas (em que estamos) não pode ser descrito de outra forma se não fascista, e este sistema precisa da destruição total do Estado e da Economia para prevalecer (já vimos esse filme).

4. A tese doutoral. Na tese escrita na burocracia do caminho de obter o título, lá atrás, o doutorando encheu o texto de argumentos de juízos morais perfunctórios sobre a investidura de Ministros: não devem ser anteriores ocupantes de cargos de livre indicação do Executivo. Por quê? Porque servem de barganha política. Pois bem, talvez os outros cargos, que não de livre indicação ostentem uma aura protetora que os livra disto. As narrativas hoje reveladas da investidura do Ministro Fux servem para mostrar como, juízes de carreira, se indicados, estão livres desta negociação perversa (‘matam no peito’...).

5. E quem é ele, afinal? Surgem as perguntas capitais sobre Alexandre de Moraes: o que pensa sobre direitos fundamentais? O que pensa sobre a tensão entre liberdade, estado e poderes privados? O que pensa sobre alterações da constituição? Pouco ou nada se discute sobre isto na tipologia acima. Pois bem, nós, ao contrário, podemos bem apontar alguns conteúdos para a discussão crítica. A apreciação dos livros de Moraes, com circulação no mercado, mostra, antes de tudo, uma produção pobre, pouco elucidadora. São os típicos roteiros taxonômicos para concursos, mnemônicos, sem aprofundamento crítico. Nada se encontra além dos repetidos bordões de notícias de outros tribunais ou cortes. Ou, nalguns casos, o famoso compilar de julgados do STF, organizados por artigos, aptos à decora necessária para as provas de ingresso em carreiras jurídicas. Nada se encontra, nada se aprofunda, e a insossa crítica e avaliação moral de Moraes em nada ajuda na apreciação consistente de um futuro Ministro do STF. Não é possível aquilatar nada do conhecimento jurídico de um homem com produção de natureza tão rasa, tão voltada à consuntibilidade instantânea. A trajetória de vida em nada colabora, pois há um caminho sinuoso, acomodatício, de oscilações ao gosto do momento. Nada sabemos sobre a concepção de Moraes de constituição, de um tribunal constitucional, da jurisdição constitucional, da tutela de direitos. A ignorância é abastecida pelos críticos e suas enviesadas discussões moralizantes, e pela vida e produção do indicado. Dessa forma, pautamos aqui, não só a crítica à nomeação de Alexandre de Moraes, mas também a fôrma e composição da corte constitucional brasileira. Não se trata de uma mera análise do conhecimento jurídico ou das preferências morais do indicado, mas sim, antes de mais nada, de uma reflexão sobre o quanto as críticas caminham no sentido de favorecer o fortalecimento de uma juristocracia palaciana que servirá de estandarte moral (do justo) da nação. Entendemos que os setores progressistas não podem ser levados pelo sabor dos ventos argumentativos para criar teses que não se sustentam, nem pela moralidade, nem pela juridicidade.

Enfrentamos o recrudescimento de um estado policial, juristocrático e com pitadas de fascismo diário. Diante desse cenário, ou se constrói a crítica fundamentada nos pontos que ela deve permear e atacar, ou se cai nas falácias do punitivismo e do estado de exceção, que temos, antes de tudo, que combater. O Supremo Tribunal Federal não se tornará mais elitizado, mais juristocrático, mais cerceador dos direitos fundamentais com o Moraes, ele já o é, pois o epicentro desta crise está muito além das cores políticas envolvidas, está na fôrma posta e no poder conferido a esferas tão distantes (socialmente, economicamente, politicamente etc.) da sociedade.

Antes de criticarmos a indicação deste possível (porém muito distante) expoente da cultura jurídica conservadora no país, o que ao nosso ver, se encontra muito mais como “o produto de um sistema que tem vinte anos de desenvoltura anacrônica”, vejamos que existe uma importante consideração de Foucault em sua obra-curso Em defesa da sociedade que casa perfeitamente com a conclusão que pretendemos esboçar:

Ao contrário, agora, no gabarito de inteligibilidade da história, a partir do momento em que a história e polarizada pela relação Nação/Estado, virtualidade/atualidade, totalidade funcional da nação e universalidade real do Estado, vocês vêem bern que presente vai ser momento mais cheio, momento da maior intensidade, o momento solene em que se faz a entrada do universal no real. Esse ponto de contato do universal e do real num presente (um presente que acaba de suceder e que vai suceder), na iminência do presente, e isso que Ihe vai dar, a um só tempo, o valor, a intensidade, e que vai constituí-lo como princípio de inteligibilidade. O presente já não é o momento do esquecimento.  Ao contrário, é o momento em que vai brilhar a verdade, aquele em que o obscuro, ou o virtual, vai revelar-se em plena luz. O que faz que o presente se tome, ao mesmo tempo, revelador e analisador do passado.

O que é este presente que vivemos? Seria um aterrador momento de esclarecimento de todos os subterfúgios de organização do Estado, da cultura jurídica e da formação de uma nação que deixamos apenas em um papel após a Constituinte de 1988? Alexandre de Moraes não é um autor, caberia afirmar que seria um dos muitos resultados que a cultura jurídica formou no país. A figura caricata do indicado é quase que uma metáfora para gerir uma alegoria sobre os problemas que circundam o Poder Judiciário e o ensino do Direito. Alexandre de Moraes é o reflexo no presente deste passado deixado para trás sem que fosse olhado sob consequências futuras.


Alexandre Walmott BorgesAlexandre Walmott Borges é professor de Direito Constitucional na graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia e professor visitante do mestrado em Direito da UNESP. Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia. Coordena o Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: walmott@gmail.com


Andrey Lucas Macedo Corrêa. Andrey Lucas Macedo Corrêa é mestrando em Direito e Ciência Política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia com período sanduíche na Universidade de Coimbra em Portugal. É secretário executivo do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: andreylucas93@hotmail.com


Marco Aurélio Mendes. Marco Aurélio Mendes é escritor e mestrando em Justiça Administrativa pela Universidade Federal Fluminense. É graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. É pesquisador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU e autor da obra “Abapanema”. E-mail: marcoaurelio.souzamendes@gmail.com.


Moacir Henrique Júnior. Moacir Henrique Júnior é advogado e professor da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Faculdade Politécnica de Minas Gerais. Mestre e Doutorando em Direito e Ciência Política pela Universidade de Barcelona. É pesquisador-fundador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados – LAECC/PPGD-UFU. E-mail: moacirhenriquejr@gmail.com.


Imagem Ilustrativa do Post: f=ma? // Foto de: Hash Milhan //Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/hashir/476852101

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura