Artigo 942 do CPC: da necessidade de extensão do quórum em embargos de declaração. Parte 2

05/11/2023

Em continuidade do estudo acerca da possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado do artigo 942 do CPC em embargos de declaração, será analisado importante tema.

Em escrito anterior, restou consignada a possibilidade de ampliação do quórum na hipótese em que a apelação tenha sido julgada mediante a referida técnica, por maioria, devendo os embargos replicar essa forma de julgamento, em razão da sua natureza integrativa, além da preservação da composição originária do órgão julgador[1].

Vale mencionar, o fato de que, em que pese essa técnica ser dirigida ao recurso de apelação, o julgamento não unânime, com as suas especificidades, de ação rescisória e agravo de instrumento estão sujeitos à ampliação, também chamada de “colegiado do colegiado”.

Pois bem, consignou-se, no aludido texto que os embargos de declaração em face de acórdão de apelação não unânime devem se submeter a técnica de ampliação, em razão de se manter a simetria e a coerência do julgamento[2].

Porém, surge indagação que demanda minuciosa análise, qual seja: em julgamento de recurso de apelação unânime, subsequentes embargos de declaração julgados por maioria devem observar a extensão do colegiado?

Deve-se vislumbrar, por oportuno, que a técnica que ora se estuda surgiu com vistas a substituir o recurso de embargos infringentes, revogado pelo atual CPC, mas que subsiste em alguns casos isolados, como, a título de exemplo, na Lei de Execução Fiscal.

Em razão disso, a extensão do quórum é uma técnica impositiva, não dependendo de requerimento ou de ato de ofício, devendo incidir imediatamente em caso de julgamento de apelação não unânime.

A meu sentir, caminhou muito bem o legislador, ao passo que a instituição do “colegiado do colegiado” franqueia ao jurisdicionado uma oportunidade, senão uma segurança, de ter o seu recurso analisado por mais dois desembargadores, com a possibilidade de inversão do resultado.

O julgamento colegiado revela-se de suma importância, posto que defere a julgadores experientes o conhecimento de toda a demanda possibilitando uma melhor análise do caso.

Pode-se dizer que cada desembargador tem em média trinta anos de carreira, que somado aos outros dois julgadores da turma, perfazem por volta de noventa anos de experiência, apenas, na magistratura. Tendo muito mais de vida, e julgador bom é julgador experiente.

Com o ingresso de mais dois desembargadores nos casos de julgamentos não unânimes, esse tempo médio de experiência jurídica se eleva para cento e cinquenta anos, o que traz ao sistema uma elevada prudência na análise do recurso. Soma-se conhecimento jurídico com prudência, perfazendo o verdadeiro objetivo da “juris + prudência”, tudo com vistas a aperfeiçoar a prestação jurisdicional.

Desse modo, é sabido que os embargos de declaração em face de acórdão de apelação não unânime devem obedecer a similitude do julgamento originário, possibilitando a inversão do resultado pela integração natural dessa espécie de recurso.

Nesse ponto, existe certa lógica processual, ainda que não expressa no diploma processual de regência.

Lado outro, já não tão cristalino, encontra-se a indagação acerca da possibilidade de incidência dessa técnica de julgamento, em embargos de declaração, ante o julgamento unânime da apelação originária.

Ora, os dizeres do artigo 942 são claros ao preceituar que apenas em caso de julgamento não unânime se dará a ampliação do quórum. Interessante notar a utilização da expressão quórum qualificado, com a qual discordo pelo fato de o quórum originário já ser qualificado, melhor sendo falar em ampliação ou extensão, pois não se pode diminuir o quórum original e nem afirmar que o aumento quantitativo irá qualificá-lo juridicamente, mas sim quantitativamente, ampliando o debate.

Portanto resta a dúvida: em caso de julgamento uniforme da apelação, os embargos de declaração opostos em face desse acórdão, na hipótese de nascimento de voto divergente capaz de alterar o resultado final do apelo, devem obedecer à técnica de ampliação do colegiado?

Em que pese a falta de previsão legal, a resposta revela-se afirmativa. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo no sentido de permitir a ampliação no julgamento dos aclaratórios tanto em julgamento originário não unânime de apelação, conforme anteriormente exposto, bem como no caso de embargos em face de acórdão em que o julgamento da apelação revelou-se uniforme.

No primeiro caso, consentâneo ao explanado em texto próprio, em caso de julgamento ampliado de recurso de apelação, consequentes embargos devem ser julgados pelo mesmo órgão prolator, em sua inteireza, prestigiando a simetria no julgamento, em total similitude do colegiado originário.

Mas, no que diz respeito à possibilidade de ampliação do quórum em julgamento do recurso integrativo oriundo de apelação unânime, o motivo autorizador se revela distinto.

Em importante posicionamento, a Corte da Cidadania cristalizou a questão, a ementa restou exarada nos seguintes termos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A controvérsia recursal cinge-se a definir se a técnica de julgamento ampliado prevista no art. 942 do CPC/2015 aplica-se quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação. 2. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial. 3. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 4. Recurso especial provido[3]. 

No caso, a relatora Ministra Nancy Andrighi, que restou vencida, em seu voto, aduziu que apenas em caso de acolhimento dos embargos de declaração por maioria com efeitos infringentes é que se poderia cogitar a incidência da técnica de julgamento ampliado.

Ora, quis então dizer a nobre relatora que em julgamento de apelação unânime, apenas se poderia cogitar de ampliação de quórum em embargos de declaração subsequentes na hipótese de acolhimento com efeitos infringentes.

Percebe-se que, no caso de julgamento não unânime de apelação, os embargos deverão ser analisados perante a mesma composição originária, de outra borda, conforme voto da relatora no julgamento do recurso especial acima ementado, em caso de acórdão de apelação unânime, os consequentes aclaratórios somente poderiam sofrer a extensão do colegiado pelo resultado de acolhimento, por maioria, no sentido de alterar o acórdão do apelo originário.

Além disso, caso acolhidos para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material, sem efeitos modificativos, não seria hipótese de ampliação.

Pois bem. Não foi o que restou consignado no voto vista, prevalecente no ilustrado julgamento, proferido pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze.

O recurso de embargos de declaração constitui julgamento indireto do acórdão de apelação, em razão da sua natureza integrativa, que deságua em um acórdão uno entre os dois recursos.

A posição vencedora no aludido precedente, se consolidou no sentido de que deve ser ampliado o quórum no julgamento dos embargos referentes ao acórdão unânime de apelação, quando o voto vencido nascido apenas no julgamento dos aclaratórios tiver o condão de alterar o resultado originário, independentemente do desfecho não unânime dos embargos, se providos ou não, com ou sem efeitos infringentes.

No caso concreto, o voto vencido prolatado no julgamento dos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação teria o condão de alterar o resultado inicial daquele julgamento colegiado, afigurando-se de rigor a aplicação da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/2015.

O correto raciocínio se fundamenta no sentido de que o voto vencido teria relevante poder de convencimento no colegiado, sendo mister a ampliação para que outros dois julgadores possam se manifestar sobre a matéria, e, em razão do caráter uno e integrativo dos embargos de declaração, o resultado da apelação poderia ser revertido.

Importante menção, por óbvio, que o voto vencido tem de ocorrer na primeira “fase” do julgamento, antes de eventual ampliação.

Idêntica conclusão repousou no julgamento do AgInt no AI em REsp n° 2.214.392/SP, relator Ministro Francisco Falcão.

A ratio desse entendimento é corroborada por posição jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, de que em eventual julgamento ampliado, em que pese atingida a maioria pelo quarto julgador, não se pode dispensar a manifestação do quinto.

A fundamentação desse posicionamento, além da preservação do princípio do juízo natural, pois a lei nos diz que, ampliado o colegiado, serão convocados outros julgadores em número suficiente à reversão do julgamento, se dá na medida em que importante argumentação jurídica trazida por qualquer dos componentes do quórum estendido, mesmo com maioria formada após quatro votos, tem o condão de alterar a posição dos demais, que podem rever o seu posicionamento até a proclamação do resultado. Pois, importante lembrar, a técnica de julgamento ampliado é continuidade e não novo julgamento.

Destarte, em que pese o julgamento uniforme da apelação, surgindo o voto divergente apenas no julgamento dos embargos de declaração, que por si só tenha o condão de alterar o resultado originário, haverá a extensão da turma, visando o debate jurídico, o amadurecimento da matéria e o consequente aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

 

Notas e referências

[1] https://www.academia.edu/108572650/Artigo_942_do_CPC_da_necessidade_de_extens%C3%A3o_do_qu%C3%B3rum_em_embargos_de_declara%C3%A7%C3%A3o_Parte_1

[2] REsp Nº 2024874 – RS, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3° Turma, Julgado em 7/3/2023

[3] REsp n° 1.786.158/PR, relator designado Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3° Turma, Julgado em 20/5/2023.

 

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